Microblog ou superchat ?, ou Tivesse Bakhtin, pai do Twitter, vivido para conhecê-lo


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Anotações de um marinheiro de primeira viagem a bordo do superchat

Anos atrás, no auge da febre do Orkut, a ele me fiz convidar por pura curiosidade. Uma vez lá, olhei ao redor e nunca mais voltei. Dias atrás, poucas semanas depois de ouvir falar pela primeira do Twitter, nele criei uma conta no intuito único de capturar, para Astrid, salsas (músicas, não molhos) disponibilizadas diariamente por um professor de dança de salão, conforme soubera pelo blog do Ulisses.

 

Fossem outros os tempos, meu interesse pela novidade do microblog – ao qual prefiro me referir como superchat – teria imediatamente se dissipado uma vez obtidos os downloads que me levaram até ali. Surpreendi-me, ao contrário, a timidamente explorar o ambiente. De início, me pus a rastrear e seguir, dentre meu círculo pessoal de fontes interessantes e confiáveis, aquelas que já se encontravam na rede e, mais adiante, alguns terceiros interessantes dentre aqueles seguidos por meu círculo mais próximo. Assim procedendo, logo me vi seguindo algumas dezenas de falantes – termo bakhtiniano, designante de sujeitos por trás dos enunciados que se constituem em unidades da comunicação discursiva, bem pertinente ao Twitter enquanto objeto de estudo, posto que o mesmo acolhe, sob um estatuto comum, tanto indivíduos como coletivos.

 

Não tendo, todavia, encontrando, em minha navegação inicial, muitos dos que gostaria de seguir no Twitter, lhes enviei, de pronto, uma “circular” informando de minha recente adesão ao novo… – brinquedo ? ferramenta ? (provavelmente os dois) – e lhes pedindo indicações de outras fontes interessantes a serem seguidas. Apenas dois (compositores, curiosamente), dos dez a quem enviei a mensagem, responderam declarando-se indiferentes à novidade. Enquanto isto, poucas horas depois de minha estréia como seguidor e ainda sem ter enviado uma única mensagem, vários daqueles a quem seguia – fato curioso – começaram a me seguir reciprocamente, alguns dos quais sem ter provavelmente a menor idéia de quem eu fosse. Com tal reciprocidade, já se delineia uma certa ética do Twitter.

 

Após dias só na escuta, perguntei a meu único e fiel seguidor até aquele momento – meu amigo Arthur de Faria, não por menos o primeiro a trazer o Twitter a meu conhecimento – para que serviria, afinal, a nova ferramenta. Antes, porém, que ele pudesse responder a minha indagação (que hoje se me afigura como meramente retórica), outro amigo, Rafael Reinehr, editor do OPS!, que recém me adicionara reciprocamente, sugeriu que eu fizesse uma busca por um assunto que me interesse e navegasse pelas pessoas que twitaram sobre ele. Assim procedendo, logo aprendi que podia muito melhor e mais facilmente configurar meu Twitter a partir de fontes notabilizadas por um discurso inteligente do que, propriamente, orientando a prospecção por meio de categorias temáticas.

 

* * *

 

A distinção mais evidente aplicável aos enunciados que pipocam no Twitter diz respeito a seu enquadramento em uma de duas categorias, antagônicas mas não mutuamente excludentes entre si, a saber,

 

casuais, i.e., que não comunicam nada cujo interesse ultrapasse o restrito domínio íntimo e pessoal do sujeito enunciador. Nesta categoria se incluem frequentes e abundantes enunciados fechados em si próprios sobre hábitos cotidianos, usualmente associados à alimentação, saúde, sono, clima, higiene e outros dizentes da corporalidade individual. Tais proferimentos não almejam pertencer a qualquer cadeia discursiva mais articulada, pretendendo, quando muito, a um reforço de presença virtual ou, talvez, forma de representação artística do próprio cotidiano – tal qual gigantesco Big Brother universalmente configurável, i.e., possibilitando a cada usuário uma mixagem (ordenação) exclusiva da imensidão de canais coexistentes na nuvem enunciativa. Sob tal prisma, uma das principais virtudes do Twitter sobre o Big Brother seria a subjetivação, como no primeiro, primordialmente mediante a autoria ao invés de, como no segundo, predominantemente pela imagem. O imenso abismo existente entre a qualidade do discurso produzido nos dois meios decorre diretamente da distinção acima. Senão, que interesse poderia haver apenas no áudio do que acontece num eminentemente visual reality show ?; e

 

consistentes, i.e., referem-se a idéias que ultrapassam o âmbito da corporalidade imediata de seus enunciadores. Pertencem a esta categoria desde enunciações fechadas, circunscritas à própria mensagem, tais como piadas, aforismos, poemas curtos, notícias, solicitações ou mesmo xingamentos; até referências a unidades discursivas mais complexas, incompatíveis à dimensão dos enunciados do Twitter, publicadas em outras esferas virtuais.

 

Identificados os modos acima de uso do Twitter, não se quer, aqui, atribuir a este ou aquele qualquer caráter virtuoso ou vicioso, já que a ordem íntima ou pública de qualquer mensagem depende, essencialmente, da natureza da relação estabelecida entre cada usuário com seus seguidores. É, no entanto, nesta dualidade funcional que se constitui outra chave para o entendimento do enorme alcance do Twitter. Noutras palavras, ao acolher tanto o discurso íntimo quanto o científico-acadêmico, o Twitter aproxima os dois modos de discurso, o público e o privado, tornando, ao mesmo tempo, os relacionamentos pessoais mais, de certo modo, filosóficos e, reciprocamente, os diálogos de cunho acadêmico-científicos mais informais. A propósito: alguns dos melhores perfis que sigo são de pensadores contemporâneos.

 

Como bola da vez na web – mais, talvez, do que a morte de Michael Jackson – o Twitter tem ensejado a observadores mais atentos da mídia inevitáveis comparações com outras redes sociais de crescimento viral tais como Orkut, blogs, Youtube, MySpace, Facebook e afins. Não é, pois, cedo demais, assim como nunca será demasiado tarde, para se especular sobre sua expansão, hegemonia e longevidade, em exercícios análogos, por exemplo, aos de profetas de plantão acerca da morte do CD (que, aliás, vai muito bem, obrigado – o que já é, todavia, pano para outra manga) ou, bem mais em voga, do jornalismo.

 

Sem, todavia, jamais ter adentrado o Facebook e não mais do que um novato no ambiente do YouTube, sou, deste modo, praticamente forçado a comparar o superchat com o ligeiramente mais familiar, apenas de ouvir dizer, Orkut. Ora, de um olhar mais demorado sobre ambos resulta a nítida impressão da essência eminentemente imagística do último, tal qual álbum digital de gadgets e souvenirs, a determinar o perfil de cada usuário principalmente por meio de valores agregados a objetos (imagens, músicas, mitos) padronizados de domínio tribal. Hoje (que diria John Coltrane !), meu Orkut são My Favorite Things, vinculando perfis por afinidades, mais ou menos como por meio de coleções de figurinhas como as pelas quais meu filho de 8 anos já perdeu qualquer interesse.

 

O aspecto, todavia, mais inovador e, ao mesmo tempo, progressita do Twitter é justamente a tirânica imperiosidade da fragmentação do discurso em enunciados de apenas 140 caracteres que comportam, na maioria das vezes, não mais do que premissas avulsas, quando muito um silogismo ou, com alguma licença poética, raramente um pensamento complexo. Ora, sob tal estatuto de concisão quase lacônica se instaura uma interatividade compulsória de intensidade sem precedentes, por exemplo, em blogs ou sites de opinião, nos quais o potencial dialógico é mais comumente inibido ou, por vezes, neutralizado, conforme a maior ou menor verbosidade de cada enunciador primário.

 

Tal predominância, imposta e sem precedentes em qualquer mídia, de enunciações compactas sobre as mais prolixas, faculta a usuários do superchat leituras instantâneas, panorâmicas e simultâneas de extratos configuráveis atualizados de amplas e inúmeras cadeias discursivas, permitindo, com isto, a integração de discursos afins dispersos nas bolhas de discussão que habitam comunidades estanques entre si.

 

Cabe, finalmente, outra distinção, relativa à natureza pública ou privada, desta vez não dos enunciados, mas do perfil dos próprios enunciadores no Twitter. Ao visualizá-los, me acostumei a relacioná-la à proporção entre os números de seguidores e o dos que são seguidos por cada um.

 

Tem-se, assim, do lado mais público da escala, celebridades, instituições, editorias, autores consagrados e toda sorte de portais de informação ou opinião que ostentam um número de seguidores muito superior ao das fontes que seguem; enquanto, no outro extremo, ficam os que seguem mais fontes do que o número de seus seguidores. Tal coeficiente de “popularidade” no Twitter está muitas vezes associado, de modo diretamente proporcional, à freqüência enunciativa de cada perfil.

 

Segue, então, que uma hipótese digna de verificação seria se perfis mais equilibrados quanto ao número de seguidos e seguidores (i.e., na medida em que tal coeficiente se aproxime da unidade) não se constituiriam em terreno mais favorável a dispersão ideológica – mais propenso, portanto, à instauração de um dialogismo mais intenso, conforme formulado por Bakhtin. Curiosamente, é justo na categoria de usuários mais balanceados (seguidores~= seguidos) que se situa a maioria dos blogueiros que sigo, quase sempre bons editores de informação & opinião, a corroborar a posição de vantagem desfrutada pela blogosfera em relação a outras mídias no que tange à geração e à circulação de conhecimento.

 

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Update: torno a refletir sobre a natureza do Twitter em Microblog ou Superchat ? (ii), ou Para ler no fluxo do Twitter.

 

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Augusto Maurer