Literofagia By Alex Sens / Share 0 Tweet Quando pensamos em Angola, vem à mente Luanda e sua história sangrenta. Carros encimados por homens carregados de metralhadoras, linchamentos, explosões, ambição por diamantes, comitês e organizações estudantis que sentem na política seu sangue ferver, a independência colocada acima de vidas e das virtudes dessas vidas; busca por liberdade, por dignidade, por direitos arrancados em função de grandes poderes, e às vezes silenciados como são aqueles que rompem barreiras ideológicas; o racismo e o ostracismo abertos e carnudos como uma flor de ódio regada constantemente pela loucura humana. Sobre tudo isso jaz um escombro de esperança. “Estação das Chuvas” (Língua Geral, 344 páginas), segundo romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa, mistura uma labiríntica história ficcional de personagens bem-construídos com a assustadora história política da África moderna. Estes dois caminhos, um de rica ficção e outro absolutamente jornalístico, se confundem ao longo do livro, sendo quase impossível saber o que é realidade e o que é imaginação. O romance é dividido em nove partes, cada parte com uma porção de capítulos curtos, o que torna a narrativa mais saborosa e menos cansativa. A primeira e a segunda, intituladas de “O princípio” e “A poesia” respectivamente, expõem um pouco da vida de Lídia do Carmo Ferreira, personagem central do livro, embora quase ausente. Esta figura é apresentada pelo narrador, um jornalista cujo nome nunca é revelado e que ao longo de toda a história intercala vidas de personagens com quem tem uma ligação direta ou indireta, a sua própria vida e breves trechos de uma entrevista que fez com Lídia em 1990. Em 1975, ano de independência de Angola, o narrador, com quinze anos de idade, foge de casa para se juntar ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, um pouco antes de sua família entrar num avião rumo a Portugal. Com o amigo Tito Rico, este futuro jornalista é preso e na prisão descobre e vivencia um dos muitos lados negros da sua época. Tudo isso só acontece na quinta parte, “O dia eterno”, pois a narrativa não é linear. Agualusa inicia o romance contando a história de Lídia, que 17 anos depois, em 1992, recomeço da guerra civil angolana, desaparece. Ainda em 1975 tanto ela quanto sua poesia são apresentadas, e pelas inúmeras quebras e torções narrativas, descobrimos que enquanto estudante Lídia tornou-se obcecada por António Guilherme Amo, filósofo negro africano, cuja vida e obra foram escolhidas para sua tese de licenciatura. Sua história é contada em parte através da busca pelas poucas informações existentes de Amo, em parte por seu envolvimento nos comitês políticos que lutavam pela libertação de Angola até sua prisão, e finalmente por seus relacionamentos com outros personagens que tiveram também alguma relação com o narrador, cujo principal objetivo no enredo é buscar esclarecimentos para o desaparecimento da poeta. A maior qualidade de “Estação das Chuvas” é sua tecitura e como, numa primeira leitura inatenta, ela pode parecer confusa. Agualusa uniu um ritmo jornalístico não-linear com períodos curtos e uma grande quantidade de diálogos que se misturam às histórias de vida de cada personagem, e isso faz o romance ter um sabor mais original do que muitos outros com o mesmo tema. Cada novo nome apresenta um segundo que nos leva a outro cenário, até que todos estejam interligados pelo horror da história luandense. Não é um livro fácil; tem um peso histórico, político e social, transporta o leitor para uma época sombria, não obstante é guarnecido aqui e ali com imagens poéticas, tanto da própria figura de Lídia (“A vida era mais bela em março/ A chuva trazendo a salalé; febres, e entre o lodo/ e os limos/ pedaços de homens armados (a guerra que nunca coube em mim) … O meu coração está cheio de cansaço. Dorme na lama entre as flores. Morri e ninguém soube de nada.”) quanto da voz do próprio José Eduardo Agualusa através do narrador sem nome (“A jovem riu-se, seu riso ecoou fresco e brilhante como um estilhaçar de vidros.”), que como bom jornalista, passeia pela essência de passados humanos para construir seu romance documental. Se você tem Twitter, tuíte até o dia 3 de fevereiro a mensagem em negrito para concorrer ao livro “Estação das Chuvas” — que sortearei no dia 4 de fevereiro: Quero ganhar o romance “Estação das Chuvas” (@linguageral), do Agualusa, que @alexsens sorteará em sua coluna no @o_ps: http://kingo.to/s2c. Para participar é preciso seguir o OPS! no Twitter: @o_ps. Update (resultado): Quem ganhou o livro foi Felipe Bilharva (@FelipeBilharva). Resultado do sorteio: http://sorteie.me/1DcP3Y. [Recentemente a Língua Geral lançou “Milagrário Pessoal”, outro romance de Agualusa. Conta a história de Iara, uma jovem que descobre, através de seu trabalho como linguista, que a língua portuguesa está sendo subvertida a nível global, e com a ajuda de um professor angolano viaja para o Brasil em busca de uma misteriosa coleção de palavras que teriam sido roubadas à “língua dos pássaros”; um livro de amor, mas sobretudo com a marca do escritor angolano, cujo foco se dá nos aspectos históricos e geográficos de seus enredos.]