I like America and America likes me

Beuys e Xuxa, quem diria, tem algo em comum…

Joseph Beuys foi o artista político por excelência. O mais político de todos, talvez. Incômodo até a medula. Acho curioso que um artista tão claro e intenso tenha gerado um número tão grande de seguidores (ou imitadores), todos eles muitíssimo diluídos.
Beuys tinha enorme preocupação com a pedagogia, e nisso percebo o melhor de sua vocação política. Esteve em constante atrito com as instituições, como por exemplo, na Staatliche Kunstakademie (Dusseldorf), onde foi professor de 1961 até 1972, e de onde sai porque seu projeto de admissão sem restrição fora rejeitado. Sua crítica à instituição educacional era ácida: a escola não desenvolve pessoas, ela os canaliza.
Penso na sua performance “I like America and America likes me”, de 1974. Beuys, que era um crítico contundente da guerra do Vietnã, foi convidado a realizar uma performance num galeria americana. Ao chegar ao aeroporto, envolto num cobertor de feltro, foi conduzido de maca até uma ambulância e levado até a galeria. Lá ficou trancado numa sala com um coiote selvagem durante três dias. Às vezes, como um xamã, enrolado com o cobertor e segurando um cajado. Outras, deitado sobre a palha. Ele olhava o coiote, que olhava de volta enquanto dava voltas em torno de Beuys. Às vezes, o coiote atacava o cobertor que Beuys utilizava, arrancando pedaços. Todos os dias, chegavam exemplares do Wall Street Journal, utilizados como urinol pelo coiote. Beuys abraçou o coiote antes de ir embora, e em seguida, novamente enrolado num cobertor, foi levado por uma maca até a ambulância que o levaria de volta ao aeroporto, sem ter tocado o solo americano. (pode-se ver um vídeo da performance aqui.)
Lembro de uma aula que dei, há um bom par de anos, e na qual falava dessa performance de Beuys e de seu sentido político. Uma aluna pediu prá falar e disse: mas a Xuxa também faz isso. Meio desconcertado, perguntei: como assim? E ela: ué, a Xuxa também faz política. E também performance. Ela não fica fazendo propaganda de seus produtos? Ela não fica falando que é rainha? Não fica levando um monte de artista meia-boca prá aparecer no seu programa? Isso também não é política? E não atinge um número muito maior de pessoas do que o Beuys?
Perguntei se ela gostava da Xuxa. Ela respondeu: eu ODEIO!
Nesse dia, fui prá casa muito feliz e otimista.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.