Políticos demais (ii), ou Pela desprofissionalização da vida pública


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Outras considerações, instigadas por comentaristas ao ensaio anterior, acerca da obsolescência do político profissional

Quando publiquei aqui, dias atrás, Políticos demais, ou Para uma verdadeira reforma política, deixei de elaborar melhor a questão da participação da sociedade na escolha dos gestores públicos, o que acabou ensejando o acendimento de um virtuoso debate acerca da mesma, prontamente abraçado por Sizenando e Rafael Reinehr que, em seus comentários, com grande propriedade criticaram minha (ingênua, vá lá) utopia rapidamente lavrada.

 

Depois de citar minhas linhas

"Como alternativa a este modelo político vicioso, vislumbramos um outro, virtuoso, no qual a gestão do que é público caberia não mais a prepostos da confiança de políticos, mas escolhidos pela sociedade organizada dentre – mediante consenso entre as representações legítimas, respectivamente, dos agentes responsáveis (através, por exemplo, de seus conselhos e ordens de ofício) e das comunidades afetadas por cada segmento de presença estatal – dentre os mais qualificados membros dos quadros públicos",

Sizenando adverte que

“Isso significaria adaptar e atrelar a vida política à vida sindical ou organismos outros profissionais”, para, em seguida indagar “quais seriam os critérios pra definir os mais qualificados membros dos quadros públicos”.

Já Rafael reduz minhas propostas a discretas “mudancinhas” ao antever uma democracia na qual

“TODOS pudessem decidir sobre a vida coletiva a todo instante, em um supersistema que medisse os desejos e anseios da população e, a partir da contagem destes anseios, se decidisse o que é melhor para todos”.

Em atenção ao zelo de Sizenando, já esclareci respondendo a seu comentário e repito aqui que em momento algum cogitei que fosse delegada a quaisquer órgãos sindicais a responsabilidade pela designação de gestores da coisa pública. A história nos lembra insistentemente que organizações sindicais, muito mais do que representar legítimos anseios sociais, se prestam fundamentalmente, na maioria das vezes, não mais do que a reivindicar interesses específicos de categorias profissionais em rodadas de negociação trabalhista com o estado ou capitais corporativos. Desta forma, não é de todo implausível que, face a quebradeira generalizada hoje assola a grande indústria automobilística e outros setores em cascata, num futuro não muito distante os maiores sindicatos caiam em acelerada obsolescência em decorrência da extinção, em meio às novas configurações econômicas, daqueles adversários contumazes que acabaram por se tornar, em virtude da configuração de oposição sistemática assumida pelas partes, praticamente sua própria razão de existência.

Ao sonhar, anos atrás (ou foram décadas ?) com a extinção ou drástica redução de CCs como panacéia para a administração pública, tinha em mente inicialmente aquelas instâncias de regulamentação profissional, tais como certos conselhos e ordens de ofícios, notabilizados por sua virtuosa e vigilante presença na sociedade. Pensava, especificamente, em ordens de advogados e conselhos de medicina que, por congregar profissionais de instrução superior em torno de questões de real teor social tais como, por exemplo, a ética no exercício da profissão, davam plena demonstração de estarem aptos a manutenção de diálogos políticos de certa qualidade. Pensava, ainda, no exemplo das universidades federais, nas quais gestores de diversos níveis administrativos, tais como reitorias, unidades e departamentos, são designados já há bastante tempo mediante processos eleitorais com ampla participação das múltiplas categorias de vinculação institucional, tais como professores, alunos e servidores.

Representações como as acima diferem em muito daquelas de categorias de operários e outros trabalhadores braçais que, frequentemente prejudicadas por políticas públicas e outros fatores conjunturais que não lhes facultam a educação e as informações necessárias para compor visões abrangentes de mundo, discernir fatores em contextos complexos e, em conseqüência, melhor exercer o livre arbítrio. Tal é o terreno mais fértil para o sindicalismo, que se arvora a propagar em esferas progressivamentes mais amplas da vida pública – i.e., das fábricas e dos sindicatos aos poderes legislativo e executivo municipais, estaduais e federais – o discurso usurpado à maioria silenciosa que representa. Para tais categorias, educação e informação devem preceder a procura por uma forma adequada de representação.

Não estou, com isto, a afirmar que apenas categorias ocupacionais mais instruídas , informadas ou esclarecidas estariam aptas a se fazerem representar na escolhas dos gestores da coisa pública que lhes diga respeito. Igualmente, não acho que o esclarecimento garanta, por si só, qualquer imunidade ao corporaivismo. A diferença que distingue o interessado e o interesseiro é por vezes bastante sutil, tanto mais quanto maior for a magnitude dos interesses em jogo – daí a permanente necessidade da cuidadosa apreensão de todo e qualquer discurso político.

Ora, sob tais circusntâncias, é claro que qualquer mudança do paradigma de gestão da nomeação descendente de cargos de confiança das minorias governantes para a designação de seus ocupantes através da confiança ascendente da maioria daqueles diretamente afetados por seus atos deva se processar gradualmente.

Enquanto isto, devemos ressaltar a existência de, ao menos, dois importantes consensos:

o de que já exista instalada uma insatisfação generalizada da sociedade com grande parte dos políticos eleitos e daqueles sem mandato nas empossados em cargos de confiança; bem como

o de que políticos e detentores de cargos de confiança indesejáveis são socialmente tolerados apenas pelo fato de que não se tenha logrado até hoje chegar a nenhum consenso sobre qualquer forma de substituí-los e selar definitivamente sua obsolescência;

Tais fatos não implicam necessariamente que, para avançar em direção à extinção do animal político como hoje mais nos é dado a conhecer, tenhamos que retroceder a modelos legislativos antigos nos quais, tais como o estado romano, os assentos senatoriais fossem cargos honoríficos, i.e., sem remuneração. Mas pensando bem, para que serviria um político profissional exclusivamente dedicado a seu mandato após o advento da Era das Tarefas Compartilhadas ? Quem ainda duvida que as melhores idéias e realizações partem invariavelmente de indivíduos socialmente responsáveis imersos em suas ocupações, ao invés de emanarem de oportunistas de carreira habitualmente encastelados (literalmente em pelo menos um caso) na ilha da fantasia em que se tornou a capital federal ?

A simples constatação de que a revolução digital na economia (como sempre, primeiro o que é do dinheiro), no conhecimento e nas relações humanas, já não nos autorizaria a desejar e intervir para que a mesma estenda também à política, através – por que não ? – de um supersistema reinehriano de consulta e deliberação implementado como plenários virtuais frequentados por cidadãos comuns ?

É por isso que, até que sejam lançadas as bases para tal democracia, por assim dizer, do conhecimento, talvez o mais sensato e profícuo a ser feito seja confrontar insistentemente pontos de vista, mesmo aqueles aparentemente mais conflitantes com o senso comum (velha armadilha lógica sempre à espreita mesmo dos espíritos mais argutos), exercendo a divergência em busca da convergência em torno das idéias mais progressistas, posto que o melhor porvir será com certeza fruto de múltiplas sementes. É nesta índole me solidarizo incondicionalmente a meus comentaristas ao defenderem

o voto facultativo (Sizenando) e

o fim dos partidos políticos e do sistema eleitoral como hoje os conhecemos (Rafael).

A eles e a quem mais vier meu inestimável agradecimento por levarem esta conversa adiante.

* * *

No limiar de publicar este escrito, registro ainda a ocorrência, durante o tempo transcorrido entre o início e o arremate de sua feitura, de fatos e notícias curiosos de magnitude e evidência tremendamente diversas e sem nenhuma conexão aparente entre si. De um lado, é amplamente divulgada a notícia de que em breve teremos hordas de novos vereadores a ocupar assentos recentemente criados em câmaras municipais, com correspondente agravamento do custo social exorbitante (para que benefícios ?) do poder legislativo, sem que a sociedade tivesse a menor chance de opinar sobre o fato entre seu urdimento e consumação. Ao mesmo tempo, constato com alegria o discretíssimo surgimento , nos comentários ao texto que precede o atual, de uma discussão filosófica de enorme potencial dialógico entre pessoas com fome de justiça acerca do aperfeiçoamento da representação pública dos anseios sociais.

Por trás da primeira notícia, a mídia hegemônica, monológica e saturada de ultrajes banalizados aos quais nos acostumamos a reagir com impotência ou indiferença. Já nas conversas que migram, cada vez mais, de mesas de bar para comunidades discursivas virtuais, o resgate da indignação assepticamente expurgada da notícia ultrajante. Enquanto isto, sou também informado que Tarso Genro é ungido como possível candidato a governador em convenção partidária. Natural. Dá até para antever: experiência administrativa e biografia imaculada (binômio cada vez mais raro na política: por que será ?) realçados pelo marketing para usurpar nosso voto para, ao final, não mais do que instalar outra vez na máquina estatal hordas de afiliados medíocres. E assim lá se vão mais quatro (ou já seriam cinco ? – francamente, não me lembro) anos.

Dito isto, interrompo temporariamente meu discurso para ouvir outras falas, só lembrando que há muito já cai de maduro o fato de que ferramentas para a mudança sem precedentes existem disponíveis desde o advento da web. Só falta cair a ficha. Falarei disto oportunamente.

* * *

Update 21/7/09: volto a me ocupar da mesma temática em Políticos demais (iii), ou Pelo fim da propaganda eleitoral.

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Augusto Maurer