Lovecraft! (I)

Conheci H. P. Lovecraft quando tinha 15 anos, em 1986. Lembro que um amigo comprou o livro publicado pela Martins Fontes, A Casa das Bruxas, e eu tirava sarro da cara dele por causa da capa e do nome ridículos que o livro que ele comprara ostentava. Passou um tempo e li um artigo no jornal que falava desse Lovecraft (acho que o autor do texto era Fausto Cunha). Me liguei que era o autor do livro de nome e capa ridículos. Peguei emprestado, li e fiquei fissurado no tal Lovecraft. Tornou-se o autor predileto da minha adolescência. Não devolvi o livro: troquei por um disco de vinil com o meu amigo, acho.

O conto que me capturou foi Nas Montanhas da Loucura. Fiquei assustado com algo que não era um demônio, nem uma alma penada, nem um palhaço assassino. Fiquei apavorado com o tempo. O tempo desmedido das coisas do universo, sua apavorante escala medida em milhões e bilhões, tão diferente da nossa escala habitual, medida nas dezenas. Estava sendo apresentado ao cosmicismo de Lovecraft.

Mesmo considerando-o, à época, meu autor favorito, eu ficava incomodado com algumas coisas: achava os narradores dos seus contos todos muito parecidos, e eles eram um tanto quanto burros. Demoravam demais até entenderem o que estava acontecendo. As personagens, quando se lembravam de acontecimentos há muito passados, lembravam de tudo nos mínimos detalhes. Não colava, parecia falso. Havia muito de comportamento convencional também, com as personagens falando e agindo como tipos definidos pela classe social.

O crítico literário Edmund Wilson emitiu, em 1945 num artigo da revista New Yorker, um veredito que parecia definitivo:

Um dos piores defeitos de Lovecraft é seu incessante esforço de incrementar a expectativa salpicando suas histórias com termos como “horrendo”, “terrível”, “assustador”, “incrível”, “sinistro”, “estranho”, “proibido”, “profano”, “blasfemo” e “infernal”. Claro que uma das regras primárias para se escrever um conto de horror eficaz é nunca usar nenhuma dessas palavras – especialmente se, no final, você produzir um polvo sibilante invisível.

Apesar de agudo e preciso, o ataque de Wilson não foi mortal como parecia.

Os contos de Lovecraft sobreviveram. E autores insuspeitos trataram deles, de um jeito ou de outro. Borges tinha uma relação curiosa com a obra do escritor de Providence. Considerava-a uma paródia dos contos de Poe, ainda mais defeituosa. Isso não o impediu de escrever um conto lovecraftiano legítimo, até no nome: There are more things, que, além disso, é dedicado à sua memória. O escritor francês Michel Hoellenbecq escreveu um longo ensaio sobre ele: Lovecraft – against the world, against life.

Citei autores que não fazem parte do círculo de cultuadores de H. P. Lovecraft. Outros tantos continuaram a expandir o universo por ele criado. O que, por sinal, continua a ocorrer ainda hoje, veja-se, por exemplo, uma das minisséries recentes de Alan Moore, Providence.

O fato é que, de alguma forma, o conservador (e racista) Lovecraft, que em vida jamais publicou um único livro (seus contos eram publicados em revistas baratas, a famigerada pulp fiction), tornou-se um autor conhecido no mundo todo, com direito a dezenas de edições críticas e de estudos acadêmicos dedicados à sua obra. Além de ter se tornado um ícone pop.

(continua)

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.