Fundamentos By Henrique Cruz / Share 0 Tweet A arte tem múltiplas facetas, sendo impossível caracterizá-la em uma definição. Apesar disso, surgem ocasiões em que a arte é uma manifestação de matemática pura. A série de Fibonacci é um exemplo maior, revelando aspectos insusitados do mundo lato sensu. Aproveito a série para descrever a espiral logarítmica e a sua representação em coordenadas polares. Conceitos de logaritmo e frações contínuas são também abordados. Recorro a Marcelo Gleiser, cientista brasileiro, professor de Física Teórica no Dartmouth College, EUA, para ilustrar os meus argumentos. Nada parece tão distante da matemática quanto à arte. Que vínculos poderão existir entre o formalismo da razão e a liberdade da estética? Não me refiro ao legado da história, se bem que poderia falar da contribuição da matemática na beleza das obras de arte. Também não irei procurar no acervo das ciências o que quero apresentar. Vejamos então do que se trata. No ano 1202, o mercador e matemático italiano Leonardo de Pisa, ou Leonardo Fibonacci, (1170-c.1250), publicou uma obra a que deu o título Liber ábaci, (Livro do ábaco), onde apresentou uma seqüência numérica, que mais tarde, ficou famosa. A seqüência começa com três números 1, 1 e 2, e em seguida, cada termo, é igual à soma dos dois termos anteriores. Temos, portanto a seguinte seqüência infinita: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34,… Quando foi publicada, ninguém prestou muita atenção. Aliás, o próprio Fibonacci não se deu conta do seu valor. Ele montou a seqüência para resolver um problema banal fictício: “Um homem ganhou um casal de coelhos recém-nascidos. O casal inicia o ciclo de reprodução a partir do 2°mês, nascendo um novo casal a cada mês seguinte. Quantos casais o homem vai ter no 12°mês?” Vamos contar desde o princípio. No 1°mês, 1 casal; no 2°mês, 1 casal; no 3°mês 1 casal reprodutor + 1 casal não reprodutor, total 2 casais; no 4°mês 2 casais reprodutores + 1 casal não reprodutor, total 3 casais; no 5°mês, 3 casais reprodutores + 2 casais não reprodutores, total 5 casais; e assim sucessivamente. Total da série desta seqüência no 12°mês, 144 casais. O que parecia ser apenas uma simples curiosidade, transformou-se na manifestação de uma poderosa lei da natureza. Transcrevo o início da nota de Marcelo Gleiser, cientista brasileiro, professor de física teórica no Darthmouth College (EUA), publicada no caderno “Mais” da “Folha S.Paulo”, sob o título “A matemática da beleza”: “O que conchas de caracóis, galáxias, furacões, os chifres de um bode e a curva do seu lábio superior, têm em comum? Todos seguem a mesma curva fundamental, a espiral logarítmica. Não, os seus lábios não são uma espiral, mas parte dela”. A espiral a que Gleiser se refere, é justamente a representação no plano cartesiano da série de Fibonacci. Ele também não esquece de citar o seu exemplo mais famoso, o quadro de Mona Lisa pintado por Leonardo da Vinci em 1507, que está no Museu do Louvre em Paris. O que é que todos estes exemplos, tão díspares, podem ter em comum? A resposta está na série de Fibonacci. Quando se divide um dos seus termos pelo seu antecessor, a série converge para um número infinito. Podemos começar, por exemplo, a partir de 21/13=1,6153…, 34/21=1,6190…, 55/34=1,6176…, 89/55=1,6181…. Portanto, a série converge para 1,618, um número mágico que define as proporções de um retângulo, onde o lado maior é 1,618 vezes o lado menor. Pessoas com grande sensibilidade artística– o caso de Leonardo da Vinci seria o seu expoente máximo– são capazes de detectar em um retângulo, instintivamente, a proporção divina, a chamada seção áurea. Vejamos agora a curva fundamental, a espiral logarítmica. O primeiro a definir o que é uma espiral, foi Arquimedes, (c.287-212a.C.), como uma curva plana, descrita por um ponto que se desloca a uma velocidade linear constante, ao longo de uma semi-reta que, por sua vez, gira a uma velocidade angular também constante. A curva começa no ponto fixo, centro de rotação da semi-reta, abrindo-se cada vez mais à medida que o ponto se afasta do centro de rotação. Esta definição não pertence à dinâmica, mas sim à cinemática, porquanto se refere ao movimento puro, sem levar em conta as suas causas. É uma definição perfeita para o nosso caso, já que se trata de uma representação que se manifesta em condições totalmente diferenciadas umas das outras. A espiral pode também desenvolver-se no espaço tridimensional, quando o seu centro de rotação se deslocar no eixo perpendicular ao plano de rotação. Neste caso, o ponto descreve a curva caracterizado por três coordenadas espaciais e uma temporal. As espaciais em relação a um sistema de eixos ortogonais de referência e a temporal universal independente de qualquer sistema. Mas a espiral de Arquimedes não é logarítmica, como, aliás, também não é a de Galileu (1564-1642). As espirais são curvas apropriadas a uma representação em coordenadas polares. Têm um eixo fixo de referência, o eixo polar, um centro de rotação, o pólo, e uma semi-reta que gira em torno do centro fixo de rotação. Os pontos da curva são definidos pelo comprimento da semi-reta, distância do ponto da curva ao centro de rotação, e pelo ângulo que a semi-reta faz com o eixo polar. Mas já que estamos lidando com coordenadas polares, vamos chamar a semi-reta de raio vetor, visto que se trata de um segmento de reta, do centro ao ponto, (raio), representando uma grandeza associada a uma direção,(vetor). A velocidade angular do raio vetor é sempre a mesma qualquer que seja a espiral considerada, ao passo que a variação do seu comprimento depende do tipo de espiral. Na espiral de Arquimedes, o raio vetor cresce com o aumento do ângulo polar, sendo que a relação das duas grandezas é uma constante. Na espiral logarítmica, a relação que é constante é a do logarítmo do raio vetor com o ângulo polar. Na espiral de Galileu é a relação do quadrado do raio vetor com o ângulo polar que é constante. Vejamos a espiral logarítmica. Considere um retângulo com as proporções da seção áurea. Se o lado maior tiver o comprimento 1,618, o lado menor terá 1 de comprimento para satisfazer a proporção áurea. Desenhe esse retângulo (adote, por exemplo, 16,18cm para o lado maior e 10cm para o lado menor). O retângulo fica dividido em duas partes, um quadrado de 1 por 1, e um retângulo de 1 por (1,618–1). Será que este novo retângulo também tem as proporções da seção áurea? Façamos a relação dos seus lados, de 1 para (1,618-1), ou seja, vamos dividir 1 por 0,618. Dá 1,618. Quer dizer, o novo retângulo também tem as proporções da seção áurea, visto que o seu lado maior é 1,618 vezes o lado menor. E assim sucessivamente. A conclusão é que a espiral logarítmica desenvolve-se dentro de sucessivos retângulos áureos, que, por sua vez, se dividem em quadrados internos. Colocando esses quadrados em uma seqüência de tamanhos apropriada ao desenvolvimento da espiral, pode-se desenhar uma curva que vai passando pelos vértices diagonalmente opostos de cada quadrado, desenrolando-se cada vez mais à medida que o seu ponto se afasta do centro polar de rotação. Esta curva é uma espiral logarítmica. Mas repetindo-se a proporção áurea indefinidamente, podemos fazer o seguinte raciocínio. Considere um segmento de reta de comprimento 1 e faça nele o corte de ouro. Quer dizer, um corte tal que a parte maior, x, seja 1,618 vezes a parte menor, 1–x. Como esta relação se repete, temos uma média proporcional, isto é, o valor de x é a média geométrica entre 1 e 1–x. Ou seja, 1 está para x assim como x está para 1–x. Esta relação dá uma equação quadrática, de onde se obtém para 1/x, que é a proporção áurea, o valor de (1+raiz quadrada de 5)/2=1,618. Este valor tem ainda uma outra representação interessante. É uma fração contínua constituída somente com o número 1. Fração contínua é uma fração formada por uma seqüência infinita de frações, onde a fração do denominador se repete nos denominadores seguintes, ad infinitum. No nosso caso, 1+1 sobre 1+1 sobre 1+1 …. A espiral logarítmica é uma seqüência infinita de logaritmos. Logaritmo de um número é o expoente a que se tem de elevar a base para reproduzir o número. É, portanto o expoente de uma potência. Sendo assim, a equação polar da espiral logarítmica pode ter, além da forma logarítmica, log(base b) de r(raio)=a(const) vezes âng.polar, também a forma exponencial, r(raio)=b(base) elevada a a(const) vezes âng.polar. Mas “a” é uma constante de proporcionalidade, o nosso número mágico 1,618. Por conseqüência, as distâncias entre os pontos de interseção de um determinado raio vetor com a espiral, formam uma progressão geométrica cujo módulo é “a” ou seja 1,618. Além disso, as retas tangentes à curva nos pontos de interseção, são paralelas entre si, formando com o raio vetor um ângulo constante. Quer dizer, os trechos da espiral vão sendo ampliados sucessivamente, mas nas suas formas são todos iguais entre si. Para encerrar quero fazer um breve comentário. Volto a Marcelo Gleiser, agora com a sua publicação “Mito ou Verdade” no Caderno “Mais” da “Folha S. Paulo”. Diz ele: “Quando resolvi ser físico, tinha um caminho bem claro: queria participar da busca das leis que estão por trás de tudo que existe na natureza, as leis que ditam desde a origem do Universo até o comportamento dos átomos e das partículas da matéria”. Para Platão, diz Gleiser, “o arquiteto divino do Cosmo (que ele chamou de Demiurgo) era um geômetra”. Para Galileu, Kepler e Newton “além das distorções de nossa percepção da realidade, há uma ordem que pode ser expressa em termos matemáticos”. Mito ou verdade os cientistas continuarão debatendo a questão. Mas a série de Fibonacci vai mais além. Ela diz-nos que organismos vivos também obedecem à matemática, como os moluscos ao produzirem as suas conchas. O que diria Charles Darwin à esta teoria? Será que abandonaria a teoria da evolução para voltar ao criacionismo do design inteligente? Com certeza que não. Um dia a explicação surgirá. Talvez o grande mistério seja o que disse Einstein: ”O incompreensível é o mundo ser compreensível”. Até à próxima.