O terror é imagem


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O século XXI foi inaugurado por uma imagem. Uma performance executada para gerar uma imagem, que seria replicada até o infinito, cada vez mais encharcada de significados e emoções, o que, por sua vez, quer dizer que cada vez em que é reproduzida, ela se esvazia de significados e de emoções.

O avião que se choca contra as torres gêmeas, hoje sabemos, foi um ato planejado como imagem. Osama Bin Laden surpreendeu-se com a queda dos edifícios: a imagem dos aviões se chocando era o objetivo maior. Ele sabia que ela seria a síntese, a suma que passaria a definir o conceito de terror nos anos que se seguiriam. Evocaria o medo, acima de tudo.

Desde então, a manipulação do medo tem sido moeda corrente, utilizada por governantes do mundo todo, pouco importando a orientação política. O medo é excelente recurso quando faltam ideias e sobram interesses inconfessáveis. De certo modo, o terror venceu.

E se não houvesse imagem nenhuma? Certamente o impacto seria muito menor, mas ainda assim terrível. Não nos esqueçamos da transmissão radiofônica de “A guerra dos mundos”, em 1938. A brincadeira de Orson Welles causou pânico entre os ouvintes mais crédulos. A informação viaja na velocidade da luz desde, pelo menos, a primeira metade do século XX.

Mas a imagem, como bem sabemos, dispensa as palavras, as explicações, os comentários. Não importa a leitura que fazemos dela. Importa que fazemos uma leitura qualquer, isso é o bastante.

Vemos o avião que se choca, incontáveis vezes. Ficamos horrorizados, indignados, furiosos, amedrontados, desesperançados. Houve, e me lembro bem disso, quem comemorasse a imagem que marcaria a queda do império. Há sempre gente disposta a justificar a violência.

Na sequência dos eventos, outras imagens nos assombram: as colunas de fumaça, as chamas nos edifícios, as torres que desabam. E as pessoas. Os sobreviventes, os que fogem da avalanche de fumaça, poeira e detritos que avança como lava descendo pela encosta do vulcão. Imagem tão terrível quanto a dos aviões que se chocam nas torres é a dos sobreviventes presos nos andares superiores que saltam para a morte menos ruim.

Os que morreram, estes conhecemos posteriormente. Vemos suas fotos, ficamos sabendo um pouco da história e dos sonhos de cada um deles.

Conhecemos também os terroristas, vemos suas fotos 3 x 4, as imagens das câmeras de segurança que mostram os agentes da morte fazendo o check-in calmamente.

Melhor seria não mostrar nada disso? Impedir a propagação e a multiplicação do medo que ocorre inevitavelmente, conjuntamente ao trabalho jornalístico? Questão mal colocada: é impossível sequer imaginar uma tal contenção. Claro que Bin Laden sabia e contava com a cobertura extensa e incessante da imprensa. Sem ela, o atentado seria pouco efetivo, o terrorismo seria pouco efetivo. A propagação e a multiplicação da imagem do terror são o fundamento do terrorismo. É uma voz que, se antes era ouvida por mil pessoas, hoje ressoa para alguns bilhões de indivíduos.

Não nos esqueçamos, também que Donald Rumsfeld, um dos homens com ascendência sobre o então presidente George W. Bush, lamentou a falta de alvos, digamos, pitorescos no Afeganistão, justificando assim a ampliação da guerra para o Iraque. Os falcões de Bush necessitavam de boas imagens de morte e destruição para o seu eleitorado sedento de vingança.

Curioso é que, se somos eficazes na produção de imagens que instilam medo instantâneo e persistente nos corações das pessoas, somos bem menos eficientes em criar uma imagem contrária, uma imagem que gerasse esperança e tranquilidade instantâneas e duradouras.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.