Fundamentos By Henrique Cruz / Share 0 Tweet "Tudo são números" foi o lema, há 2600 anos, dos Pitagóricos. Hoje diríamos "tudo começa com os números". Os Pitagóricos tinham absoluta convicção que as priopriedades geométricas podiam ser todas explicadas comos números inteiros positivos. Era tudo o que precisavam. Grande foi o impacto quando descobriram que a relação entre os comprimentos da diagonal e do lado de um quadrado dava um resultado com um número infinito de algarismos. Aberta a caixa de Pandora, os números tomaram conta do "mundo" deixando no fundo da caixa a esperança de decifrá-los. Para aprender matemática é preciso conhecer o números, não apenas alguns, mas todos. Não podemnos esquecer que a álgebra é a aritmética generalizada e para conhecê-la, ela não pode ter "vazios". Números. Lidamos com eles a vida toda sem conseguir decifrá-los completamente. Só os números naturais, aqueles que aprendemos na infância a contar “pelos dedos”, é que guardam o “direito” à existência. E os outros números? São invenções ou apenas descobertas? Eterna questão que os matemáticos nunca saberão resolver! Talvez para quem for religioso a resposta esteja em Spinoza, ao afirmar na Ética: "A mente humana é parte do intelecto infinito de Deus ". Este axioma atende às duas hipóteses: é invenção da mente humana, mas sendo esta parte de Deus, é também uma descoberta! Mas deixemo-nos de divagações. Voltemos aos números. Os números naturais são os números inteiros positivos, formando um conjunto ordenado e infinito { 1, 2, 3, 4, … } . É ordenado visto que a seqüência dos números obedece a uma regra ou norma, o que nos permite não ter que escrever todos os seus elementos. Aliás, isso seria impossível, pois o conjunto é infinito. É claro que infinito não significa que seja o maior de todos os números. Na verdade, o infinito é um conceito abstrato universal e absoluto. Assim, ele é inatingível por mais que se avance nos números. Qualquer que seja o número natural escolhido, a sua “distância” ao infinito permanece sempre a mesma, ou seja, infinita. Vejamos um caso curioso como conseqüência do que acabo de dizer. Escrevam numa linha a seqüência dos números naturais 1, 2, 3, 4, … e logo abaixo, a seqüência dos números pares 2, 4, 6, 8, … de modo a formar pares de números verticalmente. O que temos nesta relação, é uma correspodência um-a-um , a cada número natural corresponde um e só um número par e vice-versa. Como os números naturais servem para contar, conclui-se que os dois conjuntos têm o mesmo número de elementos. Mas sendo os números pares um subconjunto dos números naturais, pode-se então afirmar que “a parte é igual ao todo”, o que é um paradoxo. Na verdade, a conclusão não está certa. Não podemos esquecer que estamos lidando com o infinito universal e absoluto. Em relação a ele, não há distinção entre a parte e o todo. A aritmética, como sabemos, trata dos números e de suas propriedades. Um passo importante para se definir a estrutura da matemática, foi dado por Giuseppe Peano, (1858-1932), matemático e lógico italiano. Para Peano, essa estrutura podia ser construida a partir de cinco axiomas. Inicialmente ele referiu-se apenas aos números naturais, mas na versão final do seu trabalho, introduziu o zero. Quer dizer, passou a considerar os números inteiros positivos em vez dos números naturais. Apesar de semelhantes, os números naturais e os números inteiros positivos, formam dois sistemas distintos. É claro que existe uma correspondência um-a-um entre os elementos das duas seqüências, isto é, a cada número natural corresponde um e só um número inteiro positivo e vice-versa. Como o número inteiro positivo não é mais do que o número natural com o sinal + , os dois conjuntos são similares e isomorfos. Passemos então aos axiomas de Peano : 1) O zero é um número ; 2) O sucessor de qualquer número é outro número ; 3) Não existem dois números com o mesmo sucessor ; 4) O zero não é sucessor de nenhum número ; 5) Qualquer propriedade do zero que seja também do sucessor de qualquer número, é uma propriedade de todos os números. Vamos fazer alguns comentários sobre estes axiomas. Comecemos pelo zero. É um número, mas não qualquer um, visto que não é sucessor de nenhum deles. Suponhamos que queremos construir um eixo numérico. Neste caso, o zero representa o ponto de início dos números inteiros positivos. Os Gregos da Antiguidade Clássica, os Pitagóricos neste caso, ficariam bem contentes com a minha afirmação, pois para eles a geometria estava acima de tudo. Primeiro a geometria depois os números, enquanto que agora é o contrário: primeiro os números e depois a geometria. Os Gregos desconheciam o zero e não se interessavam por números negativos. Para eles, a unidade de comprimento era aleatória e o comprimento geométrico nunca podia ser negativo. Os conceitos algébricos dessas entidades tiveram origem na Babilônia, permitindo que, mais tarde, Hindus e Gregos resolvessem adequadamente as questões matemáticas. Vejamos como “nascem” os números negativos, algebricamente é claro. A operação de adição tem uma e só uma operação inversa, a subtração. No entanto, quando lidamos com o zero e os números inteiros positivos, a subtração só pode ser efetuada se o resultado da operação for ou zero ou um número inteiro positivo, visto que os números inteiros negativos não existem. Para eliminar esta insuficiência e poder realizar a subtração com a mesma “liberdade” que se tem com a soma, é preciso expandir o sistema numérico e criar os números negativos. Para isso realizamos uma pequena “mágica” algébrica. Se tivermos a seguinte notação a – b , o sinal – representa uma simples operação de subtração. Suponhamos agora que o sinal – “gruda” no número b , isto é, é incorporado a esse número, que assim passa a ser um número inteiro negativo. Com isso, a subtração é eliminada e a operação a realizar-se é uma soma entre dois números, ( + a ) + ( – b ) , sendo um inteiro positivo e o outro inteiro negativo. O novo sistema numérico é o sistema anterior expandido, agora constituído pelo zero e pelas duas classes de números inteiros, os positivos e os negativos. Neste caso, o eixo numérico tem um ponto central, o zero, tendo para o lado direito o conjunto infinito dos números inteiros positivos e para o lado esquerdo o conjunto infinito dos números inteiros negativos. Nos números inteiros positivos, o sucessor de zero é o número 1 e a distância 0 – 1 indica a unidade de medição. Os Pitagóricos tinham “fé” inabalável que seria sempre possível, para qualquer dimensão linear, obter uma unidade de medição que dividisse essa dimensão em partes iguais. Realmente, sendo a unidade de medição de comprimento arbitrária, podendo ser aumentada ou diminuída à vontade, por que não acreditar que sempre se encontraria uma medida que dividiria um determinado comprimento, qualquer que fosse, em um certo número de parcelas iguais ? Seria uma questão de ir ajustando a pretensa unidade até conseguir acertar o seu valor múltiplo! Bem, tudo isso caiu por terra, quando os Pitagóricos resolveram medir o comprimento da hipotenusa de um triângulo retângulo isósceles, tomando como unidade o comprimento do lado contíguo, o cateto. Pelo teorema de Pitágoras, sendo 1 o cateto, a unidade de medição, a hipotenusa terá o valor da raiz quadrada de 2. Simples não? Só que esse valor era um número que não terminava nunca. Mas como é que os Pitagóricos ficaram sabendo que esse número nunca terminaria? Era infinito, logo ninguém podia garantir isso. Foi mérito de Euclides, uma “tirada” de gênio, provando irrefutavelmente que o número era mesmo infinito. O método utilizado por Euclides ficou conhecido como reductio ad absurdum , que consiste em negar a hipótese desejada, optando-se daí, como resultado, uma contradição, ou seja, uma conclusão inaceitável. Assim, se a conclusão é inaceitável, é porque a hipótese desejada é verdadeira. Vou fazer um pequeno intervalo para esclarecer o seguinte. Até agora só falei de números inteiros, mas há uma quantidade infinita de números que não são números inteiros. São os números fracionários, como por exemplo, um meio, dois terços, três oitavos e também negativos, como menos três quartos, etc., etc.. Estes números são quocientes de números inteiros, (de divisor não nulo), e são números finitos. São chamados números racionais e formam o sistema numérico resultante da expansão do sistema dos números inteiros, ao englobar a operação inversa da multiplicação, ou seja, a divisão. Dei como exemplo de número racional a fração 2/3. Algum de vocês poderá dizer: Mas como! 2/3 dá como quociente 0,6666 … Um número infinito! Você errou! Não errei, não ! Na representação decimal, um número racional ou termina e portanto é finito, ou então repete indefinidamente alguns algarismos decimais. Um exemplo deste último caso é a fração 2/3 que repete o 6 sem parar. Outro é 3/11 = 0,272727 … , outros ainda como 5/6, 1/96, 1/27, 1/74 , apresentam os respectivos períodos 3, 05, 037 e 135 e assim por diante. Se vocês experimentarem a fração 1/29 o quociente tem um ciclo de 28 dígitos. A fração 1/211 então dá um ciclo de 45 dígitos! Para escrever estes números, a notação é colocar uma barra horizontal em cima dos algarismos que se repetem, isto é, em cima dos algarismos do ciclo ou período e é só. Talvez vocês já tenham reparado que com as operações diretas da soma e da multiplicação, tudo vai bem. Mas com as operações inversas da subtração e da divisão é o oposto. A subtração obrigou a criar os números negativos e com isso o sistema dos números inteiros. Agora, a divisão. Se a relação entre dois números inteiros, for um número finito ou um número periódico, então temos o sistema dos números racionais. No entanto, se as relações derem números infinitos não periódicos, o sistema dos números racionais tem de ser expandido, abrangendo os números irracionais. Estes por sua vez, são de duas categorias, os números algébricos e os números transcendentes. Finalmente, os números racionais e os números irracionais juntos, formam o sistema dos números reais. E com isso, terminam as expansões numéricas encerrando-se o conjunto dos sistemas numéricos. Convém ressaltar que apesar de fazerem parte do mesmo sistema numérico, os números reais e os números naturais não têm uma correspondência um-a-um, pois ao contrário dos números racionais, os números reais não são contáveis, como demonstrou o matemático Georg Cantor. Para finalizar, quero explicar ainda que resumidamente, o método de Euclides sobre a raiz quadrada de 2. É claro que o método não se destina a calcular o seu valor, mas a definir a categoria do número resultante da relação entre dois números inteiros positivos. As premissas são: 1) Só existem duas categorias, os números pares e os números ímpares; 2) Só existe um número que seja, ao mesmo tempo, par e primo, o número 2; 3) A relação p/q deve ser reduzida “à expressão mais simples”, eliminando qualquer divisor comum, pois o resultado não se altera; 4) Qualquer número multiplicado por 2 é par ; 5) Se quadrado do número for par, o número também é par. Com estas premissas Euclides demonstra por contradição. Admite que a raiz quadrada de 2 é igual a p/q . Eleva a equação ao quadrado. Portanto se p ao quadrado é par, p também é par (5) . Mas se p é par então q também é par (4) . Sendo ambos pares, então a relação entre eles não está reduzida à expressão mais simples, o que contradiz a hipótese inicial adotada. Assim sendo, a raiz quadrada de dois não pode ser igual à relação de dois números inteiros positivos. Já que não pode ser nem par nem ímpar e já que não existe nenhuma outra alternativa, a raiz quadrada de 2 tem de ser um número infinito. Ponto final. Vocês poderão pensar. Que bom acabaram-se os números! Não, ainda não. Faltam os números complexos! Fica para o próximo artigo. Uma coisa eu prometo, não vou falar mais de Spinoza!