Fronteiras Emocionais.


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Há certas canções, certos discos e até certos artistas que fazem os pelos de nosso braço subirem num calafrio. Sabe aquela sensação de estar apaixonado – um formigamento nas mãos, um calor interno, os olhos rasos d´água, então – tudo isso. Não sei exatamente qual é essa magia que nos faz tão felizes cada vez que ouvimos essas melodias. Não sei o que é que nos toca tanto quando estamos totalmente absortos no tempo e no espaço e aquela canção toca – o que é isso afinal? Emoção! Sabemos que a música ativa em nosso cérebro conexões neurais que liberam substâncias como a serotonina por exemplo, que nos dão uma sensação tão boa, tanto quando fazemos sexo ou comemos chocolate. Mas para ter esse poder quase mágico, quase sobrenatural de nos emocionar, é necessário ter alguns requisitos. Vamos a eles. 1. Ter um refrão lindo. O refrão é uma coisa muito complicada. É quase uma receita de bolo que ninguém nunca acerta. O refrão ou é óbvio demais, ou é grudento ou é ruim, sendo que na maioria das vezes, ele consegue ser ruim e grudento ao mesmo tempo – “eu quero tchu, eu quero tcha” ou “nossa, nossa, assim você me mata, ai se eu te pego, ai ai…”. Não estou dizendo aqui que o adjetivo grudento seja ruim, porém é secundário. É preciso que o refrão seja bom, que o verso seja honesto – e que comunique algo, sobretudo ao seu coração – ou melhor, ao seu cérebro, afinal, as emoções são todas cerebrais. Outro aspecto é o instrumental – 2. Precisa ser delicado e rebuscado, quase rococó (sic). Mas, precisa ser bem executado e cheio de cordas, metais e incursões pseudo-eruditas. Digo isso, e até ironicamente, porque emoção e crueza não combinam. Um bom arranjo faz toda diferença na hora da emoção. Um violino ali, um órgão acolá, e os metais então – dão todo um toque especial as canções (lembrei-me agora do solo de trompa de “For No One” dos Beatles). 3. A voz. Precisar ser doce, suave, por vezes sussurrada e sutil. A voz é parte do encanto e é tão importante, que muitos radialistas conquistam audiência apenas por esse atributo. Realmente, às vezes pode-se ter instrumentistas ruins e até refrões ruins, mas a voz é um dos elementos primordiais para a continuidade da audição. A cadência, os semi-tons, os falsetes, os tons mais baixos nos momentos de maior apelo emocional são de fato preciosos. Nomes não faltam para exemplificar – de Frank Sinatra à Nick Cave, de Nick Drake à Mike Patton, passando por Mark Lanegan e Chris Cornell – os homens, e das mulheres – de Nico à Fiona Apple, passando pela magistral Barbara Streisand, Marianne Faithfull, Beth Gibbons, Ella Fitzgerald, Elis Regina e Billie Holiday. Essas vozes são marcantes demais, tocantes demais, e que sem elas as  mesmas canções imortais não seriam tão imortais assim.

 

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Porém o grand finale é talvez o elemento mais importante. Não pode ser enfadonho. Se analisarmos bem, muitas outras coisas nos emocionam. Desde gestos de carinho, como uma simples lembrança, uma carta inesperada, um cartão postal, até uma cena de filme (Casablanca), ou um musical de Vincent Minelli. A emoção está presente em nossa vida desde o nascimento, o parto com certeza é algo incrível. No mundo atual poucas coisas são capazes de nos causar comoção (vide a banalização da violência). Porém, certa vez me deparei com uma matéria assinada por Zeca Camargo na revista Show Bizz onde ele apontava os discos no limite de algumas situações (na época ele apresentava o programa No Limite). E o disco no limite do romance descrito por Zeca, foi “Emoticons” da dupla inglesa Ben & Jason. Desde esse dia eu procurei por esse disco incessantemente. Demorei nove anos, uma vez que a matéria é de 2000 e o achei no fim de 2009. Ouvi o disco, e adorei. É um disco que nos coloca frente a frente com as emoções mais profundas do ser. É cativante a audição, são canções lentas e totalmente tranqüilizadoras. É como se você tivesse a certeza de que as coisas fazem algum sentido, e como Zeca escreveu na matéria: “ouça de mãos dadas com a pessoa que você mais adora no mundo e perceba essa sensação”. O disco é cheio de momentos de rara beleza e emoção. A voz de Ben Parker e os instrumentais de Jason Hazeley estão extraordinários nesse disco. Todas as músicas nos elevam, da levada bucólica de “Emoticons” á riqueza sutil de “I´ll Always Want You”. O capricho nos arranjos deve ser ressaltado, além da singeleza no modo de cantar, da expressividade de Ben, e do quanto ele dá alma a cada uma das canções. A música mais aclamada do disco é “Air Guitar”, sem dúvida linda, mas a pureza e inocência de “Cartoon Heart” são impressionantes. Principalmente no refrão bem construído e mais alto, é onde ele solta a voz para dizer versos como: “você era meu belo espelho”. “Say Come” é outra canção linda. Instrumental minimalista, violões lamentosos e um vocal a beira do coração – que interpretação brilhante. O disco Emoticons de fato é um dos discos mais emocionantes dos últimos tempos, dificilmente quem o escuta o esqueçe, dada a sua grande qualidade em nos deixar em estado de graça como poucos. Outro disco de igual beleza é “With Ghost”, da dupla americana Damon & Naomi. Um disco excelente, que descobri por acaso também. Certa vez relendo uma matéria sobre o extinto Galaxie 500, descobri que não apenas o Luna (excelente por sinal) havia surgido após o fim da banda, mas também essa dupla. A matéria não dizia nada sobre eles, o que aguçou ainda mais a curiosidade. Porém quando ouvi o disco pela primeira vez, descobri que não iria mais parar de ouvi-lo, devido a sua grande beleza e emotividade. Os instrumentais lânguidos e bem feitos, logo me remeteram a uma época longínqua no tempo, num tempo de mais felicidade do que hoje, e logo percebi do que esse disco era capaz. O disco é muito rico no quesito instrumental, uma variação enorme de instrumentos acompanham a base folk da dupla, onde ambos cantam, com atenção especialíssima para a bela voz de Naomi Yang. São como temas campestres, onde influências de Belle & Sebastian e Nick Drake se misturam, não dando para saber onde começa uma e termina a outra. “The New World” é uma prova disso, Naomi parece cantar com exclusividade para cada ouvinte, parece que ela se aproxima lentamente pelas costas e canta direito ao ouvido. Um vento leve parece tomar conta do local, o mesmo que passa pela canção. “Judah And The Maccabees” é outra pérola. Dessa vez é Damon Krukowski quem canta, e muito bem por sinal.

 

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Ben & Jason – Emoticons [Polygram Int´l, 1999].

 

 

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Damon & Naomi – With Ghost [Subpop, 2000].

 

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O arranjo dessa música é perfeito, lento, cadenciado, um violão choroso, que lamenta algo que não sabemos direito o que é, mas adoramos aquela melodia. “Blue Moon” é quase uma canção de ninar de tão singela que é, com um orgãozinho Hammond ao fundo, magistral. “The Great Wall” é a mais linda do disco. Emocionante, é necessário repetir essa palavra para descrever essa canção. Cheia de rompantes de sensações, o grande muro é uma das fronteiras emocionais do que fala o título desse artigo. “Don´t Forget” e “I Dreamed Of The Caucasus” são formas distintas do mesmo sentimento de um vagar solitário, na busca de algo incerto, mas tão forte que nem mesmo a palavra pode expressar. With Ghost é um disco para se ouvir e exercer a sensibilidade. É um disco que desperta “coisas” ocultas em seu ser, é um viagem de auto-descoberta, pois há uma ligação direta entre seus tímpanos extasiados pela experiência com seu duro coração. “Eulogy To Lenny Bruce” é capaz disso. Em suma, se você quiser descobrir os efeitos da emoção apurada, ouça esses dois discos. É claro que existem muitos discos e canções capazes disso – mas quis destacar esses dois mais por uma questão de um quase ineditismo – por serem artistas quase desconhecidos do grande público. Cada um que faça sua lista, colocando quem quiser, pois a emoção é bem subjetiva. Não que as músicas que não cumprirem esses requisitos de refrão, voz e instrumental não sejam boas ou emocionantes, mas para mim (opinião), esses são elementos essenciais para uma grande canção. Agora voltando aos dois discos citados, é de fato uma experiência enriquecedora conhecer essas canções, por um pouco de alegria e de cor em sua vida, em dias tão estranhos como os nossos – nada é mais adequado do que uma dose de emoção.

 

 

Minha lista com as 10 músicas que mais me tocam emocionalmente nesse momento – não necessariamente em ordem de importância ou de intensidade:

1.Norah Jones – Dream A Little Dream Of Me

2.Portishead – Only You

3.Natalie Merchant – Life Is Sweet

4.Fiona Apple – Across The Universe

5.Elis Regina – Atrás Da Porta

6.INXS – Never Tears Us Appart

7.Tears For Fears – Woman In Chains

8.Paul McCartney – The Fool On The Hill

9.Marcelo Camelo – Vermelho

10.Cohen & Marcela – Pela Cidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.