Simão Bacamarte que nos decifre


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Simão Bacamarte que nos decifre. E que nos interne, afinal.

Difícil fazer a leitura dos fatos que se sucedem em Pindorama. Todos falam, vociferam, definem, concluem e solucionam os nossos impasses e problemas com a certeza de matemáticos. De minha parte, exponho-me ignorante e alienado diante de tantos sábios que se inclinam à direita ou à esquerda, tão certos sobre os rumos que o país, a nação, a pátria, a mátria deve seguir.

Foi curioso perceber a confusão semântica e semiológica que se seguiu aos acontecimentos (a Greve) dos últimos dias. Amigos de esquerda que haviam saudado a greve com o entusiasmo de quem saúda a mandioca foram murchando aos poucos, ao perceber que os trabalhadores que apoiavam estavam mais afinados com as ideias do Bolsonaro e do defunto Costa e Silva do que com Marx e Gramsci. Os coleguinhas de direita, esses são impagáveis e insuperáveis na falta de nexo, de coerência, de sentido, de compreensão da realidade que os cerca.

Significados invertidos, signos trocados, pós-verdades, fake news, fatos alternativos, realidades paralelas. Com o perdão do oximoro, relativismo absoluto. E muito cansaço.

Passamos de uma sociedade disciplinar (Foucault), negativa, feita de proibições e restrições, para a sociedade de desempenho, afirmativa, muito bem definida pelo “Yes, we can”, de Barack Obama. Como deixa claro o filósofo coreano Byung-Chul Han, a “positividade do poder é bem mais eficiente do que a negatividade do dever” para “maximizar a produção”. Nos submetemos alegremente às exigências do mundo corporativo sob o pressuposto de que o fazemos voluntariamente. Como resultado, ainda segundo Byung-Chul Han, frustração e depressão: “O cansaço de fazer e de poder. A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sobre o excesso de positividade. Reflete aquela sociedade que está em guerra consigo mesma.” (Byung-Chul Han, Sociedade do Cansaço, Editora Vozes)

Suponho que Byung-Chul Han jamais tenha pensado na sociedade brasileira, mas seu diagnóstico nos serve muito bem. Mais do que coxinhas e mortadelas, talvez nossa maior divisão se dê entre frustrados e deprimidos, e todos massacrados, não pelo Sistema, não pela Corporação ou o pelo Estado, não pelo Mercado ou pela Igreja, mas por si próprios, por deveres auto-impostos e por cobranças desmedidas. Frustrados e deprimidos, guerreamos contra nós mesmos até a exaustão. Estamos divididos até o um. Meio que parafraseando a Rede Globo (golpista pros barbudinhos, comunista pros batedores de panela), somos duzentos milhões de uns, divididos, enfraquecidos, cansados e enlouquecidos.

Simão Bacamarte que nos decifre. Porque isso aqui é um hospício.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.