Ressignificação


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Muitos já falaram e perceberam a mudança de significado da camisa amarela da seleção brasileira. Melhor seria dizer seleção da CBF, mas deixemos isso de lado.

Certas associações tornam-se tão fortes que modificam o significado da imagem, ou do som, em alguns casos. Unidos, a imagem e o som tornam-se algo que nunca foram quando separados. É a tal da Gestalt, hoje já fora de moda, em que o todo é maior do que a soma das partes.

O cinema é pródigo em criar esse tipo de associação. Um sujeito, para dar um exemplo, sabe o que são helicópteros, e conhece A Valquíria de Wagner. Até aí, beleza: tecnologia do século XX e música tensa do século XIX. Aí, ele assiste ao Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, e danou-se: nunca mais ele irá separar um enxame helicópteros voando da Cavalgada das Valquírias, levando a morte e a destruição a um vilarejo vietnamita. A imagem e a música se unem de maneira inquebrantável, e o significado dessa nova totalidade é completamente diferente daqueles significados originais das imagens e dos sons. Hoje, no jargão contemporâneo, chamamos isso de ressignificação.

E ressignificada foi a camisa amarelinha da seleção. Outrora tão querida por todos os brasileiros (pelo menos dos que gostam de futebol), foi, aos poucos, perdendo um pouco de sua graça: os mais atentos e menos estúpidos, ao longo dos anos, perceberam que a camisa canarinha, bem como o grupo de jogadores que a envergava, pertenciam a uma instituição chamada de CBF, apelidada por Juca Kfouri de Casa Bandida do Futebol, um título até eufemístico quando nos informamos sobre a natureza dos homens que fazem parte dela e das atividades da nefasta instituição (privada, é bom lembrar).

Mas a cereja do bolo para o total descredenciamento da tal camisa amarela foi a sua apropriação pelos batedores de panela de classe média e média alta que exigiam a derrubada do governo de Dilma Roussef, supostamente indignados com a corrupção.

Numa dessas contradições que me fazem lembrar do clássico ensaio de Roberto Schwarz, As ideias fora do lugar, os indignados com a corrupção selecionada usam, como uniforme de batalha, a camisa amarela da CBF, uma das instituições brasileiras mais corruptas e opacas que operam na corrupta e opaca Pindorama. Como são pessoas de bem que não compactuam com a pirataria, claro que devem usar a camisa oficial, que custa a bagatela de R$ 449, 90.

Daí que hoje, ao menos para mim, ver a camisa amarelinha da seleção brasileira sendo envergada por algum macho-alfa ou alguma mulher-troféu tem a ver com tudo, menos com futebol. Tornou-se uma manifestação acabada de boçalidade e ignorância, exemplarmente definida na alegoria dos Manifestoches, no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti desse ano.

Camisa amarela e o som de bater de panelas: o horror… o horror…

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.