A Urgência da Cultura


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O presente artigo pretende construir uma crítica ao atual modelo de gestão cultural do Brasil a partir de uma observância sintética de várias relações filosóficas, fisiológicas, psicológicas, ambientais, e de jurisprudência que implicam numa simbiose entre arte e leis. A intenção é destacar e criticar a efetiva regulamentação da nova lei Rouanet à luz da atual crise financeira internacional como pretexto de uma urgente hegemonia do Brasil enquanto nação apta de diversidade cultural.

This article aims to build a critique of current management model culture of Brazil from a relationship with several synthetic philosophical, physiological, psychological, environmental, and jurisprudence involving a symbiosis between art and law. The goal is to highlight and criticize the effective regulation of the new law Rouanet in light of current international financial crisis as a pretext for an urgent dominance of Brazil as a nation capable of cultural diversity.

 

Bahia, abril de 2009 | Revisado e atualizado em maio de 2018

 

 

A urgência da cultura não é apenas uma responsabilidade dos governos em crise. Ela se faz em condições mínimas e sobrevive alheia durante muitos anos aos recursos de robustos mecenas. O tempo simultâneo do conhecimento é hoje uma prerrogativa imanente do devir. Para entendê-lo bem precisamos adotar o país como um corpo repleto e pertencente a uma geopolítica entendida como musculatura e vísceras. A cultura deveria ser compreendida como um programa de condicionamento capaz de desenvolver fontes energéticas que provocassem mais aptidão no tecido social e econômico. Entretanto, não é bem assim que o condicionamento deste corpo brasileiro anuncia a sua aptidão. Nele o empenho antecipado no tormento da atual crise financeira das empresas patrocinadoras envolve a perversão que a própria lei Rouanet anuncia há vários anos. É indiscutível a relação que se estabelece entre a arte e a lei Rouanet no Brasil, o risco de uma nova lei que financia a arte parece intimidar tanto os corpos hábeis estabelecidos no mercado, quanto àqueles que ainda estão “fora de temporada”. Sabe-se que a lei Rouanet foi aplicada no corpo cultural do Brasil em mais de dez anos de incentivo e que, durante estes, ela não foi capaz ainda de consolidar diretrizes sustentáveis para todo o corpo cultural brasileiro.

Caso todos os projetos propostos aplicar-se-iam efetivamente, concretizando a avaliação concedida pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), em cada temporada de reuniões, consolidar-se-iam as diretrizes de proteção e promoção da diversidade das expressões culturais implícitas no Plano Nacional de Cultura. Porém, as resoluções deste conselho são promulgadas mensalmente desde muitos anos no Diário Oficial da União e, pelo que se sabe, não são cumpridas a rigor. Isso demonstra quão grande é a capacidade da sociedade brasileira para criar diretrizes culturais. Entende-se aqui por diretriz como sendo o eixo do plano de financiamento da cultura. Em suas declarações o Ministro Juca Ferreira enumerou-as em 300 novas diretrizes para o Plano Nacional de Cultura e, segundo o Jornal A TARDE de 11/01/2009, ele informa que nos próximos dez anos também “haverá o fortalecimento da ação do Estado na área cultural”. Diante das estatísticas e contando também com suas declarações, existe a confirmação da perversidade na lei Rouanet, “que já completou 17 anos e apenas 10% dos recursos arrecadados são provenientes, de fato, dos bolsos das empresas. Os 90% restantes são recursos de tributos, ou seja, dinheiro público”.

Uma ilação razoável para diagnosticar, no tempo presente, as potencialidades culturais do Brasil. Neste mesmo jornal, o Ministro apresenta uma proposta emergencial que, segundo ele, faz parte da reforma da lei Rouanet. Hoje este arauto propõe e concretiza sua veemente inferência a partir de uma consulta pública, ou seja, literalmente, um plebiscito, que já se encontra devidamente disponível desde os últimos dias no website: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consulta_publica/programa_fomento.htm. Depois seguirá para o Congresso Nacional.*

Arte incita artistas a vencer por meio da guerra causada pelo não cumprimento da paz. Tem sido assim no cinema hollywoodiano e nas telas de Picasso. Nossas almas ávidas não sobrevivem mais apenas de alimentação e saúde, estar vivo não pode ser considerado mais apenas um sintoma de progresso anunciado nos anos anteriores. Principalmente para uma cultura, como a brasileira, que já ultrapassou há muitos anos estes desafios, mesmo antes da bolsa-família e da insistente permanência “pmdebista” no governo. A relação entre leis e arte parece estabelecer essa mesma contradição na dialética da sobrevivência. E nos dias atuais a lei Rouanet em vigor é reconhecidamente a regente de cultura brasileira. O debate foi aberto tendo em vista a grande quantidade de artigos que estão sendo escritos e argumentados sobre o seu comportamento jurisprudente na atualidade. Em síntese ela determina os critérios para a concessão de renúncia fiscal aos proponentes de cultura, mas é incapaz de atender a demanda de toda a sociedade. Aparentemente o modelo da lei está desarticulado, mas no fundo outras questões precisam ser trazidas como critérios de sustentabilidade do fazer artístico em si e precisam ser consideradas independentes das leis. A arte tem a sua “inesgotabilidade” e “sustentabilidade” garantida pela expressão humana, ela pode associar mecanismos que a favoreceram e, independente da sobrevivência dos humanos, foi assim que na pré-história ela assumiu a lei como força secundária à sua expressão. SCHILLER (1999) assegura que isso se deve principalmente a um abrandamento de forças. “até que não se tenha aplacado a luta das forças elementares nos organismos inferiores, a natureza não empreende a nobre formação do homem físico. Do mesmo modo, antes de aventurar-nos a favorecer a multiplicidade natural do gênero humano, tem que se haver acalmado no seio do homem a luta das forças elementares, a disputa dos impulsos cegos, e haver concluído definitivamente o depreciável antagonismo que imperava nele.”

A nova lei deve ser discutida sob este mesmo caráter para serenar os impulsos cegos empresariais, repentinamente acometidos por uma crise de sustentabilidade confessada no empírico modus vivendi² estadunidense, diante de milhares de artistas desconhecidos. O conhecimento da diversidade cultural, argumentada em sua reedição propõe novas porcentagens de renúncia por meio de participação da sociedade brasileira, inclusive, mas a sua simbiose compreende muitos fatores (ou diretrizes) intuitivos e estatísticos de demanda contemporânea.

 

Síntese e simbiose

 

Nossa atual desenvoltura das ações humanas determina a lógica da arte. Por si mesma a arte, enquanto manifestação do espírito humano acompanhará o processo de incansável busca de virtude da natureza. Como tal, arte e natureza assemelham-se na inusitada e súbita transformação materialista do tempo. As proposições naturais do presente condicionam a espécie humana deduzindo-a, cada vez mais, numa totalidade delimitada por tempos e espaços. A síntese da arte não pode ser mais reduzida, apenas, ao sentido de agregação das leis, ela participa de uma condição associada a elas.

Neste sentido a síntese passa a ser uma condição simbiótica da arte contemporânea. A arte agora é engendrada pelos movimentos do mundo. Mundo imanente de necessidades de crescimento, de sustentabilidade e de um impetuoso esquecimento da cultura como parte inerente de uma nova e possível biodiversidade. A riqueza da arte observada na modernidade não pode mais ser valorada pelo que de material ela incita. A pós-modernidade trouxe consigo a arte como dialética e conceito. Desse modo a diversidade cultural pode ser encarada como síntese da arte e a lei como simbiose das duas.

 

VILCHES (2007) afirma que:

“este olvido muy frecuente, constituye un ejemplo de los planteamientos reduccionistas; como ha señalado Folch (1998)², la diversidad cultural también es una dimensión de la biodiversidad y su destrucción ha de preocuparnos tanto o más que la desaparición de especies vegetales o animales (Maaluf, 1999)³, porque esa diversidad es la garantía de una pluralidad de respuestas a los problemas que la humanidad ha de hacer frente.”

 

O objeto de minha análise participa também por meio da estatística obtida na última aprovação dos prazos de captação de recursos dos projetos culturais apresentados na portaria n° 3, de 6 de janeiro de 2009 e publicada no Diário Oficial da União. Para aqueles proponentes, como eu, que fazem parte da referida portaria/lista o que se observa, claramente, é que ela não pode propor equanimidade em sua distribuição. A portaria/lista surge no meio de uma crise comprovada midiaticamente e em tempos de escassez de recursos; e fica a pergunta: quais recursos alcançarão os nossos projetos? O êxito é impraticável por meio dos editais online disponíveis no website do Ministério da Cultura. Também é por poucas empresas patrocinadoras, justificadas normalmente na seleção de modestos 16 (dezesseis) projetos numa lista de 1.400 (mil e quatrocentos) inscritos online.

 

A falta de diretrizes orçamentárias coerentes e sustentáveis para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) e a própria lei complementar nº 128/2008 sancionada às pressas para elevar a faixa das alíquotas incidentes sobre pequenas empresas produtoras de cultura desprezam, sumariamente, o trabalho do proponente, desdenham a elaboração intelectual dos projetos e estão causando uma sensação exterminadora do fazer cultural.

O comportamento do Ministério da Cultura, enquanto não organiza diretrizes puras e simples para a CNIC, restringe as aspirações dos proponentes. Interessante é observar como que a produção cultural brasileira carrega esse caráter hediondo, fazendo com que seus profissionais desconhecidos da mídia torpe e insistente atravessem suas vidas por uma mendicância sem fim. Entretanto, por outro lado, nem sempre as políticas do Estado fomentaram necessidades artísticas puras e simples, seja pelo passado de suas insatisfatórias avaliações do fazer cultural destes profissionais ou, seja pela crueldade de suas elites escolarizadas e consumidoras de produtos culturais.

As políticas do Estado como produtor oficial de cultura e censor da produção cultural da sociedade civil discrimina as necessidades artísticas puras e simples. Ou seja, o recurso e o retorno do viver cultural nunca alcançaram a esfera mais distante das comunidades que ainda vivem numa completa inconsciência de seus devidos tempos e valores, distanciando o vir a ser da cultura como presentificada de fato no seu modo de existir. O que aparece ainda é apenas rudimentar, imagético e fragmentado para essas comunidades, um exemplo foi o evento de massa para a abertura do ano da França no Brasil, associando existência cultural como algo enigmático e concentrado nas mãos do Estado.

O clientelismo individual e das corporações artísticas estão bem definidas para o Estado brasileiro contemporâneo. Ele insiste em manter silenciados critérios simples e puros, esquecidos nas secretarias desorganizadas de seus Ministérios, indicativos e estatísticos das insatisfatórias avaliações neoliberais em termos de quem realmente produza alguma arte que seja sustentável. Imagina-se o fazer cultural destes profissionais com parâmetros esdrúxulos de sobrevivência imediata, ou pelo que se supõe de poderio em sua produção técnica. Espera-se que artista/proponente crie e comercialize subitamente suas obras como contravenção da ordem cultural estabelecida, fonte única e mantenedora de seu viver, ainda que num território filológico idêntico de esquecidos rincões.

Enquanto isso a ideologia da elite costuma confundir-se com uma intolerância velada na política financeira para proponentes que questionam o contexto contemporâneo. Assim como foi para alguns bons intelectuais que este país silenciou com a tortura nos anos 60 e 70 e outros que foram esquecidos após anistiados. Repentinamente, agora o Brasil se redime com essa possível modernização legislativa do artista/proponente ou, como muitos preferem, criador/criatura.

A dialética da lei Rouanet se expressa em contrapartida aos acontecimentos políticos por contradizê-los em suas angustiadas determinações e que, neste momento mais atual, passa a ser uma atuação articulada também por outra inesperada lei complementar. As emergentes microempresas de produção cultural aderindo ao o Simples Nacional passariam a ser uma atividade manipulada pela lei complementar nº 128/2008, publicada no DOU de 22 de dezembro de 2008 (http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/leiscomplementares/2008/leicp128.htm) onde a sua expressão como produção cultural e artística será regimentada por alíquotas que chegam a quase triplicar os impostos do setor. Interessante observar a produção cultural e artística de futuros projetos no PROFIC sobrecarregadas, antecipadamente, com este caráter espantoso.

Quanto aos incentivos destinados aos projetos de formação artística, se evidenciam neste Ministério alguns tímidos editais disponíveis em seu website, e de iniciativa privada algumas poucas empresas patrocinadoras patenteadas por ele (Usiminas, Votorantim, Oi Futuro, Eletrobrás e mais recentemente o Itaú Cultural). Empresas que provavelmente disponibilizaram seus editais de seletividade justificadas na aspiração do recente mérito de responsabilidade social empresarial (RSE) mas, não conseguem ser efetivamente capazes na resolução ulterior que a urgência da lei Rouanet propõe de renúncias fiscais dos milhares de projetos aprovados e anteriores à dita fase de consulta pública. Por outro lado, uma empresa estatal, patrocinadora majoritária, que é confundida historicamente como sendo o “banco do MinC” (Petrobrás), tornou-se demasiadamente aparente e indiferente à responsabilidade social que ela anuncia em suas insistentes propagandas comerciais, vangloriando-se como extemporânea a tudo e a todos.

Faltam evidentes diretrizes orçamentárias entre a CNIC e a Receita Federal. E não se explicam ou se apresentam condições econômicas formais da concordância entre tais medidas comprobatórias de urgência para a cultura. Estas medidas significarão experiências coerentes e sustentáveis para o país? A própria lei complementar nº 128/2008 sancionada às pressas, demonstra um desrespeito e desconhecimento da abrangência da identidade econômica da cultura brasileira. A falta de transparência e sua elaboração urgente significarão o descontentamento do objeto cultural na política, onde aparecem leis que estão causando uma importante reavaliação e crítica do fazer cultural.

Como citou PÉLICO (2009) de leis que acontecem à surdina e,

 

“sem a menor transparência, sem debate nem comunicados prévios aos atingidos por suas alterações. Os artistas e produtores tomaram conhecimento do assunto no início deste ano, já diante do fato consumado.”

 

Uma condição intolerável, dissimulada e que associa genericamente seus trabalhadores aos movimentos sociais mais radicais. Estes artistas e produtores deverão ser controlados pelo Estado que transparece na atuação cultural como se estivéssemos em contrapartida aos acontecimentos políticos. Tão somente por contradizê-los em suas  angustiadas bases econômicas e, neste momento, evidenciadas bases sem conteúdos financeiros capazes de comunicar à classe o que vem a ser essa urgência. Se as leis precisam dessa falsa aparência para ocultar as suas ilusórias intenções melhor será viver sem elas.

Na verdade a portaria/lista a que me refiro e me incluo contém mais de sete mil projetos e ela ainda assemelha-se a uma “Schindler’s List”, além disso, muitos outros seres culturais (proponentes) estão ainda por vir. E, embora estejam fora dessa arca de Noé, já percebem o anúncio do dilúvio e vivenciam uma sensação que não é agradável. Tanto faz qual seja a sua arte, o dilúvio legislativo vai afogar àqueles recém aprovados da portaria/lista ou àqueles proponentes prorrogados e aflitos em tempos de mudança na legislação, em tempos de crise financeira deflagrada aos quatro cantos. Existe na portaria/lista a diversidade entre tantos nomes conhecidos e respeitados da biografia artística brasileira contemporânea. Espera-se que o destino da arca seja o da biodiversidade desses artistas, como um possível mosaico intuitivo do Brasil essencialmente cultural. Supõe-se que a portaria/lista orienta o sentido de redenção urgente com todos estes PRONAC’s (executados ainda nesta gestão) para a possível biodiversidade da lei Rouanet em seus últimos suspiros. Muito embora, avaliar a salvação e o arrebatamento da cultura por aquela portaria/lista específica e regimentada é evidente indício de desvalorização do produto do trabalho artístico em si.

Sintetizando todo este movimento gestacional recorre-se também de “intuição” em bases kantianas. KANT (2007) afirma que não há conhecimentos propriamente ditos sem intuições e intuições sem objetos, objetos sem fenômenos. Por exemplo, eu apenas intuo o que é “ser artista” pelo que de aparente ele transmite em suas leis. As notícias trouxeram os acontecimentos, que são os objetos da referida crise financeira internacional, enquanto fenômeno para uma humanidade muito hedonista e, como cita o dramaturgo THOMAS (2009) “há uma cultura que jamais coincidiu com a vida, ela (Cultura) é feita para governar sobre a vida”. Então, já estamos diante de uma governabilidade onipotente, que não se reduz ao poder histórico-temporal das intuições, que enfrenta uma grande massa aflita como redentora de suas resoluções, seria isso o que a própria condição do Mecenas (entendido como Estado) proporciona aos proponentes da lei Rouanet?

A intuição me diz que essa referida crise teve hora marcada para surgir, por outro lado, a lei demorou demais para ser equalizada. Tratar a cultura como caráter secundário da existência e da beleza no Brasil é uma característica dominante no pensamento político e, na prática, as mudanças que a jurisprudência cultural brasileira provoca nem sempre serão devidamente aplicadas somente para a beleza da cultura. Segundo CASSIRER (1994), após as suas leituras da “Nouvelle Héloise” de Rousseau: “A beleza, no sentido tradicional do termo, não é de modo algum a única meta da arte, na verdade não passa de um aspecto secundário e derivativo.NUNES (1898) vai apontar que a reflexão filosófica em torno da arte derivou a ciência da beleza.

 

“A reflexão filosófica em torno da arte derivou, assim, para uma ciência que fez da apreciação da Beleza o seu tema fundamental. Fruto de certas tendências manifestadas no pensamento teórico desde o século XVII, a nova ciência concebeu a arte como aquele produto da atividade humana que obedecendo a determinados princípios tem por fim produzir artificialmente os múltiplos aspectos de uma só beleza universal, apanágio das coisas naturais.”

 

A beleza da cultura seria de fato uma urgente revolução brasileira. Essa revolução aconteceria apenas por uma nova graduação de valores percentuais proposta pela novíssima lei Rouanet? Ainda não sabemos se a nova legislação é uma expressão de liberdade, esperteza ou má-fé do Ministério da Cultura para com os artistas do Brasil. Acredito que essa graduação possa ser considerada uma revolução cultural objetiva se as relações filosóficas, fisiológicas, psicológicas, ambientais e de jurisprudência forem adotadas na dialética entre a lei e a arte.

Vivemos a fase final da revolução das máquinas poluidoras e, como tal, somos incitados por novos valores de beleza humana procurando uma nova lógica diante de uma sustentabilidade mitológica. Os ídolos acompanham a história da humanidade desde muitos séculos esclarecendo o propósito da formação da identidade cultural. A prosperidade do ídolo mitológico é um processo de auto-realização da cultura, ele (ídolo) associa o  funcionamento neurofisiológico da mente humana e vai transmitir essa auto-realização por meio de suas atitudes independentes de sua moral. O ídolo é a expressão de um arquétipo do humano pleno de virtudes, como sentenciou Jung4, os arquétipos são importantes na discussão da formação da personalidade do ser humano. SANTOS & MOREIRA (2008) afirmam que para melhor compreender estas questões arquetípicas não são apenas essenciais questões de ordem, organização e unificação da personalidade.

 

“A nosso ver, quando o arquétipo do Eu atinge o estado de autorealização, configura-se aí não só a ordem, a organização e a unificação da personalidade, mas também, se insere o processo de identificação do indivíduo. Para se chegar à auto-realização, a que Jung se refere, é necessário passar antes por este processo de identificação, cujo resultado é a identidade cultural, eletronicamente construída e reconstruída, a cada mito (…)”

 

A urgência da cultura é o fruto dessa organização impensada entre crescimento e sustentabilidade da identidade cultural. Hoje a revolução é outra, é glocal (global + local). No mundo da imanente necessidade de crescimento a beleza da cultura não significará que a lei e a arte não podem ser traduzidas como dialética pós-moderna ou a priori apenas pelo que de material ou imaterial ela (beleza) incita. A arte glocal já é conceitual, embora nossas leis não tenham acompanhado seus valores a rigor nos últimos anos, ela interconecta os indivíduos numa constante busca de equilíbrio, suas leis agora são objetivas para a arte imanente do existir e a diversidade tornar-se-á diluída em fragmentos ultra conceituados de cultura. Estes mitos ou ídolos glocais5 encontram-se afoitos pelo reconhecimento dos fragmentos artísticos como apropriação do inconsciente humano e, assim, a lei Rouanet sancionou-lhes o direito à cultura por tanto tempo.

A diversidade cultural afronta a síntese da arte, pois a relação que se estabelece de descartabilidade das identidades avança sobre a história sem precedentes. Nota-se que o consum  esteve invariavelmente associado ao desenvolvimento humano, quando, na verdade, a relação proposta entre arte e cultura é imaterial e simbólica e, na qual, cada vez mais, é o ambiente e a identidade que situam os mecanismos de interatividade glocal. É provável que no futuro estes mecanismos não poderão ser apurados apenas como requisitos de consumo e emergência.

Em termos de desejo e controle de crescimento, a velocidade de satisfação individual esbarra-se no conjunto de fatores coletivos que causam o desequilíbrio entre a lei e a arte. A arte é imanente à natureza humana, ela não possui uma clara explicação da sua regra, ela manifesta e constrói a gênesis do espírito criador proporcionando à humanidade um indiscutível refinamento técnico na satisfação do tempo. O desenvolvimento de tecnologias sustentáveis não significam um aritmético dispêndio econômico. A sustentabilidade humana se esforça, porém continua angustiada na autonomia de sua identidade. A arte também poderá representar um desgaste de certas circunstâncias e, normalmente, o desenvolvimento sustentável das leis está relacionado com as mudanças culturais e comportamentais da sociedade.

O cuidado com o corpo cultural deveria ser encarado como sistema pertencente ao país. A sociedade brasileira desenvolve-se ainda segundo critérios de dominação ambiental e cultural, a questão do desenvolvimento estabelece uma relação antagônica entre a “qualidade” do produto cultural e o “conforto” que ele proporciona. Neste padrão desenvolvimentista de cinco séculos, a referida lei Rouanet corroborou com o corpo cultural prioritário das elites dominantes que, por sua lógica, assimilavam perfeitamente bem a qualidade e o conforto que a aptidão do desejo proporcionava principalmente aos ambientes paulistanos e cariocas. Transformar costumes e lugares significa muito para a arte. Associar esta medida ao campo fisiológico significa afirmar que existe um corpo cultural imanente e, porém, geopoliticamente concentrado na sociedade brasileira. As deficiências dos espaços, em termos fisiológicos, são identificadas por fontes energéticas renováveis e limpas que não alcançam a cultura por meio desta lei. Desse modo, a lei precisa ter um compromisso social maior para alcançar a arte, sua aptidão física (em analogia ao corpo pleno da cultura) dependerá de um consumo energético equilibrado (em analogia à distribuição de incentivos) e quanto mais reciclável melhor para o espírito.

Contudo, reverter as improbidades conferidas na lei Rouanet não significa que a consulta pública determine uma melhoria dos critérios de diversidade do corpo cultural. A realidade que se anuncia é de que os desvios históricos da receita para a cultura brasileira continuarão persistindo no desenvolvimento de um corpo cultural pleno nos próximos anos, caso a simbiose não seja completa para a sua síntese. Será que a nova lei é criada para respeitar a diversidade das essências humanas considerando também que ela não pode ser cumprida a priori apenas com a arte? A experiência brasileira demonstra que o cumprimento das leis tem sido um mero passatempo constitucional para o crédulo subterfúgio das ações de arautos da sociedade que buscam a verdade. KANT (2007) aponta que o ajustamento do conhecimento ao objeto é a verdade.

 

“A verdade, sendo o ajustamento de um conhecimento com seu objeto, este deve, por isso mesmo, ser diferente dos outros; porque um conhecimento não é verdadeiro se diverge do objeto ao qual se refere, por mais que de outra maneira inclua alguma coisa que seja útil para outros objetos.”

 

A urgência da cultura é a triste verdade tropical que a lei Rouanet promulga desde dezessete anos atrás. Esta perspectiva de renascimento para a lei com um formato coerente e que acompanha as inúmeras dinâmicas da arte e do corpo cultural pleno tornarão a simbiose possível se, e somente se, alcançar a sua urgente hegemonia como futuro sustentável da nação. Esperando que ela (nova lei Rouanet) seja apta de diversidade cultural e que, talvez ainda, ela possa vir a ser nova de fato se for capaz de transparecer o que menciona GUZZO (2009) com suas contundentes críticas ao estado brasileiro publicadas na revista Veja. Para ele a perfeita probidade das leis no Brasil ainda é uma opção inválida.

“Todo mundo, numa conversa a sério, sabe perfeitamente bem que não se chega a lugar algum sem haver, no início de tudo, o entendimento de que as leis e as regras só valem alguma coisa se a maioria dos cidadãos acreditarem que elas serão realmente aplicadas – o tempo todo, da mesma forma e para todas as pessoas.”

A natureza sempre busca a verdade e pode buscar a beleza. Mas nem mesmo a natureza é infalível, nem tampouco atinge sempre o seu fim. Neste caso, a arte deve ir ao auxílio da natureza e até mesmo corrigi-la. Trata-se aqui de uma busca para garantir a liberdade de expressão de uma sociedade ocidentalizada demais, arrojada demais e tecnicamente livre que é regida por leis que serão sempre um desafio ao espírito e à razão.

A ambiguidade das leis é uma condição da natureza humana e dos fenômenos. Na realidade a ambigüidade também demonstra o quanto de instabilidade e de incertezas elas representam para o Estado. Necessário será encontrar a organicidade e a sustentabilidade das leis com a arte e, para além dela, certa imposição às questões importantes da política cultural como um todo e como filosofia imanente do Estado. A natureza não desobedece nunca à razão e nossa satisfação de existência se edifica na estabilidade de suas manifestações. Eu não creio que o homem dominará a natureza. É mais provável que ele assista impávido a decisão de suas leis, mesmo aquelas mais relativas e previsíveis.

 

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NOTAS

* Atualização | Acesso Negado em 22/05/2018, resposta do servidor : “Essa transação foi rejeitada porque possivelmente viola a política de segurança da informação da Presidência da República.” Consulta pública encerrada em 8 de dezembro 2015 às 20:38].

Segundo o Dicionário de Sociologia é uma espécie de arranjo temporário que possibilita a convivência entre elementos e grupos antagônicos e a restauração do equilíbrio afetado pelo conflito.

2 In: FOLCH, R. (1998): Ambiente, emoción y ética, Barcelona, Ariel.

3 MAALUF, A. (1999): Identidades asesinas, Madrid, Alianza.

Cf. SANTOS, L. & MOREIRA, L. (2008:03): A Caixa Mágica de Identidades Possíveis, Lisboa. URL Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt.

5  “É desta maneira, cremos, que do novo refaz-se o velho e do velho cria-se o novo, pois os mitos surgem desta nova ordem global que interconecta os indivíduos. É nesta esfera global que a linguagem atua de maneira efetiva no inconsciente do homem-massa, que somente se reconhece humano quando se apropria das características de seus deuses, heróis e heroínas que a Indústria Cultural propaga via meios de comunicação.” SANTOS, L. & MOREIRA, L. (2008:08) Op. cit.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Alexandre Reis