Primeiro Fragmento de uma vida cotidiana


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 (Isto aqui é uma crônica. Basta você acreditar!)

 

Observo detalhes. Existe grandiosidade nos gestos mínimos, nas sutilezas. Não cabe na palma da mão. Nem deveria caber. Talvez tentássemos colocá-lo no bolso, e o deixássemos cair, em qualquer canto sujo, do qual não lembraríamos. Olho para fora e vejo conceitos sendo redefinidos, absurdos sendo transformados em ideias, um desmoronar constante de certezas que me sufocavam. 
Todos os meus limites testados: descubro que a vida é mesmo maior que a gente. Bem maior que o futuro. 
 
Ele estava em movimento. Um desconhecido assumindo o papel de qualquer coisa que eu não conseguia ser ali completamente. A festa tinha mãos pequenas e não conseguia me segurar. A delicadeza dos gestos que se repetiam me fazia pensar que eu era parte de uma coreografia livre.
 
Gosto de “festas gay” pela liberdade expressa. Pelas gargalhadas soltas. Pelas cores carregadas dos olhos. Infelizmente, ainda na “comunidade” existem os que se intitulam “um pouquinho melhores”; preconceito dentro do preconceito que se sustenta numa crença mais que distorcida de que somos melhores porque somos bem diferentes. Mas a diferença, penso eu, é só diferença. (E o óbvio faz doer meus ossos!). Não me torna melhor ou pior. É só um detalhe que me diferencia de você. Apenas um detalhe. O singular que ainda assim me insere dentro da pluralidade. A diferença tem gosto de pôr-do-sol, de lua cheia, de neblina vinda do fim do mundo, de sorrisos tempestuosos, de abraços reconfortantes, de amizades duradouras. A singularidade (a minha, a sua) é um novo mundo. E isso não quer dizer que meu mundo seja maior que o seu.
 
Sem dúvidas, uma festa gay é recheada de pormenores. É um universo inteiro de possibilidades que não experimento em outras festas. Ok! Trata-se de um rótulo (festa gay), pois os heteros estão lá, satisfeitos. Como é apenas uma questão de nomear, e as nomeações são frutos (podres?) de conceitos, chamo festa gay aquela que te recebe sem reprovação, onde os homens se beijam, as mulheres se acarinham, e ninguém condena ninguém pela diferença, o que não aconteceria numa “festa hetero”: homem beijando homem? Em Teresina? Numa “festa para heteros”?
 
Uma festa colorida numa casa amarela. Poderia ser um pedaço do céu se eu quisesse. Mas no meu céu os homens não se criticam; os homens não passam por você fazendo de conta que seu sorriso é além-mundo, como se você fosse uma sombra que coubesse dentro dos erros ou no fundo de uma habilidade que o torna cheio de si. Também não era o inferno; embora no inferno que eu penso existir as mentiras voam descontroladas e entorpecidas pela inconsciência de homens que acreditam na sua diferença como a marca que os salva do fim do mundo, do preconceito. Apenas uma festa então, como as outras.
 
Eu estava sóbrio, com luzes fortes de uma certeza destrambelhada de que o mundo é amigável, de que os homens me receberiam como um fragmento cotidiano de uma vida sem mistérios. Ele segurava uma garrafa com líquido verde morto, com álcool provavelmente. Frases compridas numa boca desconhecida, ele se lançava equilibrado para frente, como se o futuro próspero estive no corpo, no ouvido, de outro homem. Senti uma mentira crescendo em mim, a de que eu precisava daquilo, ouvi-lo, sabê-lo inteiro, conhecê-lo. Primeiro pensei em Deus, nos detalhes que salvam, depois acreditei em mim, nas minúcias que redimem, e só depois pensei no que existia de real na minha espera. Ele estava entregue, sim, a outro. Seu nome é quase um mês do ano, de tão cheio de aparentes compromissos. E o aviso veio sóbrio: Ele já disse que está acima das belezas daqui.
 
Ele limpava o suor dos ombros com o queixo. Limpava uma, duas, três vezes. Depois mais duas. E continuava. Era um exercício de existência. Aquele homem se conhecia. E fiquei tentando aprimorar minhas sutilezas, ou minha forma de tentar entendê-lo. Poderia ser uma mania, um tique, algo bem escroto, ou apenas um breve cálculo para ser notado dentro de sua estranheza. Mas me forcei a acreditar que não seria nada bom confiar num homem que usa o queixo para se afirmar. Prefiro aqueles que usam as mãos e sabem sustentar o desamparo de qualquer sujeito. 
 
Como eu. 
 
Mas que também não sabe usar as mãos nem para preparar a própria vida.
 
Deus deve estar rindo de você, de mim. Está ouvindo? Provavelmente não. Mas se você acredita Nele, por que Ele não acreditaria em você? Digo isso baseado na ideia de que você acha incrível qualquer detalhe cotidiano que te persegue no dia-a-dia. Falo de detalhes pequenos, mínimos. Como sentir o vento sussurrar nada em seus ouvidos; então você abre um sorriso como se Deus estivesse falando algo bom para você. O que ele disse? Shhhhhhhhhhhhh! Foi isso? Isso significa o quê? Ora, e se o vento soprando mansidão no tempo, fazendo as folhas de todas as árvores ao redor gargalharem, for apenas um sopro de esperança, aquele barulho alegre que o verde das folhas sempre provoca? 
 
Você é realista? Eu também.
 
Mas o amor pra mim é maior que isso. E Deus mora dentro.
 
Do lado de fora vive o mundo inventado.
 
 
About the author

Raimundo Neto