20, 30, 40

Existe mesmo um jeito feminino de contar estórias? De se fazer um filme? A perspectiva feminina é algo reconhecível?

 

"Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir." (Clarice Lispector – Um sopro de vida (Pulsações)).

 

Você é daqueles que quando assiste a um filme fica reclamando depois o quanto ele foi inverossímil aqui e ali, que não condiz com a realidade e tal? Gosta de filme pé no chão que mostra a vida como ela é? E se além de tudo isso você é daqueles que está cansado de tentar enxergar grandes metáforas em filmes e ficar lendo críticas (tipo as minhas) que acham arquétipos em todo lugar, esse aqui pode ser uma boa opção: 20, 30, 40 da diretora Sylvia Chang.

 

Confesso que a princípio esperava bem mais do filme por ser oriental… Mas quando me vi agindo como uma crítica chata (igual aos críticos que não gosto) ao sentir o filme tão flat, parei para refletir. Afinal tinha me proposto a vê-lo e escrever algo. Meu complexo de polyana me impulsionou a vê-lo com mais doçura.

 

O filme conta a estória de Xiao Jie de 20 anos, de Xiang Xiang de 30 anos e de Lily de 40. Não vou contar muitos detalhes já que a trama é bem simples e eu poderia entregar tudo. O bom de uma estória assim sem pretensões é que quem viu não pode contar. Cada um pode e deve ter o prazer de vê-lo e acompanhar as peripécias das meninas! Mas posso dizer que um momento da vida de cada uma dessas mulheres é mostrado e podemos observar a razão, a emoção e a percepção com que elas vivem suas experiências e como escapam de seus obstáculos. Elas não se encontram na trama a não ser por cenas ao acaso. É bem simples assim mesmo. Não espere grandes efeitos, emoções méxico-melodramáticas, revelações surpreendentes. Para maiores emoções vide qualquer um do Almodóvar, e nessa temática – visões e reações de diferentes pontos de vista de mulheres – o inesquecível e imbatível “Mulheres à beira de um ataque de nervos”.  A única coisa que posso comentar a respeito das minhas sensações sobre o filme é que a vida dessas mulheres converge ao que disse Clarice Lispector na citação acima…

 

Odeio feminismo e teorias feministas (desculpa se desaponto alguém e o porquê poderia dizer em outro momento, pois não caberia aqui), portanto vou expor simplesmente o que senti e como o filme me tocou. Nada dessas teorias, se é que posso escapar delas… Talvez por ser dirigido por uma mulher há um jeito diferente de contar a estória. Uma sutileza e observação bem feminina em relação ao cotidiano: um ajeitar de cabelo, um olhar, um arranjo de flores, a falha na comunicação com os homens… E é difícil conceituar essa “coisa” que remete à essência feminina, sem entrar no essencialismo. Acho que é como ler Clarice Lispector! A despeito de algumas teorias críticas que “se apossaram” da obra de Clarice, nada melhor do que ir além dos quadrados impostos pelos acadêmicos e ler você mesmo sua obra e se deleitar com seu jeito feminino de escrever. Digo, você sabe que é feminino, mas não sabe (ou se for mais esperto) ou não ousa definir exatamente, só se deixa levar. É assim com esse filme de Sylvia Chang.

 

Chang é de Taiwan é um fenômeno no meio artístico! Já atuou em inúmeros filmes (nesse filme ela é Lily a mulher de 40), escreveu roteiros e dirigiu tantos outros, além de cantar, dizem, lindamente. Ela é muito expressiva e delicada ao atuar e passa isso na direção, ao que parece. Já vi por aí críticas sobre esse e outros filmes de Chang em tom pejorativo dizendo serem “telenovelescos” demais. Mas coincidentemente observei que muitas vezes, quando uma mulher dirige um filme parece haver esse comentário: parece novela. Será que realmente a discussão de que telenovela é feita para o público dito feminino tem algum sentido além do estereótipo? O folhetim romântico do século XIX também foi acusado disso… As irmãs Brönte foram acusadas de “água com açúcar” por muito tempo, antes de serem consideradas boa literatura e terem se tornado clássicas. Será que o mesmo vai acontecer com algumas diretoras de cinema? Você consideraria telenovelesco o filme “Carlota Joaquina” de Carla Camurati? E o maravilhoso e tocante “Um Casamento à indiana” de Mira Nair? Questões simples e flat para se pensar também.

 

Gostaria de terminar esse texto sobre 20,30,40 fazendo outra conexão que fiz ao ver o filme: uma música composta pela Maysa e que ela nunca chegou a cantar, ao que sei.  Essa letra de uma mulher que também expressou da sua perspectiva da vida de modo tão peculiar (feminino?) parece revelar um pouco da vida das três mulheres do filme que é exposta através de seus relacionamentos com todos: homens e outras mulheres…

 

NÓS – Maysa e Júlio Medaglia

 

Vou-me embora
Vou de encontro a tua vida
me soltar pra que me faças uma ida
e descansar meu medo imenso
em tua força

E por fim mostrar-te quanto
sou capaz só por te ter

Vou chegando, ah como
é doce a caminhada
por saber teu beijo longo na chegada
Pensei parar pra prolongar
a tua espera
Se ficavas mais aflito e
aumentava teu amor
Fiz-me uma dança, a criança que me
faz mulher

Como imensa luta te vi me acenando
Vem ser!

Joguei meu desespero no velho telhado
que cobriu meu tempo sem amanhecer

E teu grito rouco e louco
acordou meu viver

E agora venho andando, peito
cheio de certezas
E meu corpo quer teu corpo imensamente
Espera tanto o teu silencio
que me faz acreditar
que o mundo é nosso
e já sei porque ficar.

 

About the author

Ana Al Izdihar