Clínica de Recuperação para Políticos

– Bom dia! E então, como é que estamos nos sentindo, deputado? – Vazio. Sinto um vazio muito grande. – Angústia? – Não, física. Vazio nas mãos. Faz uma semana hoje que não toco ao menos numa cédula de real! – Não seja por isso. Se for só esse o problema… Aqui, tome, eu tenho uma de dez. – Que […]

Cesare Maccari Cicero Denuncia Catilina

– Bom dia! E então, como é que estamos nos sentindo, deputado?

– Vazio. Sinto um vazio muito grande.

– Angústia?

– Não, física. Vazio nas mãos. Faz uma semana hoje que não toco ao menos numa cédula de real!

– Não seja por isso. Se for só esse o problema… Aqui, tome, eu tenho uma de dez.

– Que bom! E a senhora pode deixar aí em cima e fingir que não vê, enquanto eu subtraio ela?

– Pelo visto o senhor não tem se esforçado no tratamento, deputado. Tem lido a Ética a Nicômaco que lhe dei?

– Juro que tentei. Mas, definitivamente, não gosto de ficção, doutora. A senhora não teria alguma coisa do Mario Puzo?

– Não. Tem tomado os remédios contra compulsão?

– Compulsivamente.

– Não é o que a enfermeira me contou. Diz que o senhor tem guardado os remédios e tentado revender aos doentes da ala dos autistas, com preços superfaturados e comissão de dez por cento.

– Nego e repilo. Eu e os autistas tivemos apenas contatos de ordem pessoal. São gente boa. Gosto de conversar com eles.

– Deputado, deputado, pense no bem que o senhor vai sentir após acabar o tratamento. Passando o período de abstinência, tudo fica mais fácil. Lembre do prefeito, seu ex-colega de quarto, por exemplo…

– Ha! Pois ontem mesmo meus assessores tavam me contando que ele se transformou num pária. Tem feito licitações, não desvia dinheiro do orçamento, recusou aumento de salário e até – pasme! -respeita o percentual de investimento na saúde! Diz que dá pena ver o coitado.

– Ele apenas foi reintegrado como cidadão útil à sociedade, deputado.

– Só se foi à Sociedade Brasileira de Psiquiatria! Porque ninguém da sociedade, que eu conheça, quer mais papo com ele: nem banqueiro, nem empreiteiro, nem empresário, nem juiz, nem lobista. Segundo parece, o pobre vai acabar a vida como funcionário assalariado e honesto. Tem até pagado imposto! Argh.

– É… O seu caso é mais grave do que eu pensava. Ao que parece, a medicação não tem surtido o efeito esperado, o senhor desenvolveu uma espécie de imunidade… É de lamentar.

(orgulhoso) Dilamentar, não. Parlamentar.

– Vou aumentar a dosagem do seu remédio. O senhor vai passar a tomar duas caixas do Ladronol, 200mg diários de Corruptil e dois comprimidos noturnos de Propinex.

– É pouco.

– O senhor sente necessidade de mais?

– Sinto. Que tal se a senhora receitasse, digamos, dez caixas? Vendo as outras oito e lhe dou o lucro de três.

– Deputado, deputado… Isso é desonestidade!

– Tudo bem. De quatro, então. Meio a meio.

– Chega. Vou mandar recolher o senhor. O senhor só tem jeito com CPI.

– Oba! Enfim um lugar onde a gente pode mentir à vontade sem maiores conseqüências.

– Centro de Profilaxia Integrado. O seu caso é pra tratamento intensivo!

– Calma, doutora. Pra tudo há um jeitinho. Será que a gente não pode fazer um acordo? A senhora já pensou num cargo no Ministério da Saúde? Pode ser secretária da minha filha!

– O que nós já conversamos sobre nepotismo?

– Mas eu sou um homem família!

– Deputado, deputado…

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Marconi Leal