A pintura e a fotografia – parte 1: Edgar Degas


Warning: array_rand(): Array is empty in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 280

Notice: Undefined index: in /home/opensador/public_html/wp-content/themes/performag/inc/helpers/views.php on line 281

Nada foi mais impactante na história da pintura do que o surgimento da fotografia. Foi o grande divisor de águas, e ainda hoje permeia o trabalho e o pensamento dos pintores.

Estive pensando na relação entre pintura e fotografia ao folhear um livro com reproduções de trabalhos de Edgar Degas. Porque Degas foi um dos primeiros artistas a fazer uso da fotografia e, ao mesmo tempo, incluí-la na problemática de sua pintura.
Degas foi um impressionista sui generis. Se formos rigorosos, nem deveríamos considerá-lo impressionista (daí minha má-vontade com classificações e definições muito rígidas: o tempo todo tropeçamos em artistas que não se enquadram nas molduras dos “movimentos” definidos pelos teóricos). Seu método era diferente, sua formação era diferente, e creio que suas intenções também eram distintas das dos impressionistas típicos, como Monet, Renoir ou Pissarro.
Estes, de modo geral, buscavam a captura de um momento fugaz; buscavam a reconstrução desse momento através de uma técnica que foi adaptada para esse fim: a pintura alla prima, aquela que é executada numa única sessão, sem os tradicionais estudos que os acadêmicos faziam, sem o desenho rigoroso que até então se praticava e sem as infinitas velaturas que fizeram a glória da pintura à óleo. O traçado preciso dissolvia-se em favor de uma construção eminentemente pictórica, em que manchas de cor e pinceladas rápidas tomavam o lugar das linhas que definiam os contornos das figuras. A velocidade era essencial para que se pudesse captar o instante de maneira mais intensa e precisa. Influenciados pelas teorias da cor de Michel-Eugène Chevreul, aboliram os tons castanhos, os marrons, e passaram a utilizar apenas as cores primárias e secundárias. E sempre, sempre trabalhar diante do motivo, no mais das vezes paisagens; evitava-se ao máximo trabalhar sob a luz artificial dos estúdios.
Já Degas trabalhava de modo completamente distinto. Era um estupendo desenhista, aluno de um aluno de Ingres; não se importava em trabalhar no atelier, e fazia pouco da pretensa sinceridade dos seus colegas. Ele próprio afirmava: “nenhuma pintura é menos natural do que a minha.” De modo pioneiro e desprovido de preconceitos, fez uso da fotografia para auxiliá-lo na composição de suas pinturas e de seus pastéis. Fazia fotos e estudava intensamente as possibilidades de composição que estas lhe sugeriam. E creio que foi o estudo da fotografia que permitiu a Degas perceber que a sensação visual é organizada num modo de pensar que é único e individual. E que a fotografia permite que se observe pequenos detalhes que de outro modo passariam despercebidos.
Voltando à questão do impacto da fotografia, os artistas dividiram-se entre apocalípticos e integrados, para tomar emprestado o termo cunhado por Umberto Eco. Os pintores acadêmicos apavoraram-se com a nova invenção, e com razão: imediatamente perceberam que ela lhes roubaria boa parte da sua clientela. Sua atitude foi, previsivelmente, reacionária, apregoando que a fotografia era uma moda passageira e, de qualquer forma, de péssimo gosto. Já os impressionistas (ou não-conformistas, como eram chamados na época) assumiram o problema e responderam com sua obra. Avaliaram que, finalmente, a pintura estava livre das funções que até então eram consideradas suas: o retrato fidedigno e o registro solene. A pintura podia, finalmente, ser apenas pintura, e mais nada.
Os impressionistas não usavam fotos para trabalhar. Degas era a exceção. Imperturbável, não se assustou com a novidade e considerou-a útil para seu trabalho. Os recortes das figuras, que continuam além dos limites da tela, demonstram o modo como a fotografia o influenciou. As personagens estão quase sempre em movimento, saindo ou entrando na tela, percorrendo grandes espaços vazios em composições enviesadas que chocaram os críticos da época. Aliás, não me lembro de nenhum trabalho de Degas em que a figura humana esteja ausente. Ele procura o gesto trivial, inconsciente: a moça que boceja enquanto passa a roupa, a bailarina que alonga os músculos cansados pelo esforço, a mulher ajeitando o chapéu diante do espelho.
A obra de Degas é mais sólida do que a dos outros impressionistas. Nisso, está mais próximo de Cézanne do que de Monet. Mas sinto que seu trabalho não é apreciado na justa medida da qualidade que possui. Degas deveria ser considerado, junto de Van Gogh, Gauguin e Cézanne, como um dos pais da arte moderna. Seria mais justo do que considerá-lo como um impressionista secundário que fica à sombra de Monet e Renoir.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.