50 anos de 2001: Uma Odisseia no Espaço


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Imagine-se a sequência da Alvorada do Homem com a seguinte narração em off: “Eles eram filhos da floresta – coletores de sementes, frutos e bagas. Mas a floresta estava morrendo, derrotada por séculos de seca, e eles estavam morrendo com ela. Nesse novo mundo de planícies abertas e arbustos atrofiados, a busca por alimento era uma batalha infinita, sem possibilidade de vitória”.

Ou, no lugar da música de Ligetti e Strauss (os dois, Johann e Richard), Beatles. Um minidocumentário com vários cientistas falando sobre o universo, aliens e inteligência artificial servindo de prólogo. E um ET de seis metros de altura carregando o astronauta Dave Bowman na palma da mão, conduzindo-o pelo portal estelar.

Essas eram algumas das possibilidades aventadas por Stanley Kubrick para 2001: Uma Odisseia no Espaço. Difícil crer que ele as considerasse seriamente, mas ele de fato as considerou (a ideia de chamar os Beatles foi meio que uma blague).

Perdi a conta de quantas vezes já assisti a 2001. Em todos os estados de consciência possíveis. E é indiferente: sempre funciona, sempre parece novo, sempre há algo que não havia percebido antes.

Há quem o ame e há quem o odeie. Esses o consideram pretensioso, vazio, frio, desumano. A crítica de Pauline Kael foi devastadora: lixo disfarçado de arte. Tarkovsky desancou com o filme, chamando-o, entre outras coisas, de falso, estéril. Aqueles que o amam, não menos veementes, consideram um dos maiores filmes já feitos.

2001 fala através das imagens e dos sons. Torna os diálogos supérfluos. Consegue a proeza de juntar uma valsa com o acoplamento de uma nave numa estação espacial, e fazer isso parecer a coisa mais natural do mundo. Noutra sequência, transforma o som da respiração no condutor da ação dramática, com toda a carga simbólica que pode haver nisso. Num momento chave, quando o computador assassina o astronauta, entretanto, só há silêncio.

A frieza é proposital, e não foram poucos que destacaram que a personagem mais humana do filme é HAL, o computador que enlouquece (ou não). Essa é uma crítica comum que se faz aos filmes de Kubrick. Discordo: penso que há um elemento romântico e espiritualista (no pior dos sentidos) nessa análise, que não tolera muito bem ver o homo sapiens sapiens retratado em sua miserável crueza. Kubrick é cético e pessimista, e claro que em seus filmes não temos nunca uma visão edulcorada do ser humano: isso é coisa de militantes, não de artistas.

É curioso notar que tudo nesse filme é analógico, não há nenhuma modificação ou interferência de natureza digital. É puro ilusionismo. Puro artifício.

Já no título, Kubrick ecoa Homero. A Odisseia é um nostos, uma narrativa de um retorno. Ulisses, ou Odisseu, que retorna para casa depois de 20 anos. Em 2001, é Dave Bowman quem retorna para as estrelas depois de uma travessia de quatro milhões de anos. A Alvorada do Homem inicia-se com um assassinato. A sequência Júpiter e Além do Infinito inicia-se após outro assassinato (Bowman desliga HAL). Quando Odisseus retorna para Ítaca, há a sequência do assassinato dos pretendentes de Penélope. O assassinato é nosso ato primordial, aquele que nos funda. Não se pode dizer que essa é uma visão otimista sobre o ser humano.

2001 faz cinquenta anos em 2018. Não envelheceu e continua sendo um dos maiores momentos do cinema.

(as informações utilizadas aqui foram retiradas dos livros Entrevistas com Kubrick, de Michael Ciment, The Stanley Kubrick Archives, organizado por Alison Castle, e do recém lançado 2001: Uma odisseia no espaço, de Michael Benson)

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.