Quando Monet parou a estação

Os impressionistas eram ridicularizados pelo público e pela imprensa, não vendiam seus quadros e, de modo geral, eram todos duros. Mas sabiam tirar uma onda de vez em quando…

Monet e Renoir viviam na pindaíba. Mal tinham o suficiente para comer. Não bastasse isso, as reações de público e de crítica às primeiras exposições dos impressionistas foram extremamente agressivas. Leia-se este trecho de uma crítica publicado no Le Figaro, por exemplo:

(…) Esses pretensos artistas intitulam-se os Intransigentes; tomam telas, tinta e pincéis, jogam ao acaso alguns tons e assinam tudo isso. (…) Espetáculo arrepiante da vaidade humana, ao se desviar para a demência. Façam compreender ao senhor Pissarro que as árvores não são violetas, que o céu não é de um tom de manteiga fresca, que em país algum vêem-se as coisas que ele pinta, e que nenhuma inteligência poderia acatar semelhantes despropósitos! (…) Tentem então explicar ao senhor Renoir que o torso de uma mulher não é um monte de carnes em decomposição, com manchas verdes-violáceas, que denotam num cadáver o estado de total putrefação! (…) E é esse amontoado de cousas grosseiras que expõem ao público, sem medirem as conseqüências fatais a que podem levar. Ontem levaram preso na Rua Le Peletier um mísero homem que mordia os transeuntes, ao sair daquela exposição.

O tom empregado nas críticas era sempre esse: feroz e sarcástico. O que não ajudava as finanças de nenhum dos pintores “intransigentes”, com exceção de Degas e Cézanne que não dependiam da venda dos quadros para viver.
E apesar dessa penúria e da incompreensão generalizada, os impressionistas seguiram em frente com sua nova forma de compreender a pintura, e continuaram abusados, como nos dias em que Monet mandou e desmandou na estação de trens de Saint-Lazare.
Quem narrou a história foi Renoir. Um crítico ridicularizou o trabalho de Monet entre outras coisas por causa dos motivos escolhidos: “um nevoeiro não é tema de pintura!
A estupidez do crítico despertou em Monet o desejo de pintar algo mais brumoso ainda. Renoir conta que certa manhã foi acordado por Monet aos gritos: “Achei… A estação de Saint-Lazare! No momento das partidas, a fumaça é tão densa que não se distingue, por assim dizer, nada. Um encantamento, verdadeiramente feérico!
Renoir achava que Monet pretendia pintar a estação de memória, mas Monet pensava diferente: “É preciso captar em flagrante o sol brincando no vapor dos escapamentos. Vai ser preciso que retardem o trem de Rouen. A luz é melhor uma meia hora depois da partida…” Renoir ouvia o amigo sem fazer muita fé: “Você está louco.
Na manhã seguinte, e quem conta é Renoir, o duro Monet vestiu suas melhores roupas, seus punhos de renda mais bufantes e, brincando com negligência com a bengala de cana-da-índia e castão de ouro, pediu para entregar seu cartão ao diretor das Estradas de Ferro do Oeste, na estação Saint-Lazare. O funcionário da portaria, pasmado, introduziu-o imediatamente. O visitante, que o figurão fez sentar, apresentou-se com grande simplicidade. ‘Sou o pintor Claude Monet.’ O diretor em questão ignorava tudo de pintura, mas não ousava confessar. Monet deixou que ele se confundisse alguns instantes, depois consentiu em anunciar a grande notícia. ‘Decidi pintar sua estação. Hesitei muito tempo entre ela e a estação do norte, mas creio, enfim, que a sua tem mais personalidade.’ Obteve tudo o que quis. Pararam os trens, evacuaram as plataformas, abarrotaram as locomotivas de carvão para que cuspissem a fumaça que convinha a Monet. Ele se instalou naquela estação como um tirano, pintou em meio ao recolhimento geral, durante dias a fio, e partiu enfim com uma boa meia dúzia de quadros, as saudações respeitosas de todo o pessoal, encabeçadas pelas do diretor.
E assim, graças à ignorância de um diretor de estação que não queria passar por tolo e a diatribe de um crítico mal humorado, Monet nos legou alguns de seus mais preciosos trabalhos, além de ter se divertido um bocado durante seus dias como o “tirano da estação de Saint-Lazare”…

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Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.