Fundamentos By Henrique Cruz / Share 0 Tweet Lidar com a Matemática nunca foi uma tarefa fácil. Um saber acumulado durante séculos, repensado vezes sem conta, é posto à nossa disposição para fazer parte integrante da nossa vida. Nenhum matemático conhece a fundo toda a Matemática, mas aprenderam a conhecer a sua natureza, aos poucos se sentindo à vontade diante desse “universo” em constante expansão. Aprender Matemática é um exercício de perseverança até chegar ao momento do grito de Eureka. Por onde começar? Pelos seus fundamentos, seus conceitos básicos e sua linguagem. Aos poucos a névoa se dissipará e as figuras matemáticas aparecerão em toda a sua beleza. A matemática é um imenso entrelaçado de TEORIAS, cobrindo inteiramente o campo do seu saber. Teoria é um conjunto de idéias, organizadas em estruturas lógicas, que permitem desenvolver o conhecimento de um tema. Teoria dos números, dos conjuntos, das funções, dos números complexos, dos invariantes, etc, etc. Mas a teoria que a gente não pode esquecer, é a mais antiga de todas : a da geometria euclidiana. Descrita por Euclides na sua obra intitulada Elementos, (século IV a.C.), a geometria euclidiana foi considerada durante séculos como o modelo a ser seguido, o paradigma da espistemologia. Por exemplo, Spinoza, (1632-1677), famoso filósofo holandês, utilizou o modelo de Euclides na sua obra Ética, por ser a mais adequada à defesa da sua tese. A estrutura da geometria euclidiana é simples. Um pequeno grupo de regras básicas, os axiomas, formam a essência do conhecimento geométrico. Obedecendo rigorosamente a essas diretrizes pode-se deduzir proposições que formam o corpo da teoria. Para os Gregos, os axiomas eram verdades absolutas e universais, intuitivas e evidentes em si mesmo. Não podem ser demonstradas. Não confundir noção intuitiva com noção instintiva, pois esta resulta da natureza humana enquanto que a primeira é uma noção da razão. Se é intuitiva, também não pode apresentar opções, porque então passaria a ser uma escolha consciente, não intuitiva portanto. Os axiomas para terem validade, têm de ser totalmente independentes, caso contrário, deixariam de ser axiomas mas sim teoremas a serem demonstrados. Euclides construiu a sua geometria baseando-se em cinco axiomas : 1) Por dois pontos quaisquer é sempre possível traçar uma e só uma linha reta ; 2) Uma linha reta pode ser prolongada indefinidamente para além dos seus extremos ; 3) Qualquer ponto pode ser centro de um círculo de raio arbitrário ; 4) Todos os ângulos retos são iguais ; 5) Por um ponto qualquer fora de uma linha reta, é sempre possível traçar uma e só uma linha reta paralela à primeira. Para o leitor não preparado, o quarto axioma parece muito estranho. Todos os ângulos retros são iguais ! Pode haver algo mais óbvio ? Por quê a exclusividade do ângulo reto, já que para qualquer outra abertura de ângulo pode-se dizer o mesmo ! Mas reparem, Euclides cita nos axiomas, os pontos e as linhas retas como os elementos que compõem as figuras geométricas, entre as quais, o triângulo, por exemplo, a figura mais simples de todas. Portanto, para completar, tem que incluir os ângulos e definir qual a sua unidade de abertura. Assim, escolheu o ângulo reto como referência, por ser o que melhor se presta para isso. Os ângulos internos de um triângulo valem dois ângulos retos e aqui está uma razão para a escolha. Mas não só isso, o triângulo retângulo tem um ângulo reto ; o retângulo, o paralelogramo e o trapézio têm quatro ângulos retos ; uma rotação completa vale quatro ângulos retos etc, etc. Pode-se ainda acrescentar que usando régua (sem escalas) e compasso, é possível desenhar ângulos de 30, 45 e 60 graus a partir do ângulo reto. Mas mais importante que o quarto axioma é, sem dúvida, o quinto, o conhecido axioma das paralelas. Questionado desde o início, sempre teve quem duvidasse da sua validade. Como todo o mundo sabe, paralelas são linhas retas que por mais que se prolonguem, nunca se encontram. Ou melhor, são linhas retas que se cruzam no infinito e este fato é que foi questionado. Realmente, quem pode afirmar o que acontece no infinito ? Para Aristóteles, (384-322 a.C.), filósofo grego que tanto influenciou o pensamento ocidental, a presença do infinito era aceitável, porquanto os matemáticos necessitavam que ele existisse por imposição dos números naturais, mas apenas potencialmente e não como presença efetiva. No entanto, as tentativas para derrubar o quinto axioma, procurando provar que era uma conseqüência dos demais, não tiveram sucesso. Todo este interesse pelo axioma das paralelas, levou à descoberta que era possível eliminá-lo e obter outras geometrias, obedecendo a todos os demais axiomas. Assim, surgiram as geometrias não-euclidianas. As discussões sobre o modelo de Euclides que ocorreram no século XIX, levaram os matemáticos à conclusão que deviam abandonar a idéia que os axiomas eram verdades intuitivas e universais. Em vez disso, os axiomas deviam ser considerados somente como verdades nos limites do contexto da respectiva teoria e nada mais. Mas como obter os axiomas, se eles foram despojados de todo significado ? A resposta foi dada por David Hilbert, (1862-1943), matemático alemão, ao afirmar que os elementos da matemática, seus “objetos” digamos assim, deviam ser definidos pelas suas propriedades e não pelo que representavam por si mesmo. Por exemplo, ponto, linha e plano seriam entidades geométricas abstratas, definidas pelas suas propriedades. Como aliás acontece com a seqüência dos sistemas numéricos, em racionais, irracionais e reais. Desta intervenção de Hilbert em diante, o método de axiomatização foi aplicado sem problemas no desenvolvimento das teorias. Este é o meu primeiro artigo como colaborador regular. Usando a mesma metáfora deste site, fico pensando se a dose do meu trabalho não é exagerada para ser dada na veia ! Aguardo os vossos comentários para ajustar os futuros artigos.