O Teorema de Ptolomeu

O papel do teorema de Pitágoras em relação aos triângulos retângulos, o teorema de Ptolomeu realiza de modo semelhante em relação aos quadriláteros. Mas como sabemos, cada diagonal dividc o quadrilátero em dois triângulos escalenos e cada triângulo escaleno pode ser dividido em triângulos retângulos, dois por cada vértice. Sendo assim, a relação que o teorema de Ptolomeu estabelece para que o quadrilátero fique inscrito em uma circunferência, da soma dos produtos dos lados opostos do quadrilátero ser igual ao produto das suas diagonais, é uma fórmula geral que abrange todas essas geometrias através do jogo das suas transformações. Na minha exposição apresento as exigências do teorema de Ptolomeu e os seus desdobramentos.

A primeira vez que li algo sobre o teorema de Ptolomeu foi no livro “A Mente Nova do Rei” de Roger Penrose, Editora Campus Ltda, 1991. Faz tempo. Era uma citação sucinta destinada a justificar a teoria da proporção de Eudóxio, nada mais. Recentemente, José Luiz Pastore Mello, mestre pela USP e professor do colégio Santa Cruz, publicou o mesmo teorema, detalhadamente, no caderno Fovest do jornal Folha de S.Paulo, com o título “Será que você conhece o teorema de Ptolomeu?”. Por se tratar de um tema interessante resolvi apresentá-lo a vocês. Ptolomeu, (100d.C., c.170d.C.), matemático, astrônomo e geógrafo grego, viveu em Alexandria. Como vocês sabem, todo e qualquer triângulo, assim como todo e qualquer retângulo, podem ser inscritos em uma círcunferência, mas o mesmo não acontece com os quadriláteros. Uns podem, outros não. O teorema de Ptolomeu diz o seguinte: um quadrilátero (convexo) somente pode ser inscrito em uma circunferência se, e somente se, a soma dos produtos dos seus lados opostos for igual ao produto de suas diagonais. Antes de abordar o teorema quero esclarecer algumas questões. A primeira refere-se a um simples exercício de geometria euclidiana, tal como os gregos faziam há 2.300 anos. Utilize somente uma régua (sem escalas) e um compasso. Em uma folha de papel marque dois pontos e ligue-os por uma linha reta. Com o compasso centrado nos pontos marcados, trace, sucessivamente, dois pares de arcos que se cruzem de um lado e do outro do segmento de reta. Trace a linha reta que passa pelos pontos de cruzamento. Temos então uma linha reta perpendicular ao segmento de reta dado, dividindo-o ao meio. Esta reta tem a seguinte propriedade: qualquer que seja o seu ponto escolhido, ele é o centro de uma circunferência que passa pelos dois pontos dados. Agora marque um terceiro ponto, mas não colinear com os dois anteriores. Ligue esse terceiro ponto com um dos pontos iniciais, o mais próximo por exemplo, por meio de um segmento de reta. Repita a mesma operação geométrica da perpendicular passando pelo meio deste segundo segmento. O ponto de cruzamento das duas perpendiculares assim obtidas, é o centro de uma circunferência na qual se situam os très pontos dados. Observe que os três pontos dados formam um triângulo, mesmo sem se considerar o terceiro lado. Se o traçarmos, verificaremos que a linha reta que lhe é perpendicular, dividindo-o ao meio, passa obrigatoriamente pelo ponto de cruzamento das duas perpendiculares anteriores. O centro da circunferência que circunscreve o triângulo dado, fica assim confirmado. A certeza da harmonia matemática, que este caso elementar de geometria analítica poderia servir de exemplo, motivou o “espanto” de Platão e a sua crença nas “verdades” geométricas absolutas e eternas.
Vejamos a segunda questão que pertence à trigonometria. Considere um círculo de raio unitário e os dois eixos ortogonais cartesianos cruzando-se no centro do círculo. Trace uma semi-reta partindo do centro, formando um ângulo agudo com o eixo horizontal. Se do ponto de cruzamento da semi-reta com o círculo, baixar uma reta vertical até atingir o eixo horizontal, temos, nesse segmento de reta, a representação do seno do ângulo ao centro dado. Tratando-se de um ângulo ao centro de um círculo de raio unitario, a sua medida é em radianos e representa o comprimento do arco de círculo limitado pelos lados do ângulo ao centro dado. Portanto, a relação entre a abertura do ângulo, (a dimensão do arco de círculo), e o seu seno, (a dimensão do segmento vertical), é sempre a mesma, independente da abertura do ângulo ao centro. A única exigência é que seja um ângulo agudo. Assim, qualquer ângulo ao centro do círculo unitário que se considere, desde que agudo, goza dessa mesma propriedade, por se tratar da relação entre o arco e a corda de uma linha de curvatura constante, isto é, de um círculo. Se em vez de um círculo de raio 1 tivermos um círculo concêntrico de raio, r, obtemos pela regra da proporção, a=r.senA. Ou seja, o cateto, a, de um triângulo retângulo é igual à hipotenusa, r, vezes o seno do ângulo oposto A, senA. Esta propriedade não é mais do que a aplicação do conceito trigonométrico do seno e é válida para ambos os ângulos agudos do triângulo retângulo. Mas todo e qualquer triângulo pode ser dividido em triângulos retângulos. Assim, se de um vértice de um triângulo qualquer baixarmos uma reta perpendicular ao seu lado oposto, obtemos, por cada vértice, dois triângulos retângulos que têm o mesmo cateto. Desenhe um triângulo de vértices A, B e C e lados opostos a, b e c. De C baixe h a perpendicular ao lado oposto c. Temos dois triângulos retângulos, de um lado e do outro do mesmo cateto h. Portanto h=b.senA e h=a.senB, ou seja, a/senA=b/senB. Fazendo o mesmo nos vértices A e B temos a conhecida lei dos senos a/senA=b/senB=c/senC.
Vejamos agora o teorema de Ptolomeu. Desenhe um círculo e marque o seu centro. Considere quatro pontos na circunferência, distribuidos de tal modo que formem um quadrilátero ABCD de lados todos desiguais. Trace as diagonais do quadrilátero. O ponto de cruzamento das diagonais não coincide com o centro do círculo. O que isto significa? Suponhamos que em vez do quadrilátero de lados desiguais, tenhamos um retângulo. Já sabemos que as suas diagonais cruzam no centro do círculo que o circunscreve. Observe que cada diagonal divide o retângulo em dois triângulos retângulos. Aplicando o teorema de Ptolomeu ao retângulo, (lados opostos iguais), temos que a soma dos produtos dos seus lados opostos a2+b2 é igual ao produto das diagonais, (também iguais), c2; ou seja, temos o teorema de Pitágoras. Quer dizer, o teorema de Ptolomeu fica reduzido à sua expressão mais simples, ao caso particular do teorema de Pitágoras. Se considerarmos agora o quadrilátero de lados desiguais ABCD que você desenhou, verificamos que cada diagonal também divide o quadrilátero em dois triângulos (não retângulos). Observe que todos esses triângulos estão também inscritos na mesma circunferência. Assim podemos afirmar que todas as figuras geométricas do desenho, isto é, tanto o quadrilátero quanto os triângulos dele resultantes, apresentam as condições necessárias à inscrição, ou seja, a soma dos produtos dos lados opostos do quadrilátero é igual ao produto de suas diagonais. Quer dizer, neste caso, as condições de inscrição definem uma relação de igualdade semelhante à do teorema de Pitágoras, só que generalizada.
Da figura do quadrilátero com as suas diagonais podemos ainda obter o seguinte: para cada vértice temos um par de ângulos periféricos, isto é, ângulos inscritos na circunferência que correspondem ao mesmo ângulo ao centro. Ângulos inscritos de um mesmo ângulo ao centro são iguais, cada um de metade do ângulo ao centro. É essa igualdade que define a lei dos senos. De forma semelhante podemos relacionar os cosenos dos ângulos, isto é, estabelecer a lei dos cosenos. Temos então as duas regras gerais: um cateto é igual à hipotenusa seno do ângulo oposto e um cateto é igual à hipotenusa coseno da ângulo adjacente. Como foi dito acima, se de cada vértice de um triângulo baixarmos uma vertival perpendicular ao lado oposto, obteremos as duas leis citadas. Se considerarmos o seno da soma de dois números reais, ou seja, da soma dos dois ângulos de um vértice comum a dois triângulos adjacentes temos: sen(x+y)=senx.cosy+cosx.seny.

Fico por aqui. Até à próxima.

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Henrique Cruz