Análise do Comportamento By Paulo Abreu / Share 0 Tweet Qual o papel das técnicas comportamentais tão enaltecidas pela psiquiatria clínica, pelas terapias cognitivo-comportamentais, e é claro, pela própria terapia comportamental. É fato que as pesquisas já provaram há muito sua efetividade em casos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Fobias Específicas, Transtorno do Pânico, dentre outros. Mas como a moderna terapia comportamental hoje equaliza seu emprego na clínica? Existe uma situação de terapia comportamental bastante caricata no domínio do senso comum, mas nem por isso equivocada: imagine uma pessoa que desenvolveu uma fobia de dirigir em função de ter vivido um sério acidente de trânsito. Essa pessoa procura um terapeuta que tem como possibilidade de tratamento a aplicação de uma técnica chamada Dessensibilização Sistemática. Essa é composta da exposição gradual e protegida do cliente a situações próximas a situação temida, do nível mais fácil até o nível mais difícil. O componente ativo dessa técnica seria a exposição gradual aos contextos que provocam ansiedade, por isso dito ansiogênicos, e a conseqüente habituação emocional do indivíduo. Dentro desse entendimento o cliente poderia começar com um exercício de imaginação de direção na própria clínica e ir evoluindo sua exposição – passaria então a ficar apenas sentado dentro do carro no nível seguinte, ligá-lo em um outro, passear pela quadra acompanhado do terapeuta num terceiro, passear pelo bairro, e assim sucessivamente, até que consiga dirigir de fato. Uma crítica bastante comum direcionada a esse tipo de tratamento seria a de que o sintoma, medo de direção, se transformaria em um outro, como por exemplo, medo do cônjuge (exatamente, aqui a livre especulação é a regra!). Esse fenômeno foi chamado na literatura de substituição de sintomas. Embora essa acusação já tivesse sido cientificamente invalidada com as pesquisas realizadas ainda na década de sessenta, é sobre o tópico do papel contemporâneo das técnicas que me debruçarei por hora. A terapia comportamental nem sempre teve esse nome. Nas décadas de cinqüenta à setenta ela era ainda chamada de modificação de comportamento em muitas de suas aplicações. Foi chamada dessa forma pelo fato dos terapeutas trabalharem comportamentos muito específicos em ambientes bastante controlados, a exemplo da exposição simples citada. O emprego desse tipo de técnica com pessoas ansiosas continua sendo bastante freqüente, hoje obviamente com métodos muito mais refinados. Mas alguma evolução se fez urgente em problemas de comportamento apresentados por pessoas não institucionalizadas e verbalmente habilidosas. Esse foi o desafio lançado na evolução da moderna terapia comportamental. Vejamos uma outra situação para ilustração. Uma técnica bastante usada no tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é a Exposição com Prevenção de Respostas (EPR). Imagine um cliente com uma obsessão de contaminação e um ritual de lavagem de mãos. Uma análise funcional dos comportamentos compulsivos (ver texto 1 Robson) poderia mostrar que dados comportamentos ocorrem frente a contextos que provocam grande ansiedade na pessoa, no caso, contextos assumidos como sendo “sujos” pelo cliente. A função dos comportamentos compulsivos seria higienizar as mãos e com isso diminuir as chances da contaminação temida. Diz-se em uma linguagem mais técnica, portanto, que a emissão das respostas de lavagem tem como conseqüência as mãos limpas. Similarmente à dessensibilização, a técnica da EPR se constitui da exposição gradativa e sistemática aos eventos ansiogênicos. O novo acontece com a prevenção de respostas, que seria o impedimento da emissão dos comportamentos compulsivos, nesse caso, a lavagem das mãos. Com isso diminuiria a freqüência das obsessões e a urgência em ritualizar. Interessante ressaltar que essa técnica é hoje o tratamento mais efetivo que existe no tratamento do TOC, por isso tido pela psiquiatria como sendo o tratamento de escolha. Mas é assim tão simples, aplicar a técnica e adeus TOC? A análise experimental do comportamento mostrou no laboratório que a ansiedade é provocada por eventos no ambiente que sinalizam para o organismo que algo perigoso está para acontecer. Quando vejo minha esposa ou chefe de cara feia, lá vem bronca! Imagine alguém cujo histórico de aprendizagem tenha levado a generalizar essa ansiedade para vários contextos, inclusive contextos que trazem perigo de contaminação! Muitas situações são vistas como perigosas, e por isso são ansiogênicas para aquela pessoa. O TOC é tido como um transtorno de ansiedade. Mas da onde veio essa ansiedade? Quando tratamos alguém com TOC observamos rapidamente que a pessoa vive problemas comuns a todos nós. Os comportamentos-problema no TOC não aparecem no vácuo. Comportamentos são determinados pela sua relação com o ambiente e isso é fácil de se observar na clínica. As queixas são as mais diversas: problemas conjugais, vida social muito pobre, apreensões no trabalho, poucas fontes de lazer, conflitos interpessoais, perfeccionismo, etc. Os comportamentos obsessivos e compulsivos aparecem apenas como uma das facetas da vida do individuo. Nesse sentido é digno de nota que os clientes relatem um vazio existencial característico após terem sido submetidos à EPR. Bastante compreensível, já que passavam a maior parte do tempo unicamente envoltos em preocupações e rituais relativos ao TOC. Nesse caso, o “não-ritualizar” não significa saúde ou qualidade de vida. É preciso resolver todos os problemas ainda não resolvidos. Já tratei muitos casos de TOC analisando funcionalmente toda a sorte de comportamentos inadequados sem abordar diretamente comportamentos obsessivos e compulsivos. Na verdade é consenso atual no meio analítico-comportamental brasileiro e internacional fazê-lo dessa forma. Terapeutas comportamentais não são tecnólogos pois a complexidade de contextos e histórias na vida de nossos clientes não nos permitiriam ser mais efetivos assim. Técnicas comportamentais não são remédios prescritos para doenças mentais, como levam a crer a forma com que são empregadas hoje por algumas tradições em psicologia e psiquiatria. Muitos manuais sugerem a EPR como parte de um protocolo para o tratamento da “doença mental” TOC (ver texto 2 Robson; ver texto 1 Paulo). No entendimento médico, por exemplo, diz-se que se o cliente não melhorou com um remédio A, então é possível que ele seja refratário à medicação. Esse raciocínio é frequentemente extendido para a EPR, no sentido de que se não funcionou, então o cliente é refratário à terapia comportamental. Mas o fato é que no nosso entendimento não existiria cliente refratário ou não-respondente a terapia comportamental por dois motivos muito simples – (1) a técnica per se não é terapia comportamental, embora as técnicas citadas tenham sido criadas no seio dessa tradição e (2) terapia comportamental não é remédio para uma doença assumida como sendo orgânica ou mental (aqui falo em dados), é antes um processo de avaliação das relações dos comportamentos-problema do indivíduo com o meio e promoção da mudança clínica pela mudança da forma como esse mesmo indivíduo se relaciona com o mundo a sua volta (ver texto 2 Paulo). Terapia comportamental, em síntese, é um processo contínuo de aprendizagem do cliente. Fazer terapia comportamental (ou boa terapia comportamental!) é antes desenvolver uma avaliação funcional criteriosa dos comportamentos problema ao longo do seu histórico e desenvolvimento. Nessa avaliação procura-se responder a duas perguntinhas básicas: Que conseqüências se seguiram aos comportamentos-problema de forma que os instalaram em repertorio e, ainda, que conseqüências ainda os mantêm. Cada indivíduo, portanto, irá apresentar histórias idiossincráticas de aprendizagem (apenas dele e de mais ninguém), o que denotaria intervenções também particulares. Hoje as técnicas têm papel coadjuvante na moderna terapia comportamental no tratamento dos problemas de comportamento. Seu emprego e importância serão somente consolidados na medida em que a avaliação funcional permitir ou não.