O Brasil completou um ciclo, e vive novos desafios: quem vai encarar?


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Acabamos de dar posse a uma presidenta, fato que encerrou um ciclo de 122 anos de República em que só os homens podiam exercer o mando.

Sintomático que tenhamos feito isso depois de ter cumprido mandato um torneiro mecânico, que também encerrou um ciclo em que as posições de mando estavam destinadas aos bem-nascidos, aos proprietários, aos homens educados para liderar uma nação de agregados e clientes políticos.

A mulher que tomou posse também foi, alguns anos atrás, uma jovem ativista política. Que exatamente por seu ativismo político foi presa e torturada. Ela chega à presidência como mostra de que encerramos um longo ciclo político em que reivindicações populares eram tratadas como crime de lesa-pátria.

Governos que respeitam os movimentos populares e as regras democráticas são novidade no Brasil. E neste sentido, é sintomático que nossa presidenta tenha assumido mandato depois de terem passado pela presidência dois homens que construiram sua história política lutando contra o regime militar. Primeiro um sociólogo e professor universitário, que foi afastado de sua função por ser considerado subversivo, e teve de sair do país. Depois um operário que passou a vida em greves contra a política de arrocho salarial que fazia do Brasil o paraíso das multi-nacionais. Agora uma estudande de classe média que interrompeu os estudos por que foi jogada na “clandestinidade”, de onde saiu para fazer dos sonhos de sua militância juvenil uma nova realidade para o país.

A nova realidade se consolidou nos últimos anos.

O Brasil consolidou instituições democráticas, eleições e partidos políticos ganharam uma estabilidade nunca vista na nossa história. Vale lembrar que Lula foi o primeiro presidente na história do país que cumpriu o mandato para o qual foi legitimamente eleito e transferiu o cargo para um sucessor também legitimamente eleito.

O Brasil derrotou a inflação legada pela desastrada administração econômica dos governos militares.

O Brasil colocou todas as crianças de 7 a 14 anos na escola: fizemos isso no fim do século XX, quase 200 anos depois de países como a Suécia, e estamos sofrendo as conseqüencias dessa universalização muito tardia.

Sobretudo, chamam à atenção os dados econômicos do governo Lula, analisados em profundidade pelo sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos na revista Carta Capital de 19 de janeiro: o Brasil começou um novo ciclo de crescimento do PIB, especialmente do PIB per capita, gerando empregos formais (protegidos pelos direitos trabalhistas e previdenciários), aumentando o salário (especialmente o mínimo) e com inflação sob controle, e juros em queda.

Aliás, chama também a atenção que o bom momento coincida com uma das piores crises dos países centrais do capitalismo.

Mas não tenhamos ilusões. Estamos melhorando muito, mas só podemos dizer que estamos bem se compararmos com nosso passado. Ele é tão tenebroso que podemos nos acomodar, pensando que já fizemos grande coisa.

Não fizemos não. Precisamos fazer muito mais. E eu quero propor aqui uma lista de coisas:

(1) A taxa de desemprego abaixo dos 6% aponta para um pleno emprego – mas ainda precisamos melhorar muito os salários e as condições de trabalho. Podemos nos comparar com a França, por exemplo, onde o salário mínimo é de 1.365 Euros para uma jornada semanal de 35 horas, e é pago a apenas 14,5% dos assalariados. À cotação de hoje, estamos comparando um salário equivalente a R$ 3.100,00 por 35 horas semanais, enquanto no Braisl estamos lutando para implantar R$ 540,00 e insistimos na jornada de 44 horas semanais.

(2) Aumentar o nível educacional da nossa população é uma demanda urgente (e o melhor caminho para conseguir salários melhores). Universalizamos o Ensino Fundamental, mas ele ainda sofre com as extremas dificuldades de se educar crianças em situação de pobreza, moradia precária e, especialmente, baixa escolaridade dos pais e baixo interesse dos mesmos pela educação dos filhos. Educação é tarefa da família, mas o corpo social não pode ficar indiferente a uma situação em que famílias que descuidam da educação de seus filhos afetam a todos que estão próximos. O desinteresse das famílias pela educação dos filhos se reflete na falta de políticas públicas e nos dois principais problemas da educação no Brasil (que afeta tanto as escolas públicas como as particulares): as más condições das escolas, tanto em instalações fisicas como em projetos pedagógicos, e a baixíssima remuneração e péssimas condições de trabalho dadas aos professores (especialmente turmas grandes demais e horas demais em sala, além da inexistência de incentivos para continuar estudando). Podemos ter como modelo de boas condições de trabalho as regras que se aplicam a professores de universidades públicas – devemos levá-las ao ensino básico e à rede privada.

(3) Melhorar as condições de uso de solo, no campo e na cidade. A terra é de todos, não pode servir apenas os interesses de poucos. O Brasil vive condições degradantes de habitação e trabalho. A maiorira da população vive em terrenos inadequados para moradia, e não tem espaço para produzir/trabalhar. Isso tem forte relação com o item (1). Para mudar essa situação, não é necessário uma grande revolução de desapropriações e reassentamentos. Basta que se aplique corretamente as leis de zoneamento e uso do solo que já existem, associado à cobrança justa dos impostos que também já existem. Também é preciso investir em estruturas de transporte que permitam que as pessoas possam viver em lugares melhores, afinal, expremer-se nos subúrbios advem da necessidade de ficar próximo do acesso ao trabalho e à educação dos filhos.

Muita coisa pode entrar aí nesta lista, ela pode ser ampliada quase ao infinito. Essas três são as que eu considero mais urgentes.

About the author

André Egg

Músico, historiador e crítico. Professor da UNESPAR. Colaborador do PPGHIS-UFPR. Organizador do livro Música, cultura e sociedade. Página pessoal em http://andreegg.org