Ainda Mondrian


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Tendo detonado com a obra do cara, é bom citar pelo menos um exemplo de artista que realizou na prática o que foi proposto por Mondrian.

Já que eu esculhambei com o trabalho do Mondrian no meu último texto como um exemplo de prática afastada da teoria, acho que deveria agora dar alguns exemplos de artistas cuja prática é a extensão da teoria, ou mesmo de artistas que dispensaram qualquer teoria, pois é da maior importância que esse problema (o equilíbrio entre o objetivo e o subjetivo) seja resolvido na esfera plástica (…) e não na esfera do pensamento, palavras do próprio Mondrian, que segue: este trabalho jamais pode ser vazio, porque a oposição de seus elementos construtivos e sua execução despertam emoção.
Esta última frase é uma boa síntese do trabalho teórico de Mondrian: um pensamento coerentemente estruturado, com rara limpidez, concluído com uma afirmação arbitrária e, que me desculpem seus defensores, dogmática. Posso admirar seu rigor formal, sua justeza cromática, a composição cerebral: sua Composição com Azul (1926), por exemplo, pode ser descrita através de uma equação.
Mas, automaticamente, emocionar-me? E emocionar também um bosquímano da África, um ianomâmi da Amazônia, um participante e um espectador do BBB? Porque a conclusão de seu pensamento implica nisso: a universalidade absoluta, a despeito de qualquer valor ou contexto cultural. Por isso creio que quando usa o termo “universal”, Mondrian quer dizer europeu. Sua arte e sua concepção teórica, com suas virtudes e seus defeitos, são frutos da cultura européia e trazem no pacote também o eurocentrismo.
Mesmo quando passa a viver em Nova Iorque, demonstrando grande interesse pela cultura da grande cidade americana (coisa, de fato, admirável para um homem já com 70 anos), continua sendo exclusivamente europeu. Mondrian quer transpor para a tela a dinâmica da metrópole, suas luzes, ruídos, cheiros, sua música, o jazz em especial. Disso resulta Broadway Boogie Woogie (1942-1943), obra muitíssimo apreciada. Para mim, é a diluição desse dinamismo da cidade grande numa pintura de tijolinhos Lego. Creio que o sujeito que criou o Pac-Man devia constar como um de seus admiradores. Jazz, ali? Mondrian devia estar ouvindo Hank Williams sem saber…
Penso que, partindo de princípios semelhantes, Constatin Brancusi chegou mais próximo da universalidade pretendida por Mondrian. Tome-se como exemplo “A Maiastra”, um pássaro mitológico do folclore romeno que muda de forma, tema que Brancusi retomou diversas vezes. Nessas obras, há o mesmo rigor formal e a mesma simplificação de formas que há em Mondrian. Mas a forma ovóide da figura e os materiais que utilizou em suas esculturas da ave (bronze polido e mármore também polido) REALIZAM aquilo que em Mondrian é apenas teórico: modulam e controlam a luz, refletem o ambiente, e também o observador, inserem-nos na obra. Consegue, de modo muito mais efetivo, o equilíbrio entre o subjetivo, o particular, que é a ave mitológica, e o universal, nesse caso o espaço no qual o objeto se insere e que, ao mesmo tempo, é refletido de volta. A seu respeito, Ezra Pound afirmou que Brancusi escolheu uma tarefa terrivelmente mais difícil: reunir todas as formas numa só é algo que exige tanto tempo quanto a contemplação do universo para qualquer budista.
Penso que o fato de Brancusi ter sido melhor sucedido ao equacionar o objetivo e o subjetivo do que Mondrian tenha a ver com o meio escolhido. Não creio que a pintura seja o veículo mais adequado para se buscar universalidades. Um autor, de quem francamente não lembro o nome, afirmou que todas as artes aspiram à condição da música, que é apenas forma. Talvez a música pudesse ser o veículo mais adequado para expressar o universo todo. Não é à toa que no hinduísmo, a sílaba OM é considerada um dos aspectos da criação do cosmos.
E recomendaria aos meus caros leitores que se interessaram por essa questão que ouvissem OM, de John Coltrane, de 1965. Ali, sim, pode-se encontrar o que Mondrian pensou estar realizando com sua obra: o cosmos desde o seu início e todo seu desenvolvimento posterior.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.