O estilingue de 260 milhões


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O anfitrião da inauguração de uma ponte de 260 milhões na zona sul de São Paulo foi Gilberto Kassab (Dem), vice que se tornou prefeito com a renúncia de Serra (PSDB). O próprio ex-prefeito, hoje governador, também estava lá. E pra não dizer que o PT não tem culpa nenhuma no cartório, bom lembrar que foi a ex-prefeita Marta Suplicy quem deu o pontapé inicial nesta tão questionável obra. A benção da Igreja Católica à ponte foi feita pelo padre Marcelo Rossi (será ele candidato a algum cargo?)

Segundo a imprensa, São Paulo ganhou um novo cartão postal: uma ponte estaiada (i.e., ponte suspensa por cabos conectados a um único mastro) sobre o rio Pinheiros. O Jornal da Tarde de sábado assegura que se trata da única ponte estaiada da América Latina. Ledo engano: a 60 quilômetros dali, já existe uma ponte estaiada no trevo de acesso à Santos da pista descendente da rodovia dos Imigrantes desde 2002.

Talvez esteja sendo ranzinza, mas custo a acreditar que alguém possa considerar uma ponte sobre o fedorento Pinheiros um cartão postal. Fedorento, sim: sendo muito franco, o rio fede a cocô. Ranhetice minha, por certo; afinal, cartões postais não armazenam sensações olfativas!

O anfitrião do comício, ou melhor, da inauguração, foi Gilberto Kassab (Dem), vice que se tornou prefeito com a renúncia de Serra (PSDB). O próprio ex-prefeito, hoje governador, também estava lá. E pra não dizer que o PT não tem culpa nenhuma no cartório, bom lembrar que foi a ex-prefeita Marta Suplicy quem deu o pontapé inicial nesta tão questionável obra. A benção da Igreja Católica à ponte foi feita pelo festeiro padre Marcelo Rossi (será ele candidato a algum cargo?)

Por mais que olhe para as fotos dessa ponte, não consigo nela enxergar sua tão propalada beleza arquitetônica. Para mim, estão certos os manifestantes que – suprema indelicadeza – compareceram sem convite ao evento de inauguração e logo apelidaram a obra como “estilingão”: no caso, a forquilha tem a finalidade de estilingar os pobres para longe, dada a especulação imobiliária desenfreada em ambas as margens do Pinheiros (de um lado, os escritórios luxuosos da Berrini; do outro, um shopping de luxo em construção).

Uma grande obra, sem dúvida – a meu ver, unicamente no quesito tamanho. Autêntico elefante branco iluminado por lâmpadas halógenas, seu mastro tem 138 metros de altura, sustentando dois tabuleiros em curva, 290 metros de comprimento cada um. Causa espanto, porém, constatar que cada um dos tabuleiros comporta apenas duas pistas. Mais espantado ainda fico ao saber que o “estilingão” custou a bagatela de 260 milhões de reais. Aparentemente, um preço exagerado: como comparação, cito a ponte Augusto Severo, sobre o rio Potengi, em Natal, inaugurada há poucos meses. A obra potiguar, que atravessa autêntico braço de mar, estende-se por quase 1.800 metros, sendo o seu vão central estaiado. Lembro-me bem da ponte em obra, enquanto eu fazia longa e vagarosa travessia de balsa, rumo ao Centro de Natal. A ponte potiguar custou 194 milhões de reais. Vejam bem: uma ponte de quase dois quilômetros, sobre o mar, custou 66 milhões a menos que uma ponte de menos de 300 metros sobre um rio.

Mas voltemos à ponte paulistana. Foi batizada Octavio Frias de Oliveira, recém-finado dono da Folha de São Paulo. Antes que se pense que é coisa de políticos do Dem e do PSDB puxar o saco de proprietários de empresas de comunicação pouco isentas, bom lembrar que Marta Suplicy batizou avenida vizinha à ponte como Roberto Marinho.

Essa ponte me enoja e me causa um certo déjà vu: na minha infância, os livros de História do Brasil me asseguravam que o último presidente da república-do-café-com-leite, Washington Luís, tinha um lema: “governar é abrir estradas”. Em 2008, governar é abrir pontes, ainda que supérfluas, haja vista que existem pontes outras sobre o mesmo rio em pontos próximos?

Retrato fiel de parcela expressiva da elite paulista, a ponte Octavio Frias de Oliveira é uma obra feia e arrogante. Ainda que de concreto e aço, o estilingão não gosta de pobres: sim, em pleno século XXI, governantes da engarrafada São Paulo – Kassab, Serra, Marta – conseguiram a proeza de construir uma ponte com acesso vedado a ônibus, pedestres e ciclistas.

Ainda sobre e ponte, parafraseando o cômico Agildo Ribeiro: "coisa horrorosa!"

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Ricardo Montero