vértebra quarta: os cheiros


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 “a própria palavra erótico vem do grego eros, a personificação do amor em todos seus aspectos – nascido do caos, e personificando o poder criativo e a harmonia.”

(audre lorde)

os cheiros de suas curvas me tonteiam. embriagam-me no torpor do encantamento seduzindo os dedos que se arrastam em sua pele à procura de fendas… convidam a ir mais fundo, na busca de prazeres e na descoberta de desejos incrustados nos abismos das mucosas, dos buracos, dos pêlos arrepiados e das contrações excitadas. seus cheiros me acolhem, como um afago. você transpira e me inspira, sorve-me para dentro do seu corpo e, no ritmo acelerado de nossas pulsações, torna-me – dentro de você – todo seu. os cheiros têm disso, são da ordem da mistura, da contaminação, da ruptura de barreiras que paredes ou peles impõem. rompem também o tempo, já que os cheiros se inervam nos lençóis, nas roupas e na memória. qualquer lembrança sua já vem infestada de odores. seus cheiros são a permanência dos nossos gozos em mim.
 
não acho que foi à toa que o criador da tese da bissexualidade originária, adotada por freud e fundamental para a concepção da libido pela psicanálise, tenha sido justamente um otorrino amigo seu, o médico alemão wihelm fliess (1858-1929). o especialista em narizes talvez tenha percebido o óbvio: o olfato é o mais perverso dos sentidos. é movido por lógicas de atração que não cabem em determinações unívocas de ter que desejar um outro ou outro sexo. gosta mais da multiplicidade, das nuances entre notas num acorde de uma fragrância e das conexões singulares que um aroma estabelece na memória. 
 
também não é em vão a sábia arte da perfumaria, talvez umas das mais eróticas artes, utilize a linguagem da música para se referir as fragrâncias, essas são acordes compostas pela conexões de notas. afinal, os cheiros são a música dos corpos, música profundamente singular que, como quem convida para uma dança, atiça, seduz, provoca…
 
é nessa cantiga de sedução que seu cheiro me alcança sorrateiro num desejo cheio de saudade. começa com notas de artemísia, bergamota, menta e cardamomo que emanam rapidamente do seu corpo se misturando ao aroma da sua respiração que de leve tateia e acaricia minha face. eu transpiro e te inspiro… gosto do cheiro da sua saliva e de como ele se mistura ao odor da minha e como ao esmiuçar seu corpo, cada vez mais molhado, meu corpo vai sendo encantado pela mistura de lavanda, canela, cominho e flor de laranjeira com o seu suor. e quando minha boca se entorpece ao beijar suas peles mais finas, seus detalhes mais secretos, seus perfumes mais próprios nas mais belas entranhas, os cheiros que exalam dos seus gozos, entoando gemidos em cantigas de prazer, misturam-se a notas de sândalo, baunilha, cedro e âmbar. sinto seu cheiro em minha boca, tenho você misturado a minha saliva, você pulsa em toda extensão da minha pele…
 
eu te respiro e nossa mistura perfuma nosso encontro…
 
a quarta vértebra vem repleta de cheiros
 
 a poesia de hoje é da portuguesa vera sousa silva 
 
Invades-me a alma
Num beijo molhado
Que me aquece o corpo
E me leva à entrega absoluta.
 
Já não sei quem sou…
 
Perco-me nas partículas
Que te cobrem, envolvem,
E abarco-te com volúpia
No íntimo de mim.
 
Já não sei onde estou…
 
Em ondas uníssonas e ritmadas,
Entre gritos e gemidos,
Salivamos torrentes de amor
Que se quedam eternas.
 
Já não sei de mim…
 
O colapso final surge
Entre ejaculações e contracções
E palavras de amor
No declínio da tensão.
 
Já não somos dois…
 
(“voluptuosidade”, vera sousa silva)
 
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(fe)lipe areda