No mato e sem cachorro


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Atendendo a milhares de e-mails, cartas e propostas de matrimonio, manifestando uma curiosidade incontrolável por conhecer o final da história da semana passada ("Entrei de gaiato num navio") e fugindo, sem que sirva de precedente, às linhas traçadas pelo editor desta seção, vou narrar de forma resumida a continuação desta viagem que ainda não terminou.

 

Depois de sair ileso da turbulenta viagem a Ibiza e já instalado na "Isla Blanca", pérola do Mediterrâneo, os primeiros dias foram cheios de novas sensações, todas agradáveis. Estar numa ilha paradisíaca no meio do mar Mediterrâneo, em outro país – isso parece importante para a gente que mora no Brasil e que sempre quer ir para o exterior pensando que os outros países são melhores. Engano. – me sentia no paraíso.

Criado no bairro do Flamengo e acostumado às águas turvas do Atlântico ao seu passo pela costa do Rio de Janeiro, ver as pedras e os peixes no fundo do mar a mais de 10 metros, através daquelas águas cristalinas, era o mais parecido a estar no paraíso. Só faltava a Brooke Shields nadando nua ao meu lado (eu imaginava esta cena uma e outra vez). Tenho que confessar que como bom brasileiro, o meu cérebro era o meu segundo órgão mais importante, sendo o primeiro deles – creio que não faz falta dizer qual – o que guiava os meus passos. Deste modo, uma das coisas que mais me chamavam a atenção, além da magnífica paisagem, era o fato de nesta ilha o nudismo não somente estar permitido, mas também muito praticado. Ver aquelas loiras e morenas (vou procurar conter a empolgação e usar adjetivos suaves) tão boas e generosas, como diria o mago Heitor Caolho em sua infinita sabedoria, totalmente nuas brincando, jogando frescobol, nadando e tomando sol, me causava uma confusa sensação – compartida por meus companheiros – mescla de alegria e desespero. É como passar com fome e sem dinheiro diante duma vitrine de frango assado.

Tanta carne fresca junta alterava o nosso metabolismo. Apostávamos para ver quem seria o primeiro. Me lembro um dia em um hotel de bangalôs onde íamos tocar pela noite, enquanto a dona nos conduzia aos quartos, o Ivan disse: "que rabão!" A mulher ouviu e respondeu: "lo siento, pero no tenemos jabón!" (jabón quer dizer sabão mas a pronuncia é quase igual a rabão), foi hilariante. Mas eu vim pra tocar (bandolim, claro) e este era o verdadeiro motivo de encontrar-nos neste lugar.

Praia nudista em Formentera. C.V.1984

Praia de Salinas em Ibiza. C.V.1984.

Mas nem tudo era maravilhoso, pois no mesmo dia que cheguei, recebi a noticia de que o violonista Rogério Bicudo, meu principal apoio musical, já não fazia parte do grupo. O Eduardo, que depois mostrou ser uma pessoa muito conflitiva, tinha brigado com ele e o meu amigo se mandou. Foi uma grande decepção, porque o bandolim precisa de um acompanhamento para poder solar livremente. Ficamos só com o cavaquinho, que tem um som muito agudo. Mesmo assim, não podíamos nem pensar em não continuar, entre outras coisas, porque a maioria de nós não tinha dinheiro nem pra tomar café no dia seguinte. Assim, o nosso cavaquinista que também era o empresário do grupo, tomou a dianteira da situação, botando as manguinhas de fora e aproveitando para explorar a nossa miséria. Ele era o único que tinha meios econômicos para se manter e sustentar o grupo.

O primeiro que fez, foi impor o pagamento semanal. Nós trabalhávamos todos os dias, e como hoje em dia eu sei, o cache dos grupos é muito bom, por tanto nós gerávamos bastante dinheiro. Só que não víamos as pesetas, que ficavam em poder do manager (neste caso eu diria "manipuler"). Quando chegava segunda-feira ele vinha pagar, descontava o que devíamos do carro, da comida, da bebida e o que sobrava, na verdade era ridículo. Ele contava que tinha recebido a terça parte do normal nestes casos. Desta forma, cada vez que queríamos fazer qualquer coisa, tínhamos que pedir dinheiro adiantado, cavando cada vez mais o buraco que logo nos engoliria.

Embora a situação não fosse muito favorável, eu não pensava muito no futuro e me divertia com meus amigos passeando pelados na praia e tocando naquele lugar maravilhoso.

Tocamos nas principais discotecas da ilha como Pacha, Privilege, Amnesia ou Es Paradis, em hotéis de luxo como o Hotel Hacienda San Miguel, um dos mais luxuosos do mundo, bares, restaurantes e praias. Tudo ia aparentemente bem e ainda restava uma esperança de juntar suficiente dinheiro, pelo menos para voltar pra casa. Até que um dia, o "empresário" decidiu trazer a namorada e depois o irmão. O irmão dele era uma cara muito legar que valeu a pena conhecer e não tinha culpa de nada, mas a namorada… Filha de um general (pensaram outra coisa, ein?), era daquelas garotas frescas e mal acostumadas que se as coisas não eram como ela queria, enchia o saco até que fossem.

Nós éramos um grupo de homens, em outro país, que a pesar dos problemas nos divertíamos juntos. Mas com a chegada da guria as coisas mudaram. Quando dizíamos depois do show, "Vamos tomar umas em tal lugar!", a mulher imediatamente começava: "Ah, eu não. Quero ir pra casa". Tínhamos uma camionete velha que era o nosso único meio de transporte e aonde o carro ía, íamos todos. Era desesperante, ela se metia em tudo. E o cara ainda queria que nós pagássemos a ela para lavar a nossa roupa ou carregar os cabos do grupo, era demais. Morávamos num apartamento em Sant Antoni de Portmany, gentilmente cedido por um amigo ibicenco que conhecemos no Brasil e podíamos perfeitamente lavar a nossa roupa grátis. Aí o cara sugeriu que a gente fosse morar em outra casa, pagando a metade para que ele ficasse sozinho com ela no ap. Isso já era a gota. Numa discussão o Delcio e ele saíram no pau enquanto a mulher gritava: –"Vou mandar o meu pai te matar!" (o típico para a filha de um general). Foi o fim, para o Délcio, que chamou a sua mulher no Brasil e ela veio buscá-lo. Foram embora e os que ficamos éramos cada vez menos e mais fud….

Uma das nossas últimas discussões foi transmitida ao vivo por um canal de televisão alemão que cobria uma festa na praia, e nós éramos o grupo contratado para animar. Com certeza teve muita audiência.

Então, eu, o irmão do cara e o Ivan, resolvemos mudar de casa e ir para um casarão velho na zona antiga de Ibiza na "Dalt Vila". Só que 15 dias depois o Fred (este era o nome do irmão) quis deixar a casa porque era muito úmida e ele era alérgico. Pegou as suas coisas e disse: –"Não agüento mais, vou para o apartamento e essa mulher que se dane". Chegando lá, tocou a campainha e ela atendeu gritando que lá ele não entrava. Ele jogou as malas pra dentro e desceu para esperar o irmão no bar. Quando estava sentado no bar viu, e as outras pessoas também, como um montão de objetos pessoais como roupas, sapatos, escova de dentes, pente, cuecas, livros e tudo mais, caíam no meio da avenida. A garota tinha jogado todas as suas coisas pela janela. O Fred subiu desesperado e quando saiu do elevador ela veio correndo pra cima dele. Num gesto instintivo, o Fred levantou a mão fechada e "sem querer" derrubou a mulher com um soco (ela media mais de 1,80m e o Fred menos de 1,70m, ela ía bater nele). O escândalo foi total. Quando o irmão chegou, decidiu acabar com tudo e partir para Paris com a namorada. O nosso trabalho financiou esta viagem de turismo que não estava no programa.

No final desta tormentosa temporada de três meses, ficamos eu e o Ivan sozinhos na casa. Uns dias depois estávamos sentados numa escadaria chorando. Ele lembrando das suas filhas e eu da minha mãe. O detalhe sujo, se é que pode haver algum mais sujo, é que o Eduardo havia deixado as passagens de volta do Ivan, que estavam em seu poder, sob a custodia do nosso amigo de Ibiza com a condição de entregá-las quando o Ivan pagasse a sua "dívida". Este, em um gesto que confirmou a sua honestidade, imediatamente devolveu as passagens ao Ivan que pode voltar pra casa.

Uma vez mais, lá estava eu sozinho numa ilha no meio do Mediterrâneo, sem dinheiro e sem saber aonde ir, pensando: "estou perdido, no mato e sem cachorro". Por sorte eu tinha uma maquina fotográfica Yashica que o meu pai me emprestou recomendando o máximo cuidado. Vendi a máquina e comprei uma passagem para Madrid, onde conhecia o diretor da Casa do Brasil, a minha única salvação. E assim foi. Mas isso é outra história.

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Carlos Venturelli