Os números complexos

"Nenhum número multiplicado por si mesmo pode dar um número negativo". Assim, a raiz quadrada de um número negativo é uma operação impossível. Como lidar com esses números, já que não existem? Cardano em 1539 deparou-se com eles ao tentar resolver equações algébricas. Apareceram como raízes de equações e por isso foram chamados de números. Cardano resolveu o impasse lidando com eles como se fossem números reais. Mas quem desvendou o mistério foi Gauss, criando uma unidade imaginária i cujo quadrado seria -1 e dando aos números uma estrutura algébrica. Como resultado dessa descoberta fundamental os números complexos preencheram todos os vazios. Tornaram-se os números por excelência, contendo em si todos os demais.

Os números “escondem” as suas identidades, somente revelando o que realmente são, quando utilizados. Quer dizer, o exato significado de um número depende do contexto em que está inserido. O zero por exemplo. Quando isolado, é apenas o símbolo do número, mas se estiver associado a outros números, é o algarismo representativo do número zero. Além disso, o zero somado a qualquer outro número, não o altera. Diz-se portanto que o zero representa a identidade da operação adição, a + 0 = a. Por ter esta propriedade, pode-se afirmar que a adição tem uma e só uma operação inversa, a subtração. Para qualquer número a existe sempre um e só um número negativo – a, em que a + ( – a ) = 0. Também qualquer número multiplicado por zero, dá zero como resultado, a . 0 = 0, Esta propriedade faz com que a operação inversa, isto é, a divisão, não se possa realizar, pois o seu resultado não é um valor determinado. Por isso, os matemáticos quando especificam a divisão, fazem sempre a advertência: “para um divisor não nulo”. Citando este axioma o problema fica eliminado.

O zero ainda nos reserva uma última surpresa. Consideremos as somas sucessivas do mesmo número a , isto é, 2a, 3a, 4a , … . Estes números 2, 3, 4, … são simples indicativos de quantas vezes o número a tem de ser somado para representar o número dado. Indica apenas quantas parcelas tem o número, nada mais. O mesmo acontece com o expoente de uma potência de a. Indica quantas vezes o número a tem de ser multiplicado por si mesmo para dar o número final. Suponhamos a elevado ao cubo, multiplicado por a elevado ao quadrado. O número final será a elevado a 3 + 2 = 5. Se em vez de multiplicar, dividirmos as potências de a, temos o resultado a elevado a 3 – 2 = 1. O que acontece com a divisão se as duas potências tiverem o mesmo expoente? Temos o número a elevado à potência zero e por se tratar da divisão de dois números iguais, o resultado é sempre o número 1. Portanto, temos o seguinte axioma universal: Qualquer número elevado à potência zero, é igual a 1. Sem dúvida um resultado surpreendente.

Passemos aos números complexos. O primeiro a constatar a natureza estranha desses números foi Girolamo Cardano, (1501-1576), matemático italiano e médico de profissão. Em 1545, Cardano publicou um tratado de álgebra intitulado Ars Magna, onde apresentou exemplos de números complexos que chamou de “ficticios”. O que é realmente um número complexo? A equação x2 + 2 = 0, por exemplo, tem como solução x igual à raiz quadrada de – 2. Ora não existe nenhum número real cujo quadrado seja negativo. Sendo assim, estas equações criam um impasse sem solução. Mas Cardano verificou que era possível utilizá-las, lidando com elas como se fossem de números reais. Vejamos um exemplo apresentado por ele. Resolver o seguinte problema: quais são os dois números cuja soma seja 10 e cujo produto seja 40? Temos duas equações, x+y=10 e x.y=40. Substituindo o y da primeira equação pelo seu valor na segunda equação, obtemos a equação do 2°grau x2 – 10 x + 40 = 0, cujas raizes são os números complexos

5 + – 15 e 5 – – 15.

De fato, a soma destes dois números dá 10 e multiplicando-os dá, 25 – ( – 15), ou seja 40. Os dois números complexos são, portanto, a resposta ao problema. Claro que Cardano, na exposição, justifica com os meios da época e não algebricamente como fiz agora. A principal contribuição de Cardano consistiu na solução de equações cúbicas com três raízes reais, mas expressando-as na forma de números complexos.

Consideremos a equação x2 + 1 = 0. Temos então x = – 1 o que constitui a chamada unidade imaginária i. Esta por sua vez, pode ser representada por um escalar i2 = – 1, isto é, por uma grandeza caracterizada exclusivamente por um número dimensional. Assim, é possível representar geometricamente os números imaginários, criando um segundo eixo, o eixo y imaginário, que conjuntamente com o eixo x dos números reais, forma um sistema cartesiano ortogonal. O plano definido pelo sistema, permite a representação algébrica, em qualquer ponto, dos números complexos, x + y i . No entanto, por se tratar de dois eixos de unidades dimensionalmente independentes, a comparação dos números complexos fica limitada a duas condições, os números, são ou não são, iguais, sem que se possa classificar, um em relação ao outro, em > ou < .

A representação geométrica dos números complexos foi proposta por vários autores, sendo o mais citado Jean Robert Argand, guarda-livros suíço, que a descreveu em 1806. No entanto, foi somente em 1831 que o grande matemático alemão Carl Friedrich Gauss, (1777-1855), expôs a teoria completa relativa a esses números. Por isso, o plano complexo é muitas vezes chamado de plano Argand-Gauss. Gauss deu o “golpe mestre” quando criou a unidade imaginária i, cujo quadrado é – 1, e deu aos números a estrutura algébrica, x + y i . Com esta identidade, os números complexos passaram a fazer parte dos sistemas numéricos normais.

Os números complexos permitem viabilizar totalmente o teorema fundamental da álgebra: “Qualquer função racional completa pode ser expressa pelo produto de tantos fatores do 1º grau, quantos o seu grau indica”. Aliás, o problema de Cardano é precisamente um desses casos. De fato, a equação do 2ºgrau, x2 – 10x + 40 = 0 só tem raizes em números complexos, não existindo número real, tanto racional como irracional que a satisfaça. Façamos x2–10x = – 40. O teorema diz-nos que a função racional do 1º membro, pode ser expressa pelo produto de dois fatores do 1ºgrau. Realmente

 

40=(5+–15).(5––15) visto que (5+–15).(5––15)=

25–515+5–15 –(–15)=25+15=40.

 

Neste caso, portanto, só as raizes complexas é que viabilizaram o teorema fundamental da álgebra. Sem elas, o teorema não pode ser aplicado.

Numa próxima oportunidade exporei uma outra abordagem dessas questões: a vetorial.

Palavras chave: números complexos, Cardano, Gauss

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Henrique Cruz