Música Orgásmica: para refletir, relaxar e gozar.

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A sexualidade (e o sexo) sempre foram um tabu. O sexo é o ato, a sexualidade é o complexo conjunto que envolve o gênero dentre outras questões. Os pais conservadores que são, jamais tocam no assunto em casa e dessa forma, os jovens acabam descobrindo tudo através das experiências do mundo. A religião sempre ajudou a tornar o sexo algo ruim. A culpa é comum quando associada a pratica, e a sombra de um Deus vingativo paira sobre os pecadores. Já outras culturas são mais tolerantes em relação ao sexo, porém a temática se dá em torno do prazer, onde apenas o homem pode desfrutar desse momento. A mulher sempre foi vista como o sexo inferior, e na esteira disso uma máquina de reprodução, prazer apenas para o sexo superior, o homem. A palavra orgasmo, é tomada na sociedade tradicional como um palavrão. Sexo também. E o tema vai do trágico ao cômico, ou como disse Aristóteles: “o incongruente leva necessariamente a comédia”. Em casa os pais se horrorizam enquanto que os jovens ao ouvir a palavra “sexo” riem automaticamente. O ser humano a cada ato demonstra mais ser extremista. Ou banaliza ou reprime. Nunca há um caminho alternativo, de autoconhecimento, onde não há uma idade certa para desfrutar dos prazeres do corpo se não aquela em que você se sinta realmente preparado. Dia desses li em algum lugar uma discussão sobre a erotização trazida pelo funk carioca. Analisando melhor a respeito, discordei do termo “erotização”, pois não enxergo ali um jogo de sedução, mas sim a banalização do sexo e da sexualidade, com requintes de promiscuidade.

 

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Logo me veio à mente na relação música x sexo, a questão do orgasmo, e Serge Gainsbourg foi o primeiro nome que lembrei. Como constatou Jim Harrington: “Gainsbourg era conhecido fora da França pelos gemidos de Birkin em “Je T´Aime Moi Non Plus”, ou seja, a explicitude dos bastidores de uma relação sexual penetrou via música pop aos lares puritanos do mundo todo[1]. Nesse aspecto, Serge Gainsbourg foi muito além do pioneirismo pélvico de Elvis ou das taras dos Rolling Stones. De fato a música protagonizada pelo casal Gainsbourg e Birkin chocou, é em termos sonoros o mesmo que o casal Marlon Brando e Maria Schneider em O Último Tango em Paris de Bernardo Bertolucci. Tudo isso só foi possível pela revolução dos costumes sexuais dos anos 60, que trouxeram o tema para o centro do debate público. Outra figura importante foi Freud na virada do século XIX para o XX, e nos anos 50 o também revolucionário Kim Kinsey e seus estudos sobre o comportamento sexual do norte-americano. E a música tem realmente uma ligação importante com o tema. A música ajuda a criar um clima favorável, que toca tanto em motéis quanto em boates, e ambas proporcionam prazer. O celebre relatório Hite, trouxe a seguinte definição sobre o orgasmo: “sensação deliciosa por todo o corpo”.[2] A música causa o mesmo. É como a definição dada por Zeca Camargo sobre a música de Isaac Hayes, “música anti-frigidez”. A música, assim como o sexo, faz o cérebro liberar substâncias como a dopamina e a serotonina, que causam sensações de prazer, sendo que no sexo, o ponto máximo desse prazer é o orgasmo o popular “gozo”. Os mais puristas também devem se esquecer do termo que as empresas utilizam quando um funcionário sai de férias, disse-se, “fulano vai gozar férias”. É o mesmo sentido. 

 

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Porém se Birkin e Gainsbourg fizeram questão de demonstrar prazer e satisfação, PJ Harvey fez justamente o contrário. “Você me deixa seca, acusa Polly Harvey em seu primeiro disco (…) Em Rid Of Me (…) Ela secou de mais ainda. Não esteticamente, e sim no sentido original da canção mesmo. A reclamação de Polly era contra o amante, incapaz de ativar sua produção de fluídos vaginais”.[3] Sim, foi isso mesmo que você leu. Polly Jean Harvey falava sobre o orgasmo feminino, ou como ela gostava de usar, “o gozo feminino”. A base para isso eram muitas guitarras sujas, muralhas de barulho e muitos urros e berros extasiados e insinuantes, ou não. Porém essa dificuldade talvez seja resultado dos rumos que a luta feminista tomou. O emblema disso se resume na frase da grande sexóloga Leonore Tiefer: “o orgasmo não é mais um direito, é um dever”. Daí vêm a reclamação de Polly e de muitas mulheres, que ganharam voz contra seus homens nas canções do disco Rid Of Me. Há nessas canções algo de terapia em grupo, justamente nesse sistema de espelhos que se dá quando muitas mulheres se viram nas letras da cantora inglesa, como atesta Alex Rayner: “esse é o som de Polly Jean Harvey lidando com seus demônios sexuais”.[4] A crueza do som em si não traz nenhuma sensação libidinosa ao ouvinte, mas sim traz o relato, e essa a oposição entre a música orgásmica de PJ Harvey e a de Gainsbourg, como confirma Camille Paglia: “o desejo e a excitação sexuais não podem ser plenamente traduzidos em termos verbais”, ou seja, nem só a letra e os berros de Harvey e nem apenas os gemidos de Birkin e os suspiros e o som mágico criado por Gainsboug são capazes de recriar todo o conjunto de sensações prazerosas e os processos químico-cerebrais envolvidos no ato em si.[5] Ainda sobre Rid Of Me, completa Rayner: “a música que dá título ao álbum é ácida (…), com gritos repetidos de ‘lamba minhas pernas, estou em chamas’, continuam sendo tão impressionantes e arrepiantes quanto na época”.[6] Foi de fato uma ruptura, pois se tolerava Elvis, Mick Jagger,Prince, George Michael, até Madonna não era tão chocante pois suas músicas e performances de palco eram mais teatrais do que retratos de realidade, como comprovados depois. De forma mais discreta, porém não menos contundente, têm o disco “Songs About Fucking”, literalmente “canções sobre fuder” do grupo americano Big Black. Já em uma linguagem bem mais banal, o disco já começa sugestivo logo pela capa, onde exibi um desenho de uma moça suada com expressão de força como que sendo penetrada, o que é comprovado na contracapa. Musicalmente o Big Black resume-se a barulho, não a toa, Steve Albini o líder da banda, é um dos pais do grunge e o produtor de gente como Pixies e a já citada PJ Harvey no álbum também citado. O som da banda nas palavras de Alex Antunes, “estupra ouvidos”, com “vocais que visitam as taras dos EUA”.[7] E qual é a tara dos Estados Unidos? O sexo. Kinsey já havia demonstrado isso nos anos 50 e Hite aprofundou a partir dos anos 70. O tema é tabu ainda hoje. O sexo continua preso nas convenções sociais e banalizado através do desserviço da mídia. A repressão sexual leva ao não conhecimento do corpo, ao não conhecimento do outro e a uma má visão do sexo, como conduta desviante. Sexo é vida, e o prazer não é algo proibido. É claro que não podemos ser escravos disso, pois aí com toda pressão envolvida, a coisa não flui, como dever ser (sic). O orgasmo deve ser encarado como o prêmio final de um jogo de envolvimento com o outro, onde há troca de experiências e onde a união em busca de um momento único se dá através de igualdade. O homem não pode se sobrepor a mulher [Lilith] no sentido amplo da sobreposição, devem ser iguais, numa via de mão dupla – dar e receber prazer. Quando citei acima Isaac Hayes, lembrei-me também dos climas criados por Marvin Gaye e de como ele também se enveredou por áreas erógenas da música – Sade idem. Sensualidade transbordava de sua música, assim como na de Barry White também, assim como em boa parte da musicalidade negra – do blues ao soul, passando pelo funk, pela disco e até pela degeneração do rap e do R&B.

 

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E é nesse mesmo ensejo, que Mick Jagger explorou o sexo nas canções dos Stones. É só perceber pela capa polêmica do disco “Sticky Fingers”, onde claramente vê-se um homem excitado com seu membro duro. Isso é um sinal claro das intenções stoneanas, Luciana Gimenez, Marianne Faithfull e Pamela Des Barres sabem bem disso. E não mais apropriadamente, uma banda com o nome Come[8], resolveu dar sua versão dos fatos: “é ouvindo ‘I´ve Got The Blues’, que se dissipam quaisquer dúvidas quanto a natureza desse atormentado gozo”.[9] O orgasmo do Come é mais lento, arrastado, de longa duração. Pois o som da banda não é dos mais digeríveis, mas de qualquer maneira, eles também abordam a temática. A grande questão se dá pela maneira como se encara o sexo e a chegada ao orgasmo. É tudo um processo natural, e não deve nem ser encarado como obrigação e nem como desvio de caráter, como já ouvi. A vida deve ser aproveitada de maneira plena, e uma das melhores coisas que existem no mundo e que nos dão prazer é o sexo, portanto a maximização do prazer e da felicidade [Epicuro], não pode ser vista de uma maneira negativa [hedonismo], logo o orgasmo deve ser encarado como a cereja do bolo, como o ápice, como o êxtase da festa – pergunte a Baco e você saberá a resposta.

 

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[1] HARRINGTON, Jim. Serge Gainsbourg – Histoire De Melody Nelson. In: DIMERY, Robert. 1001 Discos para ouvir antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. p. 242.

[2] HITE, Shere. O Relatório Hite sobre sexualidade masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 594.

[3] FORASTIERI, André. Hormônio Puro. Showbizz, n. 6, p. 54, junho. 1995.

[4] RAYNER, Alex. PJ Harvey – Rid Of Me. In: DIMERY, Robert. 1001 Discos para ouvir antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. p. 715.

[5] PAGLIA, Camille. Sexo, arte e cultura americana. São Paulo: Cia. Das Letras, 1993. p. 63

[6] RAYNER, Alex. Ibidem.

[7] ANTUNES, Alex. Big Black – zoeira a todo volume. Showbizz. São Paulo, n. 4, p. 65, abril. 1993.

[8] “Gozo” em inglês.

[9] COUTO DUARTE, Arthur G. Gozo Violento. Showbizz. São Paulo, n. 6, p. 55, junho. 1995.

 

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10 músicas para fazer sexo [ou amor] e gozar, ou não! [rs] As músicas não seguem uma orde de importância e muito menos de eficácia. Outra coisa, caso você coloque essas músicas para tocar em seu encontro amoroso e nada acontecer só temos três hipóteses: 1. Ela é frigida. 2. Você é frouxo. 3. As duas anteriores.

 

1.Blur – Song 2

2.Maroon 5 – This Love

3.Bjork – Arm of Me

4.Sade – No Ordinary Love

5.Marvin Gaye – Sexual Healing

6.Nine Inch Nails – Closer

7.George Michael – Careless Whisper

8.Beatles – Within You Without You

9.Bryan Ferry – Slave To Love

10.Chris Isaak – Wicked Game

 

 

 

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About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.