Ronda Noturna By Marcos Schmidt / Share 0 Tweet Questões como a inovação e a originalidade são recentes na pintura. E é Baudelaire quem as coloca em pauta. Imagine-se um artista que estivesse sempre, espiritualmente, em estado de convalescença e se terá a chave do caráter de C. G. Ora, a convalescença é como uma volta à infância. O convalescente goza, no mais alto grau, como a criança, da faculdade de se interessar intensamente pelas coisas, mesmo por aquelas que aparentemente se mostram as mais triviais. Charles Baudelaire, em “O Pintor da Vida Moderna” Assim Baudelaire define Constantin Guys, pintor moderno por excelência, segundo o poeta. O que chama a atenção nesse pequeno trecho é a relevância, até então inédita, dada à novidade. A novidade e o ineditismo, por mais que isso nos pareça estranho hoje, não eram exigências feitas ao pintor. Constantemente, os artistas eram contratados para fazerem trabalhos à moda de alguém. Originalidade, portanto, é coisa moderna, e Baudelaire fez-se porta-voz dessa nova abordagem. Isto implica que sua concepção do belo necessariamente inclui o transitório ao lado do perene; daquilo o que é fugaz junto àquilo o que é a totalidade da experiência do tempo. Baudelaire afirma essa posição com clareza quando fala do interesse do “solitário com imaginação ativa” pela moda: “trata-se, para ele, de tirar da moda o que esta pode conter de poético no histórico, de extrair o eterno do transitório”. Poemas como “Uma Carniça” e “Remorso Póstumo” corroboram esse posicionamento. Outro ponto fundamental no pensamento de Baudelaire é a cidade. A experiência da modernidade é uma experiência necessariamente urbana, e a cidade é o tema principal do pintor moderno. Não a cidade enquanto paisagem, mas antes suas relações, seus cruzamentos, suas exclusões, suas novíssimas funções e seus novos valores. É o que se pode observar nas próprias obras do poeta, especialmente nos “Quadros Parisienses”. Penso que dois artistas traduziram à perfeição o pensamento baudelariano: Whistler (assunto de um artigo anterior) e Manet. Este, como o pintor da cidade e de suas conexões. Já Whistler aproxima-se das concepções de Baudelaire por outro caminho: o da teoria das correspondências e do dandismo. A teoria das correspondências tem origem mística: preconiza o mundo como um reflexo pálido do céu. Tem suas raízes nos primórdios do cristianismo e encontrará uma sistematização definitiva no século XVIII com o filósofo sueco Emmanuel Swedenborg. Baudelaire certamente conhecia essa teoria através de Edgar Allan Poe, além de alguns outros contemporâneos seus que trataram do tema. A teoria das correspondências imagina a existência de um mundo invisível e superior, onde sons, cores e perfumes formariam uma “tenebrosa e profunda unidade”. Um postulado desse posicionamento pode ser visto no poema “Correspondências”. Whistler encarna ainda, melhor do que Manet, a figura do dândi, esta personagem símbolo da modernidade. O destaque dado por Baudelaire ao dandismo é a face mais visível do seu culto ao artificial, ao difícil, e também de sua visão negativa da natureza. É importante notar que não há analogia direta entre a obra de Manet e os versos de Baudelaire (em Whistler talvez exista). Como afirmou Émile Zola: “conheço a viva simpatia que aproximou o poeta e o pintor; mas penso poder afirmar que este último (Manet) jamais cometeu a bobagem, como tantos outros, de querer colocar idéias em sua pintura”. (Continua…)