“Se eu não sou eu, quem eu sou?”


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A palavra é o meu domínio sobre o mundo.”(Clarice Lispector)

No final de semana, assisti ao filme “Vingador do Futuro (2012)” e encontrei um protagonista que procura o sentido da vida por meio de uma realidade alternativa. Foge da rotina insignificante. Legitima-se no sentido oculto das coisas. Desembarca dentro de si em uma linha distorcida entre a fantasia e realidade. Luta com as ilusões que foram criadas apenas para abrandar a sua memória real. Passa de vilão a mocinho. Procura, enfim, memórias reais na possibilidade de um herói que busca a sua identidade.

Naquele momento de contato com o herói do século XXI, pensei no Super Man que no século XX se escondia em uma identidade falsa. Todavia, lembrei que nunca se percebeu uma manipulação mecânica de palavras na vida real de Super Man. No contraponto, havia no novo herói uma realidade virtual ou o desafogar de frustação de uma vida sem sentido. Fortalecia o empoderamento do significado das palavras ao manipular a realidade.

Independente da reflexão que o longa me proporcionou, considerado uma refilmagem ruim do  clássico de ficção-científica, tenho pensando muito em fronteiras paralelas quando as pessoas as condicionam aos seus avatares nos blogs, facebooks, twitters ou mesmo emails.

Sinto que na atualidade as pessoas buscam uma nova identidade ou querem apenas eliminarem as que as caracterizam nas relações sociais. Talvez criarem um personagem de seus sonhos. Desejam ser outras, diria diferentes. Alteram o entorno para que o mundo ao redor corresponda a um cenário de beleza e prosperidade, principalmente quando não estão felizes ou não entendem o que são.

E como protótipos de tentativas de identidade, idealizam blogs ou perfis que invertem a ordem do São Jorge que mata o Dragão, para o Dragão que vira a mocinha na lua virtual. Mas aí eu me pergunto o que é fantasia? O que é a realidade quando conseguimos evoluir o sentido das palavras para uma comunicação viral? Ou quando descobrimos e convivermos em dois territórios?

Percebo que é mais fácil nos conduzirmos em uma vida virtual que permite que sejamos corajosos, autônomos, felizes, tomadores de decisão, líderes, inteligentes ou carismáticos frente à vida real quando a realidade nos desencoraja, o poder nos cala, o medo nos contagia ou reduzimo-nos de forma assimétrica à autoridade e à obediência.

Aliás, quando não queremos ser descobertos, como Clark Kent. Quando não temos espaços frente aos titãs. Seria uma interessante dicotomia. De diversas maneiras, como disse o Batman, Clark é o mais humano de nós todos. “Então… ele lança fogos dos céus, e é difícil não pensar nele como um deus”.

Sem contar que no território virtual há memes, clichês ou vazão aos comentários dissimuladores ou ofensivos. Protegem-se o exagero e as tolices. Exige-se a atenção do outro, principalmente de forma diferenciada. Há manipulação de imagem e como tal de palavras. Lembrei do dilema  do prisioneiro.

Por um lado, há sem dúvida, uma aproximação foucaultiana na bravata das nossas mensagens virtuais. Diria que mesmo quando sufocamos as palavras ou ficamos sem dinheiro para gasolina no mundo real, nosso mundo paralelo ainda pode provocar um incêndio com uma simples labareda de combustível. Mesmo que não haja lágrimas que transportam a virtualidade, mesmo que os ícones de carinha tentem o feito.

Por outro, há uma recusa em ser o que se é no mundo real, pois no fundo as pessoas são aquilo que elas sonham; há mais de nós nos sonhos do que no que nos projeta. E, assim, conseguimos por meio de palavras, criar, destruir, deturpar ou criar a própria ilusão da nossa ilusão. Seriam palavras que podem ser excessivas, evasivas, íntimas e que podem existir só lá no interior. Aliás, sem posicionamento na realidade, seriam apenas sílabas.

Não penso que todos possuem dois territórios ou que não há realidade no mundo virtual, mas há segredos, fantasias ou até fetiches em ambos lados. Ademais, há palavras que também demandamos na experiência virtual que são como conciliadoras das nossas expectativas. Precisamos do “eu te amo”, precisamos da sensação de pertencimento, ou seja, da premissa de que talvez sejamos verdadeiros conhecedores do eu alheio. Mas será que é possível?

Deve existir engano, aliás, todo mundo engana. E se no mundo real, os governantes usam do discurso como práticas que formam os objetos de que falam, imaginem  à condição paradisíaca  que modela nossa percepção da realidade virtual. Nem o discurso de Sarney sobreviveria à tamanha eloquência.

Como um avatar do mundo real, Michel Foucault hoje seria um provável especialista em “second life”, visto que na “Teoria do Discurso” já retrucava que seria preciso ficar ou se esforçar para ficar na superfície da existência das palavras, das coisas que precisavam ser ditas.  Assim, destacava que era necessário gerir o próprio discurso, deixando-o evidenciar na complexidade.

Olhando o meu notebook, percebo o meu avatar. Como Harry e Sally, feitos um para um para outro.  Causa até confusão. Mas será que esta realidade externa é a realidade que há lá dentro como um estágio meditativo?

E aí a ficção científica de Philip K. Dick permite trazer Marte para a terra, considerando que: “Se você puder controlar o significado das palavras, você pode controlar as pessoas que têm que usar as palavras”, ou seja, a realidade poderá ser a alteração do discurso.

Analogamente nos princípios expostos por Foucault, a realidade seria a “Avenida Brasil”, recheada de falas entre Nina e Carminha, com reais intenções, conteúdos e representações que não são apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história, ofuscadas nos e pelos textos, não visíveis, mas evidenciadas pela coragem de se posicionar. De renegar a vergonha ao revelar os seus impulsos ou instintos homicidas.

Seguindo essa receita, estaríamos diante do reino absoluto das palavras e a vida continuaria a seguir porque o discurso a põe em movimento. E a palavra seria mais do que um elemento para ser usado em uma experiência de realidade face a percepção da realidade.

De forma análoga ao filme, “Vingadores do Futuro” o enfoque foucaultiano pode permitir que o discurso seja constitutivo da realidade, mas pode ser necessário, quem sabe um dia, independente  de sua não-linearidade, entender que existem momentos na vida em que não basta apenas o discurso: “Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo”.

A frase inicial de Lispector poderia ser atribuída a qualquer politico, publicitário ou religioso dos tempos modernos, mas é a mais perfeita expressão do discurso fictício do admirável mundo novo  quando realidade é algo que se recusa a ir embora, mesmo quando se deixa de acreditar nela, como já declamava Foucault.
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Luciana Santa Rita