Os ateus e o preconceito


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Li na Zero Hora há uns dias, uma crônica da Martha Medeiros comentando a campanha da ATEA – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos contra o preconceito à Ateus. A campanha está circulando por ai, na traseira dos ônibus de algumas capitais, como Porto Alegre e Salvador. A iniciativa surge num contexto inédito, em que o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra o apresentador José Luiz Datena, por ter dito algumas pérolas do tipo:

 “Ateus são pessoas sem limites, por isso matam, cometem essas atrocidades. Pois elas acham que são seu próprio Deus.”

 “É só perguntar para esses bandidos que cometem essas barbaridades pra ver que eles não acreditam em Deus.”

Como nós temos mais de mil ateus? Aposto que muitos desses estão ligando da cadeia.”


Merecido o processo, não é mesmo? É educativo coibir este tipo de manifestação pública, principalmente por atentar contra a verdade histórica. Todo mundo sabe que nada matou mais no mundo do que o “nome de Deus”. 

Mas voltando a campanha da ATEA. Ela não é fato isolado. Em Nova York, católicos e ateus estão se matando à olhos vistos, pelos outdoors da cidade. Enquanto a American Atheists espalha pelos quatro cantos a campanha “You know it´s a myth – This Season celebrate reason” (Você sabe que é um mito – Nesta temporada celebre a razão) a Catholic League contra-ataca em letras garrafais: “You know it´s real – this season celebrate jesus” (Você sabe que é real – nesta temporada celebre jesus).
 
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É tão novidade este tipo de manifestação, que confesso não ter um veredicto final para a coisa toda. Mas creio ser possível fazer alguns apontamentos.

Primeiramente, acredito que estas campanhas podem ter um efeito cultural bastante positivo. 2010 foi um ano inesquecível para os brasileiros em termos de religão e, principalmente, em termos de preconceito. Nos Estados Unidos, a mistura de religião com política é regra e atinge proporções assustadoras. Aí está o documentário “Jesus Camp” (clique aqui para fazer o download com legenda) para não me deixar mentir. No filme, vemos como funcionam os acampamentos evangélicos para crianças, basicamente escolas militares para a formação de quadros e eleitores do Partido Republicano. Coisa para deixar o Tea Party orgulhoso e confiante no futuro da América.

Mas, apesar de todo o potencial, acho que as campanhas pecam pelo enfoque, demasiado individual, das mensagens. Por exemplo, tem sentido discutir o “mito do natal” e não discutir aborto? A união civil de casais do mesmo sexo? As declarações machistas e absurdas do papa sobre o uso da camisinha?

Mesmo no que se refere à libertação dos grilhões da fé, acho que as campanhas não acertam no alvo. Compare por exemplo, a campanha de 2009 da The British Humanist Association com a campanha canadense do “pé-grande”:
 
 
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Acho a campanha briânica extremamente simpática e produtiva. A mensagem toca justamente na experiência opressora da fé. Ela diz: relaxe, não module o seu comportamento por medo ou para ser aprovado por algo que você nem sabe se existe mesmo. “Seja feliz”, diz a campanha britânica. Esta é, de fato, uma grande campanha. Se dirige à milhões de pessoas que se impõem uma série de restrições e pergunta: Você já pensou que poderia ser bem mais feliz de outra maneira?

Já a campanha canadense se aproxima muito da campanha americana sobre o mito do natal. Sei que sou voz dissonante neste aspecto, mas lá vai: para mim, insistir na não existência de Deus é tão estúpido quanto insistir na sua existência. É tão fé quanto o contrário e, logo, igualmente sem razão. Assim, não vejo benefício na campanha canadense, uma campanha que é inegavelmente ridicularizante. Ainda que perguntar “Por que acreditar no Pé Grande é considerado delírio, mas a crença em Deus e em Cristo é respeitada e reverenciada?” faça sentido, acho uma grande perda de tempo. A experiência coletiva da fé e os seus impactos nos costumes e na hegemonia cultural vêm muito antes destas discussões filosóficas sobre a lógica de uma crença ou de outra. Penso que se o elemento restritivo da experiência religiosa fosse eliminado, acreditar em Deus passaria a ser tão inofensivo quanto acreditar no Pé Grande. Para mim, já estava de bom tamanho.

Para finalizar, acredito que a campanha brasileira seja melhor que a americana e que a canadense. Não sei se entendi bem o cartaz que diz: “Se Deus existe, tudo é permitido”. Mas os outros três são muito bons, o que é um saldo positivo para uma campanha que é novidade no Brasil, um país latino e bastante religioso. Vamos ver se as próximas campanhas conseguem evoluir para o que de fato interessa. E torcer para que consigam evoluir, já que na Itália a campanha foi proibida e no Brasil há relatos de prefeituras que se negaram a veicular as mensagens. E olha que o Estado é laico.
 
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Diângeli Soares