Matabicho Lingüístico By Bruno Maroneze / Share 0 Tweet Existem tipos de sites, tipos de blogs, tipos de bebidas, tipos de animais… Pois é, as línguas do mundo também são classificadas em tipos. Existem vários jeitos de fazer essa classificação, e aqui eu mostro dois: um baseado na morfologia, e outro na sintaxe. Bom dia! Aqui no matabicho de hoje, eu resolvi falar sobre um assunto em que muita gente resolve se meter e, por isso, vou dar uma ajuda. Como vocês sabem, tudo tem um tipo. Existem tipos de comidas, tipos de bebidas, tipos de computadores, tipos de sites, tipos de blogs… Do mesmo jeito que os biólogos classificam os animais e plantas em tipos, os sociólogos classificam as sociedades em tipos (caros leitores sociólogos, sei que isso é uma besteira, tá…), e assim por diante, os lingüistas também classificam as línguas em tipos. Desde muito tempo (e eu digo muito tempo mesmo: desde a pré-história) as pessoas percebem que existem línguas diferentes ou parecidas entre si, mas só no século XIX é que resolveram organizar esse conhecimento e agrupar as línguas em tipos. A tipologia mais famosa é baseada na morfologia (aquela parte da gramática que estuda as classes de palavras, as flexões, lembra do tempo de escola?). Os irmãos alemães Friedrich e August von Schleicher foram os que primeiro estudaram isso. A primeira coisa que eles perceberam é que existem línguas em que cada palavra expressa um significado, e outras em que uma única palavra pode ter vários significados misturados. Vamos ver um exemplo para ficar mais claro. Em português, se eu digo, por exemplo, "flores", eu estou dizendo duas coisas (bom, mais ou menos, né…): primeiro, estou me referindo àquele órgão vegetal colorido e cheiroso que vocês conhecem bem; segundo, estou dizendo que tem mais de um (ou, de outra forma, a palavra está no plural). Ou seja, uma única palavra engloba essas duas coisas. Já numa outra língua, como o chinês, por exemplo, eu não vou usar uma palavra no plural: ou eu digo apenas "flor" e você que se vire para entender que estou falando de várias, ou eu digo algo como "flor muita", ou seja, duas palavras. Os irmãos Schleicher chamaram as línguas como o português de "sintéticas", porque sintetizam vários significados numa única palavra; as línguas como o chinês foram chamadas de "analíticas". (Um parêntese: claro que estamos falando de dois extremos. Existem línguas que ficam bem "no meio do caminho". Por exemplo, o russo é mais sintético que o português; já o inglês é mais analítico que o português. Mas as três são consideradas sintéticas.) Para resumir, nas línguas analíticas as categorias gramaticais, como "plural", "passado", "comparativo" etc. são expressas por palavras separadas. Além do chinês, outras línguas da Ásia Oriental, como o vietnamita, também são analíticas. Já as línguas sintéticas são aquelas em que uma única palavra já expressa, além do significado da "coisa", também os significados gramaticais, como "plural", "sujeito", "passado" e assim por diante. Existem basicamente dois tipos de línguas sintéticas. O primeiro delas é chamado de "aglutinante": são as línguas em que as marcas gramaticais são claramente "desmontáveis". Pegue uma forma verbal numa língua aglutinante, e você consegue saber exatamente qual parte indica a ação própria do verbo, qual parte indica plural, qual parte indica primeira pessoa, qual parte indica passado, e assim por diante. Assim é o japonês, o coreano, o turco… O outro tipo de língua sintética é a língua "fusional" (também chamada "flexional", mas esse nome não é muito adequado). Nesse tipo de língua, não dá muito para "desmontar" as palavras. Vamos ver o português, por exemplo: em "cheguei", dá até para imaginar que o "cheg-" indica a ação do verbo, mas do que sobra, qual parte significa "passado", qual significa "primeira pessoa", qual significa "singular" e qual significa "indicativo"? Parece que o "-ei" indica todo o resto, sem saber qual pedaço é o quê. O português e a maioria das línguas da Europa são desse tipo. A tipologia morfológica é mais ou menos assim. Continuo reforçando que é tudo uma questão de grau: as línguas podem ser "pouco analíticas", "muito sintéticas", "mais sintéticas que outras"… Muitas línguas são sintéticas em certos aspectos e analíticas em outros. Por exemplo, o japonês é muito sintético na flexão verbal, mas na flexão dos substantivos, é bastante analítico. Outro jeito bem comum de classificar as línguas é pela sintaxe. Aqui, a coisa é bem simples: é só ver o que vem primeiro, o sujeito, o verbo ou o objeto. Por exemplo, na frase portuguesa "O menino leu o livro", o sujeito "o menino" vem antes do verbo "leu", que vem antes do objeto "o livro". Mas não é sempre assim. Existem línguas de vários tipos: SVO – O menino leu o livro SOV – O menino o livro leu VSO – Leu o menino o livro VOS – Leu o livro o menino OSV – O livro o menino leu OVS – O livro leu o menino Você já adivinhou: o português é do tipo SVO. Mas não é o tipo mais comum: o mais comum é SOV, como o japonês, o persa, o turco e várias outras. Os outros tipos são menos comuns. Por exemplo, o árabe clássico (o do Alcorão) e o hebraico clássico (o da Bíblia) são VSO, assim como muitas línguas célticas. Um punhado de línguas da Oceania são VOS. O tipo OSV é extremamente raro: basicamente, aparece no xavante e em outro punhado de línguas indígenas brasileiras. Por fim, a ordem OVS é ainda mais rara, aparecendo, por exemplo, no tâmil (língua da Índia) e no hixkaryana (língua indígena brasileira). Acontecem também algumas outras coisas meio estranhas em relação à ordem. Uma das mais interessantes é o fenômeno V2, que acontece, por exemplo, em alemão e em holandês. Nessas línguas, a ordem pode ser qualquer uma, desde que o segundo elemento da frase seja o verbo. Por exemplo, em alemão se pode dizer O menino leu o livro porque o verbo é o segundo elemento. Agora, não se pode dizer Ontem o menino leu o livro porque aí teriam duas coisas antes do verbo ("ontem" e "o menino"), e aí o verbo ficaria na terceira posição. Como tem que ficar, então? Fácil: coloque apenas um elemento antes do verbo: Ontem leu o menino o livro E se eu quiser dar ênfase a "o livro" e dizer "o livro, o menino leu ontem"? De novo, o verbo tem que ficar em segundo lugar: O livro leu o menino ontem. E assim por diante. Achou estranho? Talvez, mas o que é mais interessante é que é bem provável que o português medieval também era assim… Mas essa história eu conto em outro matabicho.