Gays, lésbicas e trans no país do arco íris


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Enquanto o mundo discutia a liberação do casamento entre homossexuais na Argentina, a Alemanha encerrava o seu primeiro Gay Games.

 

arco_irirsTanto alarde pelo mundo afora se homem com homem ou mulher com mulher podem se casar. Na Alemanha é realidade. Ninguém, tanto da velha quanto da nova geração questiona o fato. Nos dias anteriores à Parada Gay, que sempre acontece no verão, em Colônia, é comum ver uma miríade de casaizinhos de lésbicas e gays de todas as idades, desfilando na cidade de mãos dadas, ou mesmo casais de homens empurrando carrinho de bebê. Sem problemas.

 

É. A Alemanha é liberadésima neste assunto. As cores do arco íris estão por toda parte, a começar pelo nosso querido prefeito perfeito de Berlin, Klaus Wowereit e o nosso ministríssimo do exterior Guido Westewelle, o segundo homem da República que abriu a cerimônia do “Gay Games” em Colônia no mes passado, ah, não podemos nos esquecer do governador do Estado de Hamburgo, Ole von Beust da Democracia Cristã. Não! Aqui não tem fofoca, discriminação, comentários de baixo calão sobre a vida e a sexualidade desses políticos que assumiram em público a sua homossexualidade. Neste País, Alemanha as pessoas, principalmente as que têm cargo público, são vistas como pessoas e são avaliadas pelo seu desempenho político e não por sua orientação sexual.

 

Temos aqui apresentadores de TV, escritores, artistas e um tanto mais de “proeminentes” que assumiram em público seu lado gay  ou lésbico sem que fossem crucificados ou chamados de… “devassos”. Os assumidos somam-se a uma lista histórica, a começar pelo rei Ludwig II da Bavária que reinou de 1864 a 1886. Ele plantou a pedra inicial para a construção do castelo de Neuschwanstein, ah, um luxo esse castelo!

 

Eu sou o que não se pode ser

 

 Guido_Westerwelle__Michael_MronzPois cá, na recente história, as cores do arco-íris estão presentes em quase todos os partidos. Guido Westewelle nosso  vice, na foto à direita do seu companheiro Michael Mronz é do FDP, partido liberal, Wowereit do SPD, partido social democrata, assim como o mais jovem prefeito da Alemanha, Michael Adam  eleito na cidade de Bodenmais com 53% dos votos. Ele declarou: “Ich bin alles, was man in Bodenmais nicht sein darf – jung, evangelisch und offen schwul”, “Eu sou o que em Bodenmais não pode ser – jovem, evangélico e declaradamente gay”. Ele desbancou a Democracia Cristã em seu próprio curral eleitoral, a Bavária.

 

Até no NSDA, partido nazista, tinha gay, Ernst Röhm 1887- 1934, alto oficial e político, um dos primeiros filiados. Rölm foi parar na prisão e sem julgamento foi morto. Falava-se que Rölms fazia parte de um grupo constituído por homossexuais que conspirava contra o Hitler. Mais recentemente Michael Khünan membro do NPD, extremista de direita, faleceu em função de complicações causadas pelo vírus da AIDS.

 

As cores dos Verdes

 

É nos Verdes que a bandeira do arco-íris pode ser desfraldada em todas as suas cores.

Nos tempos em que os Verdes governaram com a Social Democracia de 1999 a 2005 a Alemanha se desenvolveu mais em direção a um país, digamos, da Comunidade Européia e o debate sobre igualdade de direitos dos gays e lésbicas foi colocada na ordem do dia.

Parlamentares como o deputado eleito para o Estado da Renânia do Norte,Volker Beck, é considerado aqui o “pai” da lei que permite a união de parceiros do mesmo sexo. Outro político, deputado em Berlim, Albert Ackert coordenou a iniciativa da construção do Monumento aos Homossexuais perseguidos pelo Regime Nazista em Berlim. Os Verdes, sim, sim têm muitas cores.

 

Bestialidade

 

Mas nem sempre foi assim. Nos tempos do regime nazista mais de 50 mil homossexuais foram presos e condenados aos campos de concentração ou mandados para os manicômios, condenados pelo famigerado parágrafo § 175 da Constituição de 1871, uma relíquia da legislação prussiana, que criminalizava a homossexualidade como… “bestialidade”. Os condenados enviados aos campos de concentração eram obrigados a usarem um triângulo cor de rosa que os identificavam como homossexuais. Aqui o trailer do documentário ““>Paragraph 175” em inglês.

No mesmo dia da promulgação do tal parágrafo §175, um grupo de intelectuais, cientistas sociais, dentre eles o jurista Eduard Oberg, fundaram o Comitê Humanitário Científico, a primeira organização na história da Alemanha a defender liberalização da homossexualidade. O objetivo do grupo era alterar a Constituição e retirar o parágrafo §175, o que aconteceu somente em março de 1994, ou seja, mais de 120 anos após ser promulgada.

 

O pesquisador Magnus Hirschfeld que trabalhava com o tema da sexualidade, em 1919 já teorizava que, biologicamente, havia um “terceiro sexo” e que a homossexualidade tinha que ser descriminalizada.

 

Na República de Weimar os sociais democratas tentaram retirar o tal parágrafo §175 da Constituição, mas perderam o debate para os conservadores e então veio o pior, a ascensão dos nazistas ao poder e com eles a perseguição massiva aos homossexuais. Nos campos de concentração em Buchenwald, horror, horror, os médicos da SS tentaram “curar” as vítimas, implantando glândulas artificiais que produziriam hormônio masculino.

 

Não, não, as coisas mudaram muito daqueles tempos prá cá. Talvez por tudo isso, por termos vivenciado uma história tão dramática é que aqui a mentalidade se transforma em tolerância. Cada um na sua e todos juntos na diversidade. Em alguns Estados com Berlim, Brandenburg, Thüringen, Sachsen-Anhalt existem leis específicas proibindo a discriminação em razão da identidade sexual e com sérias consequências jurídicas para aqueles de desrespeitarem o outro por sua orientação sexual!

 

Família do arco iris

 

Um estudo encomendado em 2006, pelo Ministério para a Família para a Universidade de Bamberg, e apresentado em julho de 2009, sobre crianças vivendo em “famílias” têm resultados bastante interessantes. Os temas abordados na pesquisa vão desde aspectos psicológicos, passando por conflitos familiares e discriminação. 93% das crianças pesquisadas moravam com parceiros homossexuais, mulheres ou homens. Na data da pesquisa viviam 2.200 crianças (dados oficiais 2007/8) em companhia dos seus pais homossexuais. A pesquisa foi baseada nos registros oficiais, mas calcula-se que o número seja maior, cerca 12.000 de crianças, vivendo em famílias cujos pais são homossexuais.

 

Bons pais?

 

Vamos ao que todos querem saber: As lésbicas e gays educam suas crianças de outra maneira? Eles são “bons pais”? As crianças criadas por eles são mais felizes? Há alguma tendência das crianças se tornarem depressivas? Nada disso. O estudo demonstrou que pais homossexuais são tão bons quanto outras formas de família e não há nada a se temer quanto à criação. Eles dão importância à relação familiar, dão carinho, impõe limites e evitam punições draconianas contra as crianças. Além do mais nas famílias cujos parceiros são homossexuais verificou-se que as crianças receberam atenção dos dois parceiros na mesma proporção para a realização das tarefas escolares, nos cuidados com a higiene. Os pais não são melhores nem piores, são iguais.

 

Uma volta e meia, volver!

 

Até o ano 2000 os portões para o oficialato militar estavam fechados para os homossexuais. As leis mudaram e agora ninguém mais os segura. Eles e elas agora podem ocupar postos altos da hierarquia. As leis de conduta interna também foram reformadas e rezam contra a discriminação: “Tolerância diante de pessoas de outra orientação sexual” e “Agir enérgica e ativamente contra qualquer tipo discriminação”. Hoje são permitidos, dentro e fora do serviço militar, relacionamentos homossexuais sem problemas. Nada mais causa “frisson” em ninguém. O beijo em uniforme ou em trajes civis, dentro ou fora das casernas está liberado.

E mais, eles estão organizados e têm nome e endereço na internet: “VelsPol”, isto é, União da polícia de lésbicas e homossexuais. A organização tem o apoio irrestrito da polícia de Berlin, claro, de onde mais, onde o nosso prefeito Wowi governa. Dentre outros temas tratados e escritos com todas as letras: “Tolerância e aceitação, dentro e fora da corporação” sendo tema para aconselhamentos, para seminários de prevenção ou discriminação contra homossexuais.

 

Show de Satã

 

Sem pensarmos que países africanos ou de maioria muçulmana onde os homossexuais são condenados à prisão ou mortos, como na Arábia, na Mauritânia, no Sudão, no Irã, no Iêmen, no Iraque de Sadam Hussein e no Afeganistão após subida, ao poder do Talibã. Desde a revolução Iraniana em 1979 mais de 4.000 pessoas foram condenadas e executadas por serem homossexuais. Na Arábia Saudita procurou-se “alternativas” para a pena de morte e os “condenados” podem comprar a sua liberdade com dinheiro, ou… tomar 100 chibatadas. Vá de retro!

 

Em outras nações muçulmanas como Bahrain, Katar, Argéria ou nas Maldívias, os homossexuais presos também podem se livrar das penas pagando uma soma em dinheiro. Na Turquia, Jordânia, Indonésia, Egito ou Mali ter relações homossexuais não é legalmente proibido, mas considerado “abuso contra a moral e os bons costumes”.

No Marrocos, Tunísia (alô Nelma!, nossa assídua leitora) ou Síria a homossexualidade é crime e em raros casos perseguidos, mas, mas… cuidado desavisados turistas surpreendidos em público dando beijo na boca. Carícias em público podem causar conflitos com a polícia local. Assim as agências de turismo para os gays avisam com antecedência aos casais para evitar problemas.

A Rússia não é muçulmana, mas lá os homossexuais não são bem vindos e as manifestações públicas dos homossexuais são duramente reprimidas com a brutalidade da já conhecida polícia russa. Em 2007 o prefeito de Moscou negou autorização para realização de uma parada gay, alegando tratar-se de um… “Show de Satã”.

 

Ah, então a Alemanha é o paraíso na terra em termos de tolerância. Graças, não a Deus, mas graças a todos nós, porque se fôssemos depender da Democracia Cristã e do nosso Papa Bento, ainda estaríamos lascando pedra, e nem teríamos o chegado ao estágio da “pedra polida”, digo, num outro estágio de conquistas sociais como o de hoje.

 

E se no serviço militar pensavámos que as regras seriam mais “rígidas”, e a coisa está liberada, não podemos dizer o mesmo com relação à Igreja Católica, essa instituição de muitos séculos. A discriminação começa quando somente os padres celebram missas. Sobre casamento entre homossexuais, vixe! O Papa Bento não quer nem ouvir falar. A Igreja Católica é estritamente contra.

 

E o sentimento de culpa bateu na Igreja Evangélica. Nos últimos anos ela se tornou ativa contra a perseguição dos homossexuais no Terceiro Reich. Antes tarde do que nunca.

 

Eu disse “pedra polida” acima, pois temos ainda algumas diferenças, quanto à união homossexual, nas questões legislativas na União Européia que precisam ser lapidadas. Por exemplo, não há na Holanda “casamento homossexual”. Lá existe simplesmente “casamento”, não se distinguindo se a união é entre pessoas do mesmo sexo ou não, diferente da Alemanha. Na Alemanha casamento entre homossexuais  realizado no estrangeiro não é imediatamente reconhecido pela legislação, diferentemente dos casamentos entre pessoas heterossexuais. Na Holanda desde 2001 casais homossexuais podem adotar filhos, já aqui a coisa complica.

 

Be part of it*

 

Então em Colônia foi encerrado o primeiro “Gay Games de VIII no verão de 2010. 10.000 atletas, procedentes de países de todo o mundo participaram, na santa paz, de 35 modalidades esportivas. A mensagem clara do “Gay Games”, além de “Faça parte!” foi outra importantíssima: Tolerância e aceitação.

 

Do oriente, uma das poucas participantes do Gay Games, procedente da China, que correu os 5.000 metros, Karen Liao, lésbica, trouxe três outras mensagens:

– Be Healthy! Permaneça saudável!

– Be proud of yourself! Seja orgulhoso de você mesmo!

– Be out to the world! Saia para o mundo!

 

E eu digo: Viva a diferença!

 

Fonte:

 

-Universität Banberg – Ergebnisse der ersten repräsentativen wissenschaltlichen Studie in Deutschland über Kinder in Regenbogenfamilien – Kinderstudie Staatinstitut für Frühpädagogik in München

– Lesben- und Schwulenverban in Deutschland

– Iskam und Homosexualität –  Alfred Hackensbeger

– Gedenken muss auch Konsequenzen haben (Rede von Günter Dworek)

– Gay Games Cologne 2010

 

 Foto: Wikimédia Commons

 

 

 

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Solange Ayres