Sete Teses Otimistas sobre o Futuro do Senado

Mensagem aos Senadores da 53ª. Legislatura

O Senado passa por uma de suas maiores crises. Os únicos que podem salvá-lo são os próprios Senadores. Aqui vão sete teses otimistas para uma importante mudança do paradigma político do Brasil.

“Então sim e não antes; então sim e não depois,
porque aquele era o tempo oportuno
e determinado de dar princípio à nossa redenção.”
Padre Antonio Vieira

“O ingrediente vital de que nós todos temos necessidade,
inclusive a política, é a esperança.”
Edgard Morin

“A função do intelectual é o exercício da lucidez."
Emmanuel Mounier


Da Série: Como Garrafas ao Mar
Série de mensagens iniciada em outubro de 2007

No exercício de um dever cidadão, fazemos chegar esta mensagem aos senadores da 53ª. Legislatura, na esperança de colaborar com o processo de recuperação do Senado, que vive hoje a maior crise da sua história. Fazemos isso porque:

(a) o Senado encontra-se ameaçado de extinção;
(b) só os senadores podem salvar o Senado;
(c) confiamos no patriotismo dos nossos senadores, no seu desejo de servir aos seus eleitores, ao povo dos seus estados e ao povo brasileiro;
(d) pensamos serem eles dignos dessa confiança;
(e) pensamos que o povo brasileiro merece que eles demonstrem isso na prática.

Parte I – AS SETE TESES OTIMISTAS

1. Vontade política, meios e fins – Se os senadores da 53ª. Legislatura quiserem realmente, poderão desempenhar um papel fundamental na elevação do nível ético da nossa vida pública, começando pelo próprio Senado, apesar da crise em que ainda se encontra.
Contudo, isso só acontecerá se eles se unirem em torno de uma pauta de ação regeneradora, uma metodologia e um calendário de trabalho — com clareza e compromisso quanto a alguns valores, princípios básicos e objetivos convergentes, politicamente viáveis ou viabilizáveis, e de curto, médio e longo prazos.

2. Recuperação possível e escalonada – A recuperação do Senado é possível e já começou com vários passos importantes a partir da licença do seu presidente. E ela pode perfeitamente (a) continuar, com uma fundamentada e justa decisão final sobre esse caso, (b) consolidar-se com urgentes e sérias medidas de aperfeiçoamento do nosso sistema político, a partir do Senado, a fim de torná-lo menos vulnerável a ilegalidades, indignidades e baixezas, e até (c) ampliar-se, com a participação estimulante dos senadores num planejado e sustentável processo supra-partidário de educação política multi-meios, em parceria com outras instituições, a fim de propiciar o surgimento de vocações políticas de tipo novo, isto é, de líderes-servidores eticamente responsáveis e bem formados para a vida pública.

3. Finalidade superior – Com isso o Senado poderá tornar-se um importante foco irradiador de reflexão e ação para o aperfeiçoamento das nossas instituições democráticas, visando apressar a solução dos graves problemas nacionais — alguns pendentes há décadas tanto da efetiva ação legislativa federal como do planejamento e implementação eficaz de políticas públicas inteligentes.

4. Meta-síntese – A meta-síntese desse esforço regenerador poderá ser a construção gradual e sustentada de uma nova cultura política — uma nova forma de fazer política em nosso país como uma atividade humanística.

5. Desenvolvimento humano – Se abraçarem essa missão, os atuais senadores poderão contribuir decisivamente para que o Brasil, num futuro próximo, se transforme num país política e humanamente desenvolvido — não apenas economicamente desenvolvido.

6. Base da transformação – Esse desenvolvimento humano pode ser o sonho inspirador, o imaginário convocante dos que receberam dos seus eleitores a incumbência de servir à Pátria no Senado da República. Tal sonho deve estar alicerçado em valores superiores e baseado numa urgente revolução educacional – como o Senador Cristovam Buarque vem propondo, com paixão e lucidez, no Senado e em suas caminhadas educacionistas pelo país afora.

7. Nos campos do possível e do patriotismo – Assim decidindo e assim fazendo, os atuais senadores tornar-se-ão co-parteiros de uma nova cultura política no Brasil. Apesar de todos os obstáculos, condições e fatores adversos, essa nova missão dos senadores está no campo do possível. E só eles próprios poderão assumi-la – muito mais no cumprimento de um dever patriótico do que por instinto de sobrevivência política.

Parte II – COMENTÁRIOS

Sobre a primeira tese – Das “excelências humanas” e das forças maléficas

Para desempenhar esse papel na elevação do nível ético da nossa vida pública, os senadores da 53ª. Legislatura precisarão mobilizar as suas “excelências humanas” — fatores intangíveis como inteligência e talento políticos, qualidades que todos eles possuem — ou não seriam senadores –, assim como visão de futuro, pensamento estratégico, valores superiores, espírito crítico e autocrítico e compromisso com o nosso povo. Articuladas e orientadas na direção transformadora, essas qualidades poderão propiciar resultados concretos e pavimentar o caminho para maiores e melhores resultados a médio e longo prazo.

Inteligência política é a aplicação da inteligência ao campo particular da atividade política. Como em tantas atividades, não basta ser “muito inteligente” para ser político, menos ainda ser um bom político, no sentido do exercício digno, honesto e proficiente de mandato ou cargo.
Talento político é a habilidade de usar a inteligência em sintonia fina com os aspectos intangíveis e sutis da vida política, principalmente no que se refere, entre outros aspectos:

(a) ao chamado “tempo político”;
(b) ao exercício do diálogo, do encontro e da convivência respeitosa entre os políticos;
(c) à sensibilidade e à intuição, de um lado, e, de outro lado,
(d) à objetividade na análise das situações e dos atores;
(e) à competência na adequação de meios e fins para o equacionamento e a solução dos conflitos de todo tipo e a obtenção dos resultados colimados, que são a essência mesma da política.

Ora, com freqüência a inteligência e o talento políticos são muito usados na busca das posições de poder, isto é, mandatos ou cargos, e subutilizados ou mesmo inteiramente inoperantes no exercício do poder, tanto no Executivo como no Legislativo.
A carreira de muitos políticos brasileiros, inclusive de alguns dos que chegaram à Presidência da República, tem sido marcada por essa contradição (entre tantos, um bom exemplo é Jânio Quadros, que renunciou à Presidência poucos meses depois da posse): muita inteligência e muito talento para se eleger, inteligência e talento baixíssimos ou nulos para exercer, honrar e dignificar os mandatos.

Isso ocorre em parte porque a inteligência política usada para chegar ao poder é em geral do tipo linear-causal-local, uma inteligência comum que todos temos. Mas a inteligência para exercer o poder com proficiência deve necessariamente ser do tipo lógico-sistêmico-multifocal, uma inteligência incomum que, no entanto, é possível desenvolver a partir da primeira – em qualquer idade e em qualquer tempo –, o que todos os grandes líderes políticos, os líderes-servidores, sabem fazer.
O fraco desempenho das lideranças e instituições políticas brasileiras ao longo da nossa História é em boa parte função, de um lado, da existência de um número ainda reduzido de líderes-servidores que “pensam e vêem grande, longe e profundo”, isto é, que desenvolvem, praticam e propagam essa inteligência incomum, e, de outro lado, de um grande número de políticos que trazem para a política um pensamento pequeno, estreito e superficial.

Portanto, para que um dia o Brasil se torne uma grande nação, no sentido do desenvolvimento político e humano, será necessário que o número de praticantes dessa inteligência política hoje pouco comum (que pode beneficiar-se da erudição, dos diplomas e do saber dos livros, mas de maneira alguma reduz-se a eles) aumente consideravelmente, tanto no sistema político como na sociedade em geral. Isso, porém, só acontecerá, antes de tudo, através da educação de qualidade para todas as nossas crianças e jovens, e em segundo lugar graças a um grande esforço de pedagogia política para o cultivo das “excelências humanas” na vida pública e na cidadania em geral.
(A propósito, deve-se aplaudir que o Senado já haja começado a caminhar nessa direção com a programação da sua TV, ao transmitir ao vivo as sessões plenárias – onde não são incomuns verdadeiras aulas de sabedoria política –, as reuniões de comissões e CPIs, e ao divulgar o pensamento e a obra dos senadores que o engrandeceram no passado.)

Por outro lado, pode-se considerar essa união supra-partidária dos senadores, a que se refere a primeira tese, de todo impossível e utópica, uma “crença tola”, um otimismo ingênuo e desinformado. É possível de fato pensar assim a partir da conduta de muitos deles. Mas não nos parece impossível que esses mesmos mudem, porque os seres humanos somos realidades mutáveis e dinâmicas: somos capazes de aprender, compreender e surpreender. Imaginemos, por exemplo, o nosso país invadido ou ameaçado de invasão: alguém duvida que, por mais desacreditada esteja uma Legislatura Senatorial, o descrito nesse parágrafo aconteceria?
Ora, a verdade é que o Brasil já está ocupado por forças tão ou mais destrutivas que as forças bélicas. São forças de desagregação moral, de aviltamento ético, de niilismo, de cinismo e escárnio de valores superiores e de normas legais imperativas para todos. Elas corroem escancaradamente as instituições políticas e a alma da nossa Pátria. O Senado foi agora perigosamente atingido por elas, como no quatriênio anterior o foram a Câmara, o Governo e diversos partidos políticos, por seus mais altos expoentes – ministros, presidentes, líderes e políticos famosos.

Intangíveis, porém mortíferas, essas forças minam a nossa coesão social, desmoralizam e desacreditam as instituições democráticas, vilipendiam a nossa História e o lado humanista e elevado da nossa herança política e cultural. Ademais, o que é gravíssimo, elas estimulam recaídas autoritárias, contra as quais não estamos de todo protegidos, e acarretam uma degenerescência cultural e social de altíssimo custo para o nosso povo.

Sobre a segunda tese – Da redenção em que poucos acreditam

A política é uma atividade humana hiper-complexa, em que os indivíduos e os coletivos de indivíduos interagem dentro de certas regras e em certos contextos, aparentemente fixos mas sempre em movimento e mudança, com margens de liberdade e de erro extremamente difíceis de controlar. O comportamento dos políticos e das instituições em que atuam não pode ser aprisionado em estruturas analíticas rígidas, nem se sujeita a previsões infalíveis e absolutamente lógicas – porque a lógica dessa atividade recusa-se ao enquadramento puramente racionalista, na medida em que a paixão, o desejo e a vontade são componentes mais importantes do que o cálculo frio e esquemático do pensamento linear.

Por isso na política a surpresa é a regra. Quem poderia prever com certa antecedência, por exemplo, para ficar apenas no caso de Presidentes da República:

(a) o suicídio de Vargas em 54 (a não ser ele próprio, que o anunciou com a célebre frase, por tantos interpretada como bravata, quando se tornava provável a segunda deposição humilhante: “Só morto sairei do Catete!”);
(b) a renúncia de Jânio em 61 (e aqui talvez nem ele mesmo a previsse) e o parlamentarismo que se lhe seguiu;
(c) a deposição de Jango sem resistência armada em 64;
(d) a ditadura militar de mais de duas décadas;
(e) a eleição e morte surpreendente de Tancredo e a presidência de Sarney em 85;
(f) a eleição de Collor em 89, inimaginável pouco tempo antes por ser um político desconhecido nacionalmente — e contra Ulysses, Brizola e Lula juntos! –, e depois o seu “impeachment” em 92;
(g) a presidência de FHC, um acadêmico de renome internacional, sem longa carreira política;
(h) a eleição e posse sem traumas de Lula, um ex-retirante, metalúrgico e líder sindical, e, finalmente,
(i) que um deputado do PCdoB, da antiga e ultra-sectária “linha albanesa” no conflito ideológico interno na esquerda brasileira há algumas décadas, seria presidente da Câmara e iria sentar-se, ainda que por um dia, na cadeira de Presidente da República?

Portanto, ainda que pareça improvável, a redenção escalonada do Senado é possível e factível, exatamente porque depende diretamente dos próprios senadores. Quem apostaria, por exemplo, que o presidente do Senado se licenciaria poucas horas depois da afirmação peremptória de que não o faria — com a metáfora do coco e do coqueiro, para gáudio dos caricaturistas e piadistas do país?
Atividade em que interagem muitíssimos fatores nem sempre dimensionáveis e claros, em que o segredo, a intriga, a mentira e o engano, o mistério, o jogo de cena e de bastidores são às vezes preponderantes, a política por isso mesmo é raramente previsível a partir de situações, comportamentos e posições anteriores, pois depende das avaliações cambiantes dos atores – sobre seu interesse próprio, o institucional, o paroquial, o regional e o nacional –; depende do seu pouco codificável cálculo pessoal e idiossincrático de probabilidades, enfim, depende das percepções e decisões de seres humanos hiper-complexos que fazem a vida política ser às vezes, e nas crises sempre, tão variável como as nuvens.

Sobre a terceira tese – Dos graves problemas nacionais

Esses problemas pendentes são as grandes questões nacionais cuja falta de solução cabal tem punido severamente o nosso povo. Fator importante disso é o arcaísmo do nosso sistema político, que raramente esteve à altura dos nossos grandes desafios como povo-nação – daí os escândalos e as crises políticas, cruentas ou não, ao longo da História, o nosso subdesenvolvimento político e a baixa qualidade de vida da maioria da população.
Pensamos, por exemplo, nas áreas há décadas abandonadas ou reformadas a meias, tratadas com políticas incompletas ou paliativas pelos poderes públicos: educação, sistema político, saúde, segurança, habitação e saneamento, direitos da criança e do adolescente, transporte e trânsito, tributação, reforma agrária, alimentação, assistência social, cultura, justiça, ciência e tecnologia etc.
Apesar de tantos e louváveis esforços de muitos, quase sempre obstaculizados pela resistência das forças nada ocultas do atraso e da incompetência gerencial em todos os níveis, a falta de inteligência sistêmica e talento políticos no tratamento dessas questões tem feito com que elas se agravem dramaticamente ano após ano. Para dar somente alguns exemplos:

1. o “empurrar com a barriga” na reforma política trouxe graves tropeços institucionais, de que são exemplos os escândalos políticos dos últimos anos, e a perda de prestígio e credibilidade da política e dos políticos em geral, do Congresso e dos partidos, ao lado do vexame de o Judiciário legislar no terreno deixado baldio pelos parlamentares, e do absurdo, tornado permanente, de o Governo usurpar sem escrúpulos a função legislativa do Congresso, através do uso abusivo das Medidas Provisórias;
2. na educação isso tem produzido secularmente, e em cascata, efeitos perversos para toda a sociedade, travando a solução dos outros problemas por falta de operadores competentes em todos os sistemas, públicos e privados;
3. na segurança pública, essa inapetência e essa incompetência do Legislativo tem contribuído para jogar o país na sarjeta da barbárie, com a tragédia da violência urbana, ficando sem resposta a fome de paz e proteção da população;
4. na área dos direitos da criança e do adolescente, com a lentíssima implantação do respectivo Estatuto, viola-se em todo o país, sistematicamente, o artigo 227 da Constituição, pois não se cumpre a absoluta prioridade constitucional para esses direitos, com conseqüências funestas nas mais diversas áreas e atividades, e, finalmente,
5. no transporte e no trânsito, provocando o chamado caos aéreo e a mortandade na terra – ao ceifar anualmente em nossas estradas e cidades milhares de vidas que, em grande maioria, seriam preservadas se houvesse inteligência sistêmica e talento político abundantes na nossa vida pública.

Sobre a quarta tese – Da mutação política

Numa nação humanamente subdesenvolvida como a nossa, não é de admirar que a política ainda esteja longe de ser uma atividade plenamente humanística. A propósito, Franklin de Oliveira, o grande jornalista e escritor maranhense, assim conceituou essa atividade há quarenta anos atrás:

“Só é atividade humanística aquela que opera no sentido de exaltar, estimular, enriquecer, fazer eclodir e ampliar as excelências do homem – as forças que guiam o homem à magnitude, que o fazem superar-se incessantemente, que levam o homem a reverenciar a vida e amá-la.” (in “Morte da Memória Nacional”, Rio de Janeiro, Fundação Rioarte, 1967, pp. 34-35)

Mediante uma ação patriótica, gradual e sustentada – o que significa não haver saídas mirabolantes, salvacionistas, messiânicas, caudilhescas nem mágicas! — alcançar a meta-síntese desse esforço de valorizar, estimular e ampliar a presença transformadora das “excelências humanas” na vida política brasileira equivale a uma verdadeira mutação política — muito mais do que uma mudança ou uma simples reforma.
Neste sentido, ou se faz a reforma política como instrumento consciente dessa mutação ou ela ficará pela metade, pois acabará favorecendo a manutenção, através de mudanças meramente cosméticas, do perverso modelo vigente de fazer política em nosso país, o qual, quando não estimula, admite todas as mazelas, todas as falcatruas, todas as omissões, todos os vexames e todas as traições aos interesses do verdadeiro soberano que é o povo – do qual todo o poder deveria emanar, e em cujo nome, e para cujo benefício, deveria ser exercido.

Sobre a quinta tese – Do poder inspirativo

Para que o Senado ajude o Brasil a sair do subdesenvolvimento humano é preciso e possível que as suas atribuições constitucionais passem a ser exercidas sob a ótica de uma missão ampliada superior, que dê nova base, novo rumo e novo sentido à sua missão precípua de legislar.
Assim, além dessa função, e como uma espécie de seu suporte intangível, o Senado passaria a exercer efetivamente — com mais consciência, clareza, eficiência, abrangência, dedicação e método –, um poder informal que só esporadicamente tem exercido até agora, salvo melhor juízo: o poder inspirativo, que nunca apodrece, por estar enraizado nas “excelências humanas” da nossa História e da História da Humanidade. É o poder de ajudar a elevar as “excelências humanas” – no próprio Senado, no Congresso, nos demais Poderes da República, no sistema político e na cidadania em geral. Isto é, o poder de contribuir para aumentar o nível de desenvolvimento humano do nosso povo.

Sobre a sexta tese – Do subdesenvolvimento ético e espiritual

Ancorado num sistema político cheio de brechas e sem mecanismos hábeis de defesa, prevenção e punição, o nosso subdesenvolvimento humano, que é principalmente ético e espiritual (distinguindo espiritualidade e religiosidade), favorece todas as ambivalências, transigências e conivências que produzem os escândalos políticos, tanto no Executivo como no Legislativo, acarretando o descrédito das instituições democráticas. Enquanto esse subdesenvolvimento existir, seremos também subdesenvolvidos políticos e teremos a sucessão dos escândalos e dos concomitantes linchamentos políticos, sempre prejudiciais à democracia, porque desorientadores da cidadania, principalmente dos jovens.

( E a “Geni” política da vez, inocente ou culpada, apenas mudará de nome e de cara, com algemas ou não nas mãos – nas capas das revistas e nas manchetes, charges e caricaturas dos jornais, nas telas da TV, nas CPIs e nas comissões de ética, nos blogs e grupos de encontro da Internet — invadindo os lares, chocando as consciências e, crime maior de todos, desorientando a juventude e afastando-a, enojada, da vida pública, em lugar de conquistá-la e educá-la para essa que deveria ser exercida como atividade humanística — por ser idealmente uma forma sagrada de serviço à pátria.)

Sobre a sétima tese – Da confiança

Quem ousa confiar arrisca-se à decepção. Contudo, pior do que a decepção é o remorso de haver sufocado na garganta palavras que, proferidas, poderiam quem sabe ter ecoado no recesso da consciência de alguns senadores e houvessem talvez contribuído para reforçar um aprendizado, ampliar uma compreensão ou estimular uma surpresa benéfica ao nosso povo. Porque há ocasiões, como esta, em que errar por excesso de confiança é melhor do que por falta.

Pode-se perguntar com razão se não seria utópico acreditar que a maioria dos senadores brasileiros esteja em condições de ajudar o Brasil a se libertar dessas forças destrutivas que o consomem como uma doença terminal. Se eles poderiam unir-se para deflagrar um movimento redentor, que comece pelo próprio Senado, contagie o sistema político e alcance toda a Nação. Olhando superficialmente, parece que a resposta a essa pergunta é não. Mas, como as aparências, as superfícies também enganam.
Com efeito, a palavra utopia serve tanto para descrever quimeras fantásticas e tresloucadas como ideais aparentemente irrealizáveis, mas que depois revelam-se ter estado sempre no domínio do possível. Exemplos? Estão na nossa própria História. Senão, vejamos.

Um “utopista” ilustre houve que sonhou um dia a nação geograficamente imensa que somos, em contraste com os muitos estilhaçados pedaços do igualmente vasto território colonizado pelos espanhóis. E a nação geograficamente grande se fez. Outros “utopistas” sonharam essa nação independente. E a Independência se fez. Outros mais sonharam-na livre da mancha vergonhosa da escravidão. E, embora tardia e pela metade (nunca devemos esquecer que a escravidão ainda não acabou neste país, e que há autoridades públicas e políticos responsáveis por isso, além dos neo-escravistas!), a Abolição se fez. Outros ainda sonharam-na republicana, não imperial. E a República se fez. Finalmente, um Presidente “utopista”, o maior de todos, depois eleito senador e arbitrariamente excluído do Senado “manu militari”, sonhou essa nação desenvolvida econômica e humanamente, e dotada de uma nova capital, erguida do nada no abandonado deserto interior, para dinamizar e catalisar o desenvolvimento material e humano do país. E a capital se fez em tempo espantosamente curto. (Infelizmente, porém, desde então o desenvolvimento material avançou, enquanto o desenvolvimento humano regrediu, por falta de bons parteiros e graças à abundância de eficientes coveiros de sonhos e do futuro. E disso é prova a forma subdesenvolvida de fazer política ainda hoje dominante entre nós.)
Por isso tudo, sem medo dos rótulos, confiamos nos senadores da 53a. Legislatura, apesar da forte onda de indignação, desesperança e desconfiança quanto ao Senado que varre o país.

Essa onda pode realmente ajudar a extingui-lo, mas isso só se os senadores não souberem construir, juntos, a “volta por cima” pessoal e institucional. Isto é, se continuarem muitos deles apegados a uma visão superada de si mesmos, da instituição e da política — se não souberem mobilizar, na hora da verdade, três qualidades poderosíssimas da inteligência política incomum: a auto-crítica, a imaginação e a audácia de mudar, inovar e surpreender. E isso eles poderão fazer, certamente, se conseguirem vencer os automatismos de pensamento, sentimento e ação, que lhes impedem superar as barreiras de divergências e ressentimentos, interesses menores e práticas de divisão sistemática, percepções e concepções desajustadas ao grande desafio.
Esses automatismos estão condenados de antemão quando o tempo é de redenção, o ingrediente vital da transformação é a esperança e o instrumento intelectual sine qua non da vitória sobre o arcaísmo, a inércia e a extinção é a lucidez.

Parte III – UMA BREVE REFLEXÃO

SOBRE A CRISE DO SENADO

“Todos saímos da sessão de ontem diminuídos!” A frase foi dita no último dia 10 de outubro no Senado. Referia-se à sessão anterior, durante a qual, segundo observou um senador, a Casa “parecia uma delegacia de polícia”. De fato, chegara-se ao fundo do poço. Não obstante, ao revelar a gravidade da crise, esse episódio mostrou também com clareza os meios para debelá-la. Paradoxalmente, abriu-se nesse momento uma perspectiva de regeneração, não apenas do Senado, mas da nossa própria vida política. Vejamos por quê.

Com efeito, muitos senadores aprenderam bastante naquela tarde. Desse aprendizado surgiram imediatamente o licenciamento do presidente sob suspeita, a indicação do Senador Jéferson Peres para relatar a terceira representação contra ele na Comissão de Ética e o retorno auspicioso dos Senadores Pedro Simon e Jarbas Vasconcelos à Comissão de Constituição e Justiça. Além disso, foi acordado pelos líderes um prazo limite para os relatórios e o julgamento em plenário, de modo que, em poucos dias mais, saberemos se esse tormentoso processo terá um final feliz, isto é, se a verdade, a justiça e a decência prevalecerão.

A crise do Senado, de que o último escândalo é apenas um grave sintoma, tem aspectos de uma agonia institucional. Não são poucos, nem têm pouco poder, os que aberta ou veladamente desejam a sua extinção. Outros acreditam exercer essa Casa um papel indispensável no nosso sistema político, que seria ainda pior sem ela. Por isso alguns desses, como nós, procuram vislumbrar algo de positivo nesse escândalo, doloroso para todos – algo assim como as dores de um parto, ou de um renascimento.

Pensamos não serem de todo infundadas essas esperanças: a História está cheia de acontecimentos improváveis que no entanto ocorreram. Neste sentido, os primeiros movimentos saneadores, além dos três indicados antes, mostram o início de uma adequada pauta consensual de emergência, devido à qual aboliu-se do Regimento da Casa a sessão secreta para cassação de mandatos e acelera-se a tramitação da PEC relativa à abolição do voto secreto nesses julgamentos.

Isso indica ser possível que, a partir de agora, o Senado se esforce para que o Congresso venha a dotar finalmente a Nação de uma reforma política digna desse nome, em vez de ficar neste campo a reboque do Judiciário. Uma reforma, aliás, que já foi amplamente estudada no Senado e cuja proposta, boa ou ruim, encontra-se há 12 anos na Câmara para ser estudada e aperfeiçoada!

Entre outros aspectos regeneradores da vida política, essa reforma precisa contemplar:

a) mecanismos eficientes de transparência para prevenir ou detectar no nascedouro, e punir severamente, os casos hoje tão freqüentes de corrupção e abuso de poder no exercício de cargos executivos e mandatos legislativos em todos os níveis, e
b) dispositivos que obriguem os partidos políticos a “filtrarem” com seriedade os candidatos a mandatos e cargos públicos, a fim de impedir que os partidos se tornem instrumentos de pessoas desqualificadas para a vida pública, interessadas apenas em usar mandatos e cargos como “gazua” para o enriquecimento ilícito e o gozo de privilégios e mordomias, como tem sido freqüente nos últimos tempos.

Portanto, o desafio histórico para a atual geração de políticos nos parece claro: reabilitar eticamente a política brasileira, começando pelo Senado (hoje o seu elo mais fraco, pois ameaçado até de extinção), para, gradual e sustentavelmente, construirmos no Brasil um novo paradigma de exercício da política como uma atividade humanística.

Quanto tempo levará esse processo ninguém pode prever. Mas é certo que esse tempo de redenção será muito menor se líderes políticos competentes ajudarem, com esperança e lucidez, a que comece o mais cedo possível.

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Deodato Rivera