O déficit ecológico

Desde os anos de 1970 as atividades antrópicas estão provocando um déficit ecológico, pois a humanidade está consumindo mais do que o Planeta é capaz de repor. O ser humano está consumindo muito peixe, muita carne, muita terra, muita água, muita energia. A pegada ecológica mundial atingiu um planeta na década de 1970. Atualmente a economia mundial já utiliza um planeta e meio. Em 2030 serão 2 planetas. Por volta de 2050, no padrão atual, estaremos utilizando cerca de 3 planetas, segundo a Footprint Network.

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A energia fóssil é o maior exemplo de como a humanidade está usando uma riqueza acumulada durante milhões de anos e que não será reposta. O grande salto da economia mundial no século XX ocorreu em função da utilização das fontes de energia (carvão mineral, petróleo e gás) que não são renováveis. Ou seja, a economia mundial está vivendo de uma “poupança” que herdamos da natureza e que foi depositada no subsolo terrestre ao longo de diversas eras geológicas. E o pior, estamos queimando, indiscriminadamente, esta poupança que herdamos da mãe Terra e devolvendo em forma de CO2, o que provoca o aquecimento global do Planeta.

É com os combustíveis fósseis que a humanidade produz a maior parte da eletricidade que movimenta as fábricas, o comércio, as casas, os escritórios, os hospitais, as escolas, os campos de futebol, os sambódromos, etc. É com os combustíveis fósseis que se planta e se produz a maior parte dos alimentos que vão para a mesa dos mais de 7 bilhões de habitantes do mundo. É com os combustíveis fósseis que se transporta as multidões urbanas, que se realiza viagens intermunicipais, interestaduais e internacionais e que se garante maior parte do transporte de carga de tudo que é produzido e consumido no mundo.

Portanto, a humanidade é dependente dos combustíveis fósseis, pois sem toda esta energia proveniente de material orgânico morto, o padrão de vida dos habitantes da Terra decairia bruscamente. Já existe uma máquina mundial montada e azeitada para produzir e consumir esta riqueza fóssil. Parar esta máquina é muito difícil. No curto prazo, ninguém quer abrir mão dos seus interesses imediados, embora muitos cientistas expliquem para as pessoas, as empresas e os governos que os resíduos dos combustíveis fósseis (poluição, CO2, aquecimento global, acidificação das águas dos rios, lagos, oceanos, etc.) vão provocar danos irreparáveis a Gaia. Outra exploração não renovável são os aquíferos fósseis (água acumulada no subsolo durante milhões de anos). A Arábia Saudita, por exemplo, está esvaziando seus aquíferos fósseis e vai ter que investir pesadamente em dessalinização da água salgada, o que demanda muita energia.

A população e a economia mundial continuam crescendo e construindo uma civilização que não cabe em um só Planeta. Dizem que as novas tecnologias, o desenvolvimento sustentável e a economia verde vão resolver o problema do déficit ecológico. Seria ótimo se estas “panacéias” funcionassem. Mas não é o que está acontecendo na prática. As projeções mostram que, entre 2010 e 2030, a população mundial vai crescer em torno de 1,3 bilhão de habitantes e o PIB mundial vai dobrar de tamanho. As políticas macroeconômicas estão voltadas para a promoção do crescimento. É dificil diminuir ou reverter o consumo de casas, carros, luz elétrica, água, educação, saúde, geladeiras, microondas, máquinas de lavar, roupas, alimentos, brinquedos, computadores, iPods, iPads, iPhones, lazer, turismo, etc. Ou seja, a Pegada Ecológica continua crescendo, mas o Planeta continua do mesmo tamanho e, pior, cada vez mais depauperado e com menos recursos fósseis à disposição.

É necessário parar esta danosa máquina econômica, que suga a Terra, mas não basta a boa intenção de algumas pessoas. Sem dúvida, iniciativas individuais são bem vindas. Porém, é preciso ações coletivas e um acordo global para reduzir os gastos militares, para investir em energias renováveis, para modificar o padrão de produção agrícola e industrial, para construir cidades sustentáveis, para despoluir as águas, as terras e o ar, para defender a biodiversidade, etc. O mundo precisa de um grande acordo internacional para salvar Pachamama e os seres vivos que nela habitam.

Infelizmente a Rio + 20 não vai resolver este problema do déficit ecológico, pois a força da industria dos combustíveis fósseis é muito grande. Para se aprovar uma resolução avançada na Rio + 20 é preciso o consenso de todos os países do mundo. Evidentemente, os grandes produtores e consumidores de carvão, gás e petróleo não vão querer prejudicar suas fontes de crescimento econômico e de lucro. O próprio Brasil, que está sediando a Conferência, não vai querer contrariar os interesses da Petrobrás e de seus acionistas e funcionários. Afinal, todos os municipios brasileiros estão contando com os royalties do pré-sal. O Brasil já se endividou demais e agora precisa vender óleo e gás para pagar suas dívidas econômicas. Portanto, o mundo continua dependendo da “poupança” fóssil, depositada no sub-solo em passado distante.

Mas só temos um planeta para utilizar e morar. Em breve, teremos que nos contentar apenas com os recursos presentes e renováveis. Quando os recursos fósseis acabarem, teremos de ajustar o padrão de consumo da humanidade ao fluxo real de vida do Planeta. Como se diz na linguagem popular: “o olho não pode ser maior do que a barriga”, ou seja, o padrão de vida não pode ser maior do que as fontes da vida. As aspirações não podem ser maiores do que as condições materiais. A humanidade está vivendo de uma riqueza que a natureza depositou no passado. Quando esta riqueza se esgotar, o ser humano vai ter obrigatoriamente de diminuir sua Pegada Ecológica.

Porém, contra todas as evidências científicas, o mundo continua em sua rota rumo ao precipício, aumentando a Pegada Ecológica, sem se importar com o aquecimento global e a degradação ambiental. Desta forma, mesmo com todos os alertas, parece que o nível de consumo de bens e serviços da humanidade vai continuar aumentando, elevando a dívida acumulada por décadas de utilização de crescentes déficits ecológicos. Mas esta dívida terá que ser paga, mais cedo ou mais tarde. Não adianta empurrar os problemas com a barriga e nem guardar a sujeira debaixo do tapete.

Se nada for feito na Rio + 20, os custos sociais e ambientais serão maiores nos anos vindouros. É melhor previnir do que remediar. Mesmo porque, se a doença se agravar, o futuro remédio terá que ser bem mais amargo. Neste caso, nem é bom pensar como será a “Rio + 40”.

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José Eustáquio Diniz Alves