“Nada é para sempre, exceto o nada”


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[…] Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrões de rosas e de pitangas têm cem anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para serem colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens“ (MONTERO, T. Clarisse na Cabeceira. Rio de Janeiro: Rocco, 2010, p.143)

Independente de pensar em amores insatisfeitos, perecíveis ou incompletos penso que é muito difícil se acomodar na primeira pitanga, como no texto acima de Clarisse, pois existe uma glória na liberdade. Além da aparência da colisão, não decidimos pelo fim do amor, aguardamos a esperança da estação para decidir ignorar ou não o calafrio anônimo. Sem depender do tempo, evitamos a desistência dos instintos, só para viver.

Essa semana, um amigo descreveu o resultado que uma infidelidade alcançou em sua relação afetiva, pontuando assim: “o cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo”. Encontrei-o imóvel, medindo os passos pela vida em um desfecho que lembrava uma ode ao amor. Falava que as desgraças de um coração inquieto abriram um vazio lavado pelo tempo que sobrelevava os seus desencontros.

Eu tinha acabado de ler a biografia de Pablo Neruda, “Confesso que Vivi” e a combinação do seu inverno siberiano e a sua lucidez destacava algo parecido com a cena dos bombeiros do onze de setembro nos EUA, ou seja, tinha sobrevivido por muito pouco.

Percebi analogamente à história de Neruda, uma única coisa que não o surpreenderia: as duas faces da sua vida, a que o meu amigo desejava, manifestada pela fidelidade do “eterno enquanto dure”, e a outra, secreta e visível, apenas para si; uma vida feita de todas as vidas possíveis. Uma Capri com principio e sem fim.

Desejava um sóbrio café da manhã com pães quentes da mesma padaria, mas repudiava, sem alusão à ressaca, tomar diariamente o mesmo conhaque.  E de gole em gole, não enxergava o túmulo da relação, apenas a pedra do seu status quo ou a promessa que se desgastou. Talvez não tenha começado um novo dia, apenas porque não suportava o estremecimento do dia anterior.

Sou adepta do relativismo de Einstein em várias ações do cotidiano, mas a vacina da dúvida não me convence. Afinal, sempre existirá uma semelhança à crônica de uma traição anunciada. Sobretudo, entendo-a como um crime particular movido pela coragem da reforma de uma casa antes de vendê-la.  E como uma conta-salário aberta, sem depósito mensal, seria uma torneira que pinga a noite inteira e continua, no dia seguinte, como uma ferida não cicratizada, como uma desavença mal resolvida.

Penso que a mudez ou as palavras não dilaceram a culpa. Mas, em algumas situações, o calar para sempre já representa o verdadeiro castigo ao outro. Se existe dor na traição, um arrependimento não pode ser mais que uma distância segura, como ir ao dentista e não esperar a angústia da próxima ida.

Acho lógico que o martírio só exista porque se vive. Penso que o arrependimento é inábil, pois o repensar sobre o que passou até significa aprendizagem, mas nunca sacrificio de nossa animalidade. Quem trai, alcança as honrarias da natureza do ser não confiável e da revés da frase: “não  é flor que se cheire”.

Não entendo o contraditório na falta de arrependimento, independente de posição religiosa, pois talvez a mudança possa refazer a nossa história. Seria pensar que ao se colocar o curativo ou assoprar, outro machado poderá ser cúmplice de um chiclete mastigado.

A história ficaria melhor ao se esperar menos do outro, separando a lucidez da dúvida. Assim, a verdade não se confundiria com aquele alimento que vai para o congelador, apenas para não ser descartado, independente de prazo de validade. Terminado o cheiro de frescor, só restaria a rejeição. Todavia, o descarte nem sempre é restituído e posto a caminho.

Seria como sair rápido da puberdade, enxergando a alternância de parceiros como a liberdade de dirigir antes dos 18 anos, colocando em risco a própria identidade lá dentro de si mesmo. Seria como se repetir o tempo inteiro e quem sabe ter a obrigação de manter os mesmos personagens.

Alguns apostam no poder reparador da borracha que é capaz de apagar as lembranças de um mar profundo e instável, como se o traficante de ilusões ficasse rico pelas promessas de calmaria na noite. E aí, penso que se o silêncio não diz nada, pelo menos não mente e não rabisca um veleiro sem vento.

Logo, prefiro acreditar não em destino ou ações incontroláveis, mas em escolhas e que os denominados “erros ou traições” são singelas passagens, não involuntárias por medo da solidão, mas provisórias certezas. A infidelidade revela o pedágio, deixa prontuários. Atuamos por comandos exclamativos, justificando a pura falta de controle, esquecendo o terreno baldio com gravetos.

Por um lado, acredito que o relacionamento que desliza fora de medida, com amassadas para se assentar não é real, mas um biscoito da sorte quebrado, uma visão pós-apocalíptica da série The Walking Dead. Não me parece que outros laços afetivos são especiais quando a lei da física leva a derrubada do encantamento dos vivos em prol dos zumbis por benevolência ou descuido. Acredito que os freios falham, mas não o coração.

Por outro, nossa ganância por finais felizes nos levam a se distanciar do fim das tentativas, fazendo da traição o ato falho e não a busca pelo que falta, pelo que não nos define, pelo talo da rosa quebrada que agoniza em seus espinhos.

Reedição pode ser uma ofensa ao coração. Perdoar pode ser um desperdício. Continuar pode ser um grande paralelismo entre o inferno e o prazer que suprime a condição desequilibrada na gangorra.

Aliás, o conto de fadas pode já estar esfacelado e, por fim, o coração desabado na tela em branco poderá ser a  eterna porta entreaberta do nada.

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Luciana Santa Rita