Lula: Presidente Negro?


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Quais são os critérios para se definir cor da pele no Brasil? Já ouvi várias pessoas e pesquisadores dizendo que o Brasil nunca teve um presidente negro, mesmo sendo grande a presença de pessoas negras no conjunto da população do país. Mas outro dia um aluno me perguntou: o Lula não é um presidente negro?

 

 

Já ouvi várias pessoas e pesquisadores dizendo que o Brasil nunca teve um presidente negro, mesmo sendo grande a presença de pessoas negras no conjunto da população do país. Mas outro dia um aluno me perguntou: o Lula não é um presidente negro?
 
Bem, para responder a esta pergunta precisamos saber o que é considerado “negro” no Brasil. A maioria dos pesquisadores brasileiros constróem a classificação de negro com base nos dados de cor da pele pesquisados pelo IBGE. O negro seria a soma das pessoas que se auto declaram “pardas” e “pretas”.
 
Não se trata, portanto, de uma classificação biológica ou física com base no genótipo. Pardos e pretos são categorias de classificação da cor da pele tomadas a partir da auto identificação da pessoa que responde a pergunta do IBGE. Assim, um entrevistador pode achar que a cor da pele de uma pessoa é preta, mas o próprio entrevistado pode se achar da cor parda ou branca. É o que aconteceu a pouco tempo atrás com o jogador Ronaldo que se declarou da cor branca, enquanto o seus pais disseram que ele era pardo. Evidentemente, pode ser mais uma dificuldade que o “fenômeno” tem em distinguir “cores” e “formas”, mas a auto declaração de cor da pele reflete o sentimento e o desejo da pessoa no momento da entrevista e, se ele se diz branco, é como branco que ele deve ser classificado.
 
Na metodologia adotada pelo IBGE – onde em cada domicílio é apenas uma pessoa que responde por todos os moradores – valerá a “auto-declaração” da pessoa que está respondendo a pesquisa. Tomando o caso do Ronaldo: se fosse ele que respondesse a pesquisa ele iria dizer que era branco, mas se fosse o pai dele, classificaria o filho como pardo.
 
Uma dificuldade maior surge na definição das cores. O manual do recenseador do censo demográfico de 2000 do IBGE[i] não esclarece com muitos detalhes o que são as cores branca e preta, mas explica um pouco mais o que são as classificações amarela e indígena e diz que os pardos são aqueles que tenham alguma miscigenação: mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça. Evidentemente, estas definições do manual do recenseador não simplificam as opções das pessoas, pois, mesmo existindo uma maior facilidade para definir os extremos das cores branca e preta, o “meio de campo” fica muito indefinido. Existem muitos pretos e brancos que poderiam facilmente ser definidos como pardos. Um filho de índio que viva fora de seu aldeamento terá dificuldade para se definir enquanto índio ou pardo. Um descendente de asiático que tenha alguma miscigenação poderá se classificar com amarelo ou como pardo.
 
Chegamos, assim, na principal dificuldade existentes nos estudos de cor/raça, qual seja, definir a cor PARDA. Fica evidente pela definição do manual do recenseador do IBGE que pardo não é “marron”, “trigueiro”, “escurinho” ou uma outra tonalidade de cor entre o branco e o preto. Pardo, na definição do manual é uma mistura de cor, ou seja, é uma pessoa gerada a partir de alguma miscigenação, seja ela “mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça”[ii].
 
Sem dúvida são pardos os filhos de indivíduos brancos (ou indígenas) com pretos – afro-descendentes. Mas são também pardos: o filho de uma pessoa branca com um indígena, o filho de uma pessoa amarela com um indígena, o filho de uma pessoa branca com amarelo, ou os filhos de pessoas pardas com as demais cores ou com indivíduos indígenas. Portanto, pardo são todas as pessoas mestiças nascidas de relacionamentos sexuais entre indivíduos de etnias diferentes.
 
Pelo exposto, percebe-se que é um erro se classificar como NEGROS todos os indivíduos que se auto declaram pardos. Existem muitos pardos no Brasil que são ameríndios-descendentes e outros que são asiático-descendentes. Portanto, existe uma parcela da população parda no Brasil que não tem qualquer ascendência africana.
 
Voltando à nossa pergunta original: Lula é um presidente negro?
 
Sem dúvida, o presidente Lula é mestiço – como somos quase todos nós, a maioria do povo brasileiro. Mas ele é um mameluco ou um cafuzo? Ou ele é filho de uma cabocla com mulato?
 
Qualquer que seja a resposta, não resta dúvidas que o presidente Lula é mestiço. Provavelmente deve ter se auto-declarado pardo para o IBGE. Assim, para todos os pesquisadores e estudiosos das questões “raciais” que adotam a definição de NEGRO como a soma de “preto” e “pardo”, a resposta é inequívoca: o presidente Lula é negro e, para a surpresa de quem acredita que a elite de origem européia monopoliza o cargos máximos do país, o Brasil tem um presidente não-branco.
 
Certamente, toda esta longa digressão sobre a cor do presidente não vai alterar o fato de que o indivíduo Lula vai continuar sendo o que é, assim como o Brasil vai continuar sendo o mesmo. Mas, ao considerar a complexidade da questão, talvez a discussão de cor/raça fique um pouco menos maniqueísta e os pesquisadores olhem menos para os contrastes dicromáticos e mais para a diversidade de tons do arco-íris, que reflete melhor a riqueza da miscigenação brasileira.
 


[i] Segundo o Quesito 4.08 – “A SUA COR OU RAÇA É: Leia as opções de cor ou raça para a pessoa e considere aquela que for a declarada. Caso a declaração não corresponda a uma das alternativas enunciadas no quesito, esclareça as opções para que a pessoa se classifique na que julgar mais adequada. Assinale a quadrícula, conforme o caso:
1 – BRANCA – para a pessoa que se enquadrar como branca;
2 – PRETA – para a pessoa que se enquadrar como preta;
3 – PARDA – para a pessoa que se enquadrar como parda ou se declarar mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça;
4 – AMARELA – para a pessoa que se enquadrar como amarela (de origem japonesa, chinesa, coreana, etc.);
5 – INDÍGENA – para a pessoa que se enquadrar como indígena ou se declarar índia
Esclareça a pessoa, quando necessário, que a classificação amarela não se refere à pessoa que tenha a pela amarelada por sofrer de moléstia como empaludismo, malária, amarelão, etc. A classificação Indígena aplica-se aos que vivem em aldeamento como, também, aos indígenas que vivem fora do aldeamento” (Manual do recenceador, 2000, p.60).

[ii] Mulato (filho de pessoa branca com preta); Cafuzo (filho de indígena com pessoa preta); Mameluco e caboclo (filho de pessoa branca com indígena); Mestiço (descendentes de pessoas de etnias diferentes).

 

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José Eustáquio Diniz Alves