Slow Food com Villa Lobos


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Quando não estamos trabalhando, descansamos certo? Errado. Aqueles como eu que não quererem se apertar nas cidades grandes, nem disputar uma vaga com os outros tantos turistas num dos cafés na Itália podem fazer um turismo diferente.

 

 

Vinhedos em Serralunga de Alba

Assim foram as nossas curtas férias. Todos os anos viajamos até norte da Itália, mais precisamente para Piemont, onde são produzidos os melhores e mais famosos vinhos italianos: Barolo e Barbaresco. Pela terceira vez ficamos hospedados no “Agroturismo Germano Ettore”. Até onde a vista alcança a gente vê as parreiras carregadas de uvas madurando ao sol no início do outono. Selecionamos algumas Cooperativas de Vinho para visitar, como a Terra de Barollo e Produttore de Basbaresco, esta última indicação do livro de Parker, digo que não nos decepcionamos.

A região ainda não sofre da doença do turismo em massa que sufoca as grandes cidades da Europa, principalmente no verão onde os restaurantes ficam lo-ta-dos, a comida é aquela pra turista comer e nunca mais voltar, literalmente. Quem quiser fazer um turismo mais personalizado não vai achar em catálogo de nenhuma agência. Por isso Piemont ainda é um reduto para aqueles que querem apreciar a culinária piemontesa, beber um bom vinho e fazer longas caminhadas pelos vinhedos. Estivemos em Piemont em quase todas as estações do ano, início da primavera, outono e a mais interessante foi a visita no inverno, quando reina o silêncio, as montanhas ficam cobertas pela neve e a temperatura nos convida abrir uma garrafa de “Vinho de la Madre” feito das melhores uvas Nebiolo.

Mas desta vez fomos surpreendidos com um convite para ajudar na colheita das uvas que aceitamos de pronto. A dona do vinhedo nos explicou que com o quente inverno as parreiras brotaram três semanas mais cedo e as uvas precisavam urgentemente ser colhidas, pois corriam o risco de secarem no pé. Foi uma experiência interessantíssima, e aprendi coisas como: no meio da noite, no início da primavera, quando das parreiras brotam as primeiras folhas, eles acordam a uma da madrugada e com lanternas e pinças, é pinças, vão catando uma a uma as larvas que comem os brotos. Toda essa operação é necessária para salvar as parreiras da praga, senão vai precisar da utilização de inseticida, como muitos produtores fazem.

 

 

 

Ao trabalho! A troupe ladeira abaixo

 

 

Aprendemos a colher corretamente as uvas, separando aquelas que foram atingidas pela última chuva de pedras e colocá-las com cuidado em caixas de 20 litros, que depois serão transportadas até as prensas para a extração o suco. Um trabalho manual, que é até bem remunerado se… achassem mão-de-obra. Assim como a Alemanha a Itália sofre também problemas demográficos e com a falta mão-de-obra na agricultura, pois os jovens se mudam para as grandes cidades.

 

 

Eu, colhendo uva em Serralunga de Alba

 

 

Trabalhamos por umas poucas horas e acho que para eles a ajuda de qualquer um seria bem vinda. Há muita gente que todos os anos conjugam férias com algum trabalho, que, diga-se de passagem, é um trabalho da p… para as costas. Oh férias! Diriam uns.

A equipe era internacional, romenos, italianos, iugoslavos, uma verdadeira babel em todas as línguas. Os brasileiros são falantes, mas garanto que perdemos a vaga para os italianos. Eu até estava estranhando, pois na Alemanha todos são muito sisudos. Na Itália a moçada trabalha, conversa e diverte. Eu já não estava me sentindo bem em não conversar, tentando me concentrar, pois ou eu colhia as uvas ou conversava. Os italianos conseguiam faziar as duas coisas ao mesmo tempo sem perder o fôlego.

 

 

Slow Food com Villa Lobos

 

Depois do trabalho nos vinhedos, fomos convidados para um leve almoço na casa dos Ethores, que por coincidência recebia visita de um simpaticíssimo grupo do Slow Food. Fazia um bom tempo que não eu ouvia tanta gente falante e falando ao mesmo tempo, divertidíssimo! Na mesa os fantásticos produtos locais: cogumelos e pimentão em conserva que a mama colheu no jardim, petisco a base de uma lingüiça feita pelo papa e claro, vinhos da melhor qualidade e com um detalhe a garrafa era aberta pelo próprio dono do vinhedo, Sergio Ethore. Slow Food total.

Ao que descobriram que eu era brasileira, atacaram: Ah, amamos Caetano Veloso, Tom Jobim, Bonfá, Astrud de Gilberto! E foi aquela simpatia trocar impressões com pessoas que conhecem da nossa música. E um deles: “Gostamos muito de música clássica, as Bachianas de…” Deu um branco em todos nós. Nem eu, nem ninguém lembrava o nome do compositor das Bachiadas, pecado, gentes. Chegaram a passar mensagem no celular para um amigo perguntando quem era o compositor das Bachianas. Lá pelas tantas, depois do vinho já ter subido, no meio da conversa, alguém grita lembrando,Villa Lobos! Ahh! Villa Lobos, claro gritamos todos nós em coro! Então nesse momento tocou o celular. O sujeito do outro lado: O compositor é Villa Lobos! Raraa!! Acreditem, ainda acontece dessas coisas. E todo mundo caiu na risada.

 

Slow Food, devagar e sempre

 

 

 

 

Serralunga de Alba, restaurante “Itália” à direita, membro do Slow Food

 

 

A idéia do Slow Food tem origem na Itália. Na abertura da filial McDonald´s em 1986 em Roma os goumets da tradicional cozinha italiana fizeram um protesto: espagueti ao invés de hamburgers. Aí nasceu o movimento Slow Food. O fundador Carlo Petrine definiu em 2006 idéia básica da “Nova Gastronomia” bom, limpo e justo. Foi Quando um dos elementos faltam, não é Slow Food. A idéia básica do Slow Food contra Fast Food, isto é, devagar contra o rápido e por isso um caracolzinho é o símbolo do movimento. Os produtos consumidos também têm de ser autênticos e tradicionalmente fabricados e consumidos. Um dos alvos do movimento é fundar, em nível internacional, uma “Arca da Slow Food”, com a preservação das especialidades culinárias das diferentes regiões.

Também as universidades gastronômicas em Pollenzo (Piemont) e Colorno (Parma) foram fundadas pelos Slow Food. O movimento ganhou adeptos no mundo e ao todo são 80 mil participantes em 100 países. O prazer de degustar é um direito humano, com qualidade e com tempo. Mas o Slow Food não é somente um movimento contra a comida rápida e comida de modo rápido, mas tudo que envolve alimentos, como a preservação da biodiversidade de frutas, verduras e cereais, usadas na culinária tradicional, contra a monocultura.

Também fazem lobby junto ao consumidor, protestam contra pesticidas na agrucultura e alimentos modificados pela engenharia genética. Desde 1999 existe a Cittaslow, em Bra, cidade de Piemont, um alongamento da Slow Food filosofia que visa melhor qualidade de vida nas cidades. Eu assino em baixo.

 

Macumunado com a dona

 

 

 

O cão em sono profundo

 

 

Essa foi a conclusão que chegamos depois de deixarmos 200 euros na loja. É, aconteceu no pequeno povoado de Barbaresco, quando sentamos ao meio dia para tomar… um vinhozinho branco com queijo. Fora de época de temporada a pequena cidade de Barbaresco em Piemonte estava às moscas. Então ELE atravessou a rua, farejou o ar, deu uma rodada, sentou sob a nossa mesa, enquanto esperávamos a garçonete. Pensei, tá esperando o resto da mortadela do sanduiche. Que nada, o sujeitinho deitou alí e com a cabeça no sapato do Franz e deu aqueeela puxada de paia, só faltou roncar. Então veio a dona à procura do dito. Olhou para ele e disse em alemão, “É.. hoje ele não está muito bem…” Ele levantou a cabeça do sapato, olhou ao redor, pôs a língua para fora num bocejo e voltou a cochilar, é mole? Rarara! A moça se indentificou como a dona do negócio em frente e entabulou papo sobre vinhos e especialidades da região. Depois de uns 20 minutos de conversa chamou o dito pelo nome, que levantou a contra gosto, atravessaram a rua rumo à lojinha e desapareceram atrás do balcão de livros.

Bem, depois do queijo e do vinho, resolvemos fazer um reconhecimento local e acabamos por entrar na pequena livraria. Claro, depois de tanto papo não era possível que não houvesse continuidade e de conversa em conversa foram comprados 1 livro, 3 vinhos caríssimos, um vidrinho contendo uma bolinha de trufa, um raro cogumelo local usado no tempero de pratos finos, que custa os ooolhos da cara e um avental para vender vinho. Na Alemanha caiu a ficha… Ah, o cão! Só podia estar macumunado* com a dona do negócio. Foi enviado para fazer o contato, mas era tarde já tínhamos deixado o nosso couro lá.

 

 

Templo de Baco

 

 

 

 

Vinoteca de Barbaresco, província de Cuneo, Piemont

 

 

Imaginem que na católica Itália, terra do Papa a outrora igreja virou templo de Baco*? Impensável, mas é verdade. Assim como na Alemanha que os templos viram supermercados e restaurantes, aqui acharam um bom uso para a igrejinha que serve agora, não somente como ponto de prova de vinhos da pequena cidade de Barbaresco, mas também como centro cultural de exposição de arte e concertos clássicos. Os afrescos e vitrais foram conservados e dão aquela “atmosfera” de religiosidade. Não precisamos mais assistir à missa até o fim e ver o padre, sozinho, beber no cálice o “sangue de Deus”. A salinha de confissão dos pecados, que Deus, nos perdoe, se tornou a capela para provar 120 variações de vinhos vindos de 80 produtores da região.

 

 

 

*Baco na mitologia era o filho de Júpter e ensinou os homens a fabricarem vinho e é símbolo dos excessos da vida mundana.

*Macumunado: De mão comum, palavra que significa em conluio. Conluio: unir em conluio, tramar, fraudar, enganar, juntar-se com outrem para defraudar um terceiro.

 

 

Fotos: Solange Ayres

Da Série: Bella Itália! Piemont.

 

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Solange Ayres