Desigualdades reversas de genero


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Com as transições urbana e demográfica, o Brasil passou por uma onda de despatriarcalização, representada por uma longa mudança institucional que propiciou uma disrupção dos privilégios masculinos na família e na sociedade e a concessão de crescentes direitos às esposas e aos filhos. As regras de casamento e de parceria sexual se diversificaram e se tornaram mais equitativas no tocante às relações de gênero, entendidas de maneira não binária. Os casais com filhos deixaram de ser maioria absoluta dos arranjos domiciliares e cresceu o percentual de casais sem filhos, famílias monoparentais, coabitação marital (inclusive do mesmo sexo) e pessoas vivendo sozinhas. A transformação mais marcante do século XX – e que sintetiza as mudanças sociais, econômicas e demográficas – foi a alteração da presença da mulher de coadjuvante das decisões familiares para protagonista da sociedade em termos globais e institucionais, embora a situação esteja longe da paridade.

Em uma perspectiva de longo prazo, o Brasil vem apresentando avanços sociais e nas relações de gênero nas áreas de saúde, educação, esportes, mídia, etc. Nestas áreas as desigualdades de gênero se reduziram bastante ou houve reversão do hiato de gênero (gender gap), como na educação. Na política os ganhos foram menores, pois embora as mulheres tenham se tornado maioria do eleitorado, ainda possuem uma das mais baixas presenças no parlamento entre os países da América Latina. Mas a vitória de Dilma Rousseff colocou o Brasil na frente dos Estados Unidos e da França (países que nunca elegeram uma mulher para a Presidência da República). No mercado de trabalho houve conquista parciais, com uma inserção massiva das mulheres na população economicamente ativa e uma ampliação do leque ocupacional, com redução dos diferenciais de salário e renda entre homens e mulheres. Já o sistema de previdência social tem atuado no sentido de contrabalançar desigualdades do mercado de trabalho e tem favorecido as mulheres das gerações mais velhas que podem contar com aposentadoria, pensões ou benefícios como o BPC/LOAS.

As mudanças demográficas e de gênero contribuíram para o Brasil avançar na luta pela redução da extrema pobreza e a fome. Além disto,  a conjuntura nacional e internacional do período 2004-2008 possibilitou a conjugação de crescimento econômico com crescimento da renda e políticas sociais que aliviaram a extrema pobreza. A crise mundial de 2009 não teve um impacto devastor no país e a economia brasileira se recuperou bem no ano de 2010.

A fome e a desnutrição tiveram grande redução e aumentou a segurança alimentar. De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS-2006) a desnutrição infantil crônica no Brasil diminuiu 46% em relação à pesquisa anterior que foi de 1996. Na Região Nordeste, a redução chegou a 74%. No mesmo período, a taxa de mortalidade infantil caiu 43,5% no país. Contudo, cerca de 20% das famílias brasileiras dependem do Programa Bolsa Família, que necessita criar portas de saída da pobreza e se articular melhor com as demais políticas de proteção social, em especial educação e trabalho. Para erradicar a pobreza absoluta – como quer o governo Dilma – é preciso garantir a inclusão produtiva, especialmente das mulheres.

Embora tenha havido avanços em relação às metas da CIPD do Cairo e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), quanto ao pleno emprego e ao trabalho decente, o Brasil está longe de oferecer trabalho com qualidade para todos os cidadãos do país, especialmente para as mulheres e jovens. A taxa de informalidade vem caindo nos últimos anos, mas é muito elevada. O governo tem elaborado algumas políticas de emprego para jovens e alguns programas de geração de renda (na agricultura familiar, por exemplo), mas as dimensões do problema são muito mais amplas. Talvez este seja o ponto que se requeira maiores investimentos do governo, da sociedade e do setor empresarial no Brasil.

A dinâmica de criação de emprego em cada país depende da política macroeconômica e do ambiente de crescimento econômico internacional. Porém, colocar o pleno emprego produtivo e o trabalho decente como meta central da política econômica é o caminho mais correto para combater a pobreza e promover o bem-estar geral. Um dos grandes desafios é reduzir o desemprego geral e especialmente o desemprego de jovens, particularmente das mulheres jovens que emprego em proporções crescentes. Para aumentar o trabalho formal e regido pelos direitos sociais é preciso reduzir a segregação ocupacional e a discriminação de gênero. É preciso também orogramas de qualificação em geral e programas de qualificação e oportunidades do primeiro emprego para jovens. Uma melhor intermediação do emprego, por meio de instituições como o Sistema Nacional de Emprego (SINE) do Ministério do Trabalho. Questões como a redução dos encargos sobre os salários também está na pauta de discussão. Maior formalização do emprego e maior contribuição à previdência é uma forma de evitar uma crise no, médio prazo, no sistema previdenciário. O importante é o aproveitamento do “bônus demográfico”, decorrente da redução da razão de dependência demográfica no país.

As tranformações na família e a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho tornam muito necessárias as políticas de conciliação de trabalho e família. Além da participação dos homens nos afazeres domésticos, é preciso criar mecanismos de alívio da sobrecarga familiar (desfamilização) e incentivar mecanismos como: a) Creches e educação infantil; b) Restaurantes populares; c) Transporte coletivo adequado para adultos e crianças; d) Jornadas de trabalho flexíveis; e) Espaços públicos de lazer; etc. Pesquisa realizada no Recife, Pernambuco, com as famílias cadastradas no CadÚnico do Programa Bolsa Família (PBF), mostrou que as famílias em melhores condições socioeconômicas são aquelas em que os dois cônjuges trabalham e em que as crianças de zero a seis anos estão na creche ou pré-escola. A inserção da mulher no mercado de trabalho e mecanismos de conciliação emprego e família se mostraram fundamentais para o aumento da autonomia feminina.

A educação brasileira quando olhada pela ótica do aumento das taxas de matrículas e do aumento do número médio de anos de estudo avançou muito nas últimas décadas. Porém, ainda não se chegou à universalização do ensino de 6 a 15 anos que é obrigatório por lei. Além disto, existe uma proposta de tornar obrigatório o ensino de 4 a 17 anos. Isto seria fundamental e necessitaria um esforço nacional, que pode ser ajudado pelo “bônus demográfico educacional” que existe em função da diminuição relativa ou absoluta da população em idade escolar. A expansão das creches é fundamental especialmente para a população pobre. A creche permite o desenvolvimento cognitivo da criança e libera, especialmente, a mãe para entrar no mercado de trabalho e garantir maior nível de renda para a família. No caso da população atendida pelo Programa Bolsa Família a educação infantil é uma pré-condição para a criação de portas de saída da situação de pobreza. O “bônus demográfico educacional” é um fator que colabora para viabilizar a universalização do ensino.

A questão mais essencial da educação brasileira tem a ver com a qualidade do ensino. Mesmo havendo aumento das taxas de matricula e redução da distorção  idade-série a qualidade não progrediu da mesma forma. Atualmente existe no Brasil um hiato de gênero (gender gap) ao revés, pois tem crescido a matricula das mulheres e o sexo feminino supera em muito a matricula do sexo masculino, em especial nos níveis de ensino superiores. Por fim, existe toda uma discussão sobre como aumentar a inclusão social (raça/cor e pobres) na universidade. O Brasil tem passado por uma grande mobilização e discussão sobre políticas de cotas e ações afirmativas para inclusão da população negra e indígena nas universidades.

O Brasil reduziu a mortalidade infantil e já está quase chegando abaixo do patamar de menos de 20 mortes por mil. Porém, as desigualdades regionais são grandes e a região Nordeste possui taxas cerca de 3 vezes maior do que as regiões Sul e Sudeste. O governo Federal tem pactuado ações para redução da mortalidade infantil nas regiões mais carentes, inclusive promovendo o acesso aos métodos contraceptivos para planejar a fecundidade e aumentar o espaçamento entre os filhos. Gravidez precoce na infância e na adolescência é outra causa que aumenta o risco de mortalidade infantil. Neste sentido, ações na área de saúde sexual e reprodutiva ajudam a reduzir a mortalidade infantil.

A esperança de vida tem crescido para ambos os sexos, mas o hiato nas taxas de esperança de vida ao nascer entre homens e mulheres no Brasil é muito grande. Isto se deve em grande parte à sobremoralidade masculina de homens entre 15 e 30 anos por conta das mortes violentas, por homicídios e acidentes de trânsito. Medidas de redução da mortalidade de homens jovens é fundamental. Com o crescente envelhecimento populacional, o percentual de idosos aumenta e as pessoas, especialmente as mulheres à medida que passam a viver mais aumenta também a carga de doença e a incapacidade. Estes fatores oneram muito o custo do sistema de saúde e é um desafio cada vez mais presente ações para garantir uma velhice saudável.

O Brasil já conseguiu reduzir as desigualdades de gênero, em geral, e até conseguir reverte algumas desigualdades. Hoje as mulheres estão à frente dos homens em todos os níveis de educação. Mas o desafio permanente é atingir a igualdade e a equidade em todos os âmbitos da vida social.

Referência:

ALVES, J.E.D, CORREA, S. Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil: um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo. In: ABEP, Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo, ABEP/UNFPA, Campinas, 2009. Disponível em:
http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cairo15/Cairo15_3alvescorrea.pdf

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José Eustáquio Diniz Alves