Entendendo a generosidade do FMI no Haiti


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Recentemente, o Fundo Monetário Internacional enviou, de forma magnânima, generosa, humanitária ao Haiti uma “ajuda de emergência” de US$ 114 milhões. Como de costume, mantendo nossa característica de selvagens pensadores, precisamos buscar nas entrelinhas o entendimento desta “ajuda” no presente caso.

IMF_logoO empréstimo feito pelo FMI só será cobrado a partir de 5 anos e meio, sem nenhuma incidência de juros neste período. Desta forma, diz o diretor executivo e presidente da instituição, Sr. Dominique Strauss-Kahn, o FMI participa positivamente da reconstrução do país devastado. Acrescenta ainda que ajudará as autoridades haitianas a preparar e implementar um plano de reconstrução e recuperação econômica a médio prazo. Olho muito aberto, sobrancelhas franzidas: em muitos países (inclusive no Brasil, e na Argentina) os “planos estruturais” programados pelo FMI apresentaram-se mais maléficos do que benéficos, como se pode acompanhar na história destes países.

Esta tática destinada a re-legitimar a ação do FMI no Haiti foi considerada pelo Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM) como escandalosa, já que tanto o FMI como o Banco Mundial e outras instituições financeiras são responsáveis, indiretamente, por situações que levam à violação dos direitos humanos e à liquidação da auto-suficiência alimentar do povo haitiano, entre outras consequências.

babydocHistoricamente, o Haiti já nasceu endividado: para ter sua independência reconhecida em 1804, a França forçou o país a pagar 90 milhões de francos em ouro como compensação pela perda de seus escravos. O pagamento desta dívida levou mais de um século, tendo começado em 1825 e concluída em 1947. Além disso, entre 1910 e 1934 os Estados Unidos ocuparam militarmente e saquearam o tesouro nacional haitiano. Mantendo a sua tradição de apoiar as ditaduras na América Latina, os Estados Unidos apoiaram o então ditador François Duvalier e seu filho Jean-Claude, também conhecido como Baby Doc, através de empréstimos obtidos do Banco Mundial, do FMI e do BID, empréstimos esses utilizados principalmente para financiar esquadrões da morte como o Tonton Macoute e o Leopards.

A lamentável combinação entre o domínio político-econômico-militar americano e a invasão das instituições financeiras acabaram por demonstrar-se extremamente desastrosas para o povo haitiano. Por exemplo: a dieta do povo foi forçosamente modificada. Com o despejo de produtos subsidiados dos Estados Unidos, a produção local foi praticamente varrida do mapa. Vítima desta concorrência desleal, o Haiti acabou por se tornar um escoadouro de produtos agrícolas, aves e peixes de baixo valor comercial para os Estados Unidos. É paradigmático o que aconteceu com o porco local:

porcosO Haiti possuia 1.300.000 porcos pretos, uma variedade local que se alimentava de resíduos e de vermes e minhocas. Tirando partido de um surto de peste suína que aconteceu na República Dominicana em 1978, e o surgimento de alguns poucos casos no Haiti, os Estados Unidos espalharam o risco de uma ameaça iminente de contágio e, por meio do BID, Baby Doc foi levado a liquidar tudo a preço de banana. Milhares de famílias ficaram sem nenhuma forma de sustento. Os maiores beneficiários foram as indústrias americanas de produtos derivados de suínos. Como se não bastasse, o FMI e o Banco Mundial conseguiram uma redução de tarifas de 30% sobre as importações de arroz, facilitando ainda mais a entrada do arroz subsidiado norte-americano, o que levou ao êxodo de muitos agricultores que agora, sem trabalho, passaram a aumentar o subúrbio pobre de Porto Príncipe. Em 1970, o país era auto-suficiente na produção de arroz.

haiti-usa2Para terminar de entender a história, vamos lembrar que o Presidente Jean-Baptiste Aristide foi derrubado do poder em 29 de fevereiro de 2004 por não cumprir com a imposição do FMI para privatizar os bancos, as empresas de cimento e de telefonia. O método que se repete historicamente é bem simples: o FMI e o Banco Mundial instituíram um bloqueio da “ajuda”, que estava totalmente em sintonia com o desejo do governo George W. Bush. O economista Jeffrey Sachs, um ex-assessor das duas entidades, disse o seguinte à época: “Funcionários americanos estavam bem conscientes de que o embargo provocaria uma crise na balança de pagamentos, um forte aumento da inflação e o colapso dos padrões de vida o que, por sua vez, alimentaria a rebelião (contra Aristide). Um grupo paramilitar invadiu o Haiti e o resto é conhecido: praticamente sequestrado por forças dos Estados Unidos, Aristide foi retirado do Haiti e foi restaurado com a condição de cumprir o plano para a “reforma estrutural” do FMI, sempre maravilhosa, sempre generosa.

A História tem vários lados, mas geralmente o que nos é apresentado é aquele dos poderosos, dos que dominam os bens de produção, a riqueza e os grandes meios de comunicação. Nosso trabalho é oferecer o contraponto, um ponto de vista que insiste no uso de nossa cachola, de nossa massa cinzenta. Insistimos na formação de pensadores selvagens, que não aceitam facilmente a realidade digerida pela máquina que produz a sociedade do espetáculo e do consenso midiatizado.

Você pode fugir do desconforto, buscando informações que lhe mantenham tranquilamente sentado no seu sofá ao fim do dia de trabalho, assistindo à sua caixinha maravilhosa ou então, pode enfrentar o desconforto, digerindo-o e reconformando seus parâmetros conscientes e inconscientes, produzindo uma nova, milagrosa e libertadora realidade. A escolha é sua.

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Rafael Reinehr